Segundo ato

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Geralmente, o segundo ano dentro de um novo regulamento técnico apresenta muita competitividade.

Dispondo de 65 anos de trajetória em seus desgastados retrovisores, a Fórmula 1 oferece um rico painel para quem, a exemplo de Cazuza, costuma ver o futuro repetir o passado. Nada mais natural, portanto, que num site dedicado a preservar e desenterrar tesouros da história do esporte a motor, façamos uma breve viagem cronológica para relembrar o desenrolar de campeonatos nascidos sob regências astrais parecidas com o atual.

De imediato, talvez a característica mais marcante do campeonato que está para nascer seja sua condição de continuidade após a introdução de um novo e radical pacote esportivo. A rigor, dentro do arco de uma hegemonia ou um formato esportivo, poderíamos tratar a temporada atual como o segundo ato, ou o ano de consolidação, após os tiros no escuro dados em 2014. E, analisando sob este aspecto, podemos buscar referências históricas em temporadas como 1951, 53, 55, 62, 67, 79, 84, 90, 95, 99, 2007 e 2010, que também se desenrolaram logo após anos de grandes alterações no regulamento técnico.

Do passado para o presente, nossa primeira escala dá o tom para uma característica comum a vários anos com este perfil: a competitividade entre diferentes equipes. Após uma temporada inicial em que nadou de braçada sobre a improvisada concorrência, a Alfa Romeo teve que contar com todo o talento de Fangio para vencer, na última corrida do ano, a ascendente esquadra da Ferrari liderada por Alberto Ascari e José Froilán González.

Dois anos mais tarde, por sua vez, foi a Ferrari de Ascari quem viu minguar o domínio acachapante imposto aos rivais durante a primeira temporada com carros de fórmula 2. Mais uma vez, o prolongamento de uma mesma fórmula deu aos principais times o tempo necessário para encontrar o melhor rumo evolutivo, a ponto de Juan Manuel Fangio ter em mãos um Maserati evoluído o bastante para conquistar uma de suas melhores vitórias em Monza, no encerramento da temporada.

A história, no entanto, não iria se repetir em 1955, segundo ano dos motores de 2,5 litros, ainda que as condições possam ser consideradas bastante especiais. Primeiro, claro, porque não havia no grid outra equipe capaz de rivalizar com o orçamento e a estrutura que a Mercedes entregava à sua fortíssima dupla de pilotos. Depois, porque a Lancia, dona do carro que efetivamente despontava como ameaça às flechas prateadas, ficou desfalcada do talento de Alberto Ascari tão logo o italiano encontrou o destino que o perseguiu a vida inteira, ainda no primeiro terço do campeonato. Ainda assim, é possível afirmar sem medo que a velocidade e o potencial para brigar por vitórias já estavam lá no icônico modelo D50.

Avançando sete voltas em torno do astro rei, encontramos um dos exemplos mais radicais de evolução de um ano para outro. Tendo aberto a Caixa de Pandora da busca por leveza, rigidez e equilíbrio dinâmico, a criativa geração de garagistas britânicos não deu chances à Ferrari, que havia dominado por completo a temporada anterior, apesar da sensível vantagem de motorização que os italianos continuariam a ter durante pelo menos meia década. E, mesmo entre os súditos da rainha, a disputa esteve longe de ser monótona. A bem da verdade, não fosse por problemas de confiabilidade – sem jamais desmerecer a ótima forma apresentada por Graham Hill e sua BRM –, a inevitável ascensão do binômio Clark-Lotus, conjunto mais forte da era de 1500cc, poderia perfeitamente ter ocorrido um ano antes, como comprovam as seis pole positions (em nove provas) conquistadas ao longo do ano.

Pulando para 1967, o segundo ano dos memoráveis motores de três litros repetiu a história tantas vezes vista nessa viagem. O domínio da Brabham-Repco registrado na temporada anterior, construído a partir da escassez de motores confiáveis para empurrar a concorrência, viu surgir o projeto que por fim iria superá-lo. Ao longo do ano, nenhum conjunto foi mais rápido que a Lotus 49 empurrada pelo emblemático motor Cosworth DFV (double four valve) e guiada pelo gênio de Jim Clark. Ainda assim, a chegada tardia do novo motor, bem como seus inevitáveis problemas de amadurecimento, deram à Brabham a oportunidade de levantar mais um caneco, agora pelas mãos do urso Denny Hulme.

Com um motor bom e barato, e uma liberdade regulamentar que chegava ao extremo de alinhar, por exemplo, carros com número de rodas diferentes num mesmo grid, a próxima parada de nossa excursão cronológica não se dá por uma alteração regulamentar, mas por força do surgimento do carro-asa e da introdução dos motores turbo, praticamente ao mesmo tempo. Após a escalada da Lotus e de Mario Andretti ao longo de 1977, confirmada pelo título no ano seguinte, em 1979 é momento de – mais uma vez – observar o aprimoramento pela concorrência de uma boa ideia original. O conceito do assoalho vedado e projetado, que tantos triunfos garantiu aos Lotus 78 e 79, foi levado a novos patamares de eficiência através do projeto do excelente Williams FW7 guiado por Alan Jones e Clay Regazzoni. Todavia, apesar das cinco vitórias conquistadas na segunda metade da temporada, o título teria de esperar até o ano seguinte. Importa destacar também a primeira vitória conquistada por um motor turbinado, no épico GP da França de 1979.

Aqueles eram dias de ousadas experimentações e de rápidas mudanças. Cinco anos e alguns acidentes fatais mais tarde, os carros-asa já estavam restritos às páginas da história, e a era turbo rugia mais alto do que nunca. Nesse contexto, após a rápida resposta da Brabham ao retorno dos assoalhos planos, conjugada com a brutalidade do motor BMW turbo e a competência de Nelson Piquet, foi a vez da McLaren reunir um time de sonhos e dar início a uma das mais acentuadas hegemonias já construídas. Dispondo de uma dupla de pilotos do quilate de Niki Lauda e Alain Prost, da confiabilidade do motor Tag-Porsche, do suporte financeiro da Philip Morris e de um carro extremamente equilibrado, o time apresentou o melhor caminho a ser seguido dentro do regulamento da época. E, no processo, forçou Nelson Piquet a apresentar algumas de suas melhores atuações, num esforço sabidamente impossível de transformar suas nove poles em vitórias.

Avançamos mais seis anos no tempo, e encontramos em 1990 uma referência especialmente útil a respeito da temporada atual, não apenas pela continuidade em relação a um novo formato – no caso, a abolição dos turbos – mas também por se tratar do que convencionamos chamar de um ano vintage, com mudanças importantes entre pilotos e equipes. E o que se viu mais uma vez foi o fortalecimento da competitividade, com a Ferrari capitaneada por um inspirado Alain Prost fazendo frente a uma McLaren já dependente do talento de Ayrton Senna para se manter no topo. Tudo isso temperado pelo fortalecimento de Williams e Benetton, e o retorno em grande estilo de Nelson Piquet ao degrau mais alto do pódio.

Acelerando para 1995, encontramos mais um exemplo prático da mesma tendência, ainda que a tabela de pontos indique o contrário. Após um domínio acachapante do conjunto Benetton-Schumacher em 1994 na esteira da morte de Ayrton Senna, a Williams reagiu e desenhou para a temporada seguinte o melhor carro do grid. A vantagem mecânica, todavia, não bastou para tirar o título das mãos de Schumacher, numa de suas melhores temporadas.

História parecida desenhou-se no campeonato de 1999, quando o folgado domínio da McLaren no ano anterior viu crescer sobre si a sombra da maior de todas as hegemonias ferraristas. Não fosse pela excelente forma de Mika Häkkinen e também pelo acidente sofrido por Schumacher em Silverstone, o desfecho da história poderia ter sido outro.

Avançando até 2007, temos outro caso de ano vintage seguido a uma grande reformulação no regulamento. E, de novo, o que se viu foi um equilíbrio grande entre Ferrari e McLaren – com direito a escândalo de espionagem nos bastidores e fogo amigo entre pilotos da mesma equipe.

Por fim, em 2010, as duas principais equipes do grid viram a consolidação da Red Bull de Adrian Newey, que desde o segundo semestre do ano anterior já dava sinais de que seria o time a melhor aproveitar as possibilidades dos difusores soprados. O ano seria marcado por enorme competitividade entre as principais equipes, a ponto de quatro pilotos apresentarem chances matemáticas de título na última etapa da temporada.

Relembrando brevemente essa farta amostragem de 12 anos, parece claro que exista uma tendência ao equilíbrio entre as principais equipes a partir do momento em que as possibilidades de determinado regulamento técnico ficam mais visíveis, da mesma forma como nota-se uma agitação no mercado de pilotos após temporadas decepcionantes, geralmente ocorridas em anos de grande alterações nos regulamentos.

As principais perguntas que o passado nos deixa, portanto, devem ser:

1) Será que a Mercedes conseguirá sustentar sua vantagem diante de Ferrari, McLaren e Red Bull, agora que todos os times conhecem as melhores soluções para o regulamento atual?

2) No caso de uma repetição do domínio prateado, será que veremos o acirramento da disputa entre os pilotos nos mesmos moldes do que ocorreu com Nelson Piquet e Nigel Mansell em 1987, e depois com Ayrton Senna e Alain Prost a partir de 1989, ou um dos lados irá jogar a toalha, como aconteceu, por exemplo, em 1985 com Niki Lauda e Alain Prost?

O que os leitores acham?

Forte abraço a todos, e que venha uma ótima temporada.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Marcio,

    respondendo as suas perguntas ..
    1) Eu acredito que a Mercedes continuará sendo dominante em 2015. A Ferrari, RBR e Mclaren estão numa posição de incognitas. A Ferrari precisou mudar quase tudo para não repetir o fiasco que foi em 2014. Por isso parte do zero novamente em 2015. A RBR em termos de chassi talvez tenha o melhor carro da Formula 1, mas está capenga de propulsor … e na Mclaren tudo é novo em razão do inicio de sua parceria com a Honda … e podemos incluir a Willians nesta questão também pois é duvidoso se a Mercedes vai permitir que a equipe seja dominante, já que usa seus propulsores e assim evitando uma concorrência direta … para o bem da temporada, é bom que pelo menos uma destas equipes tenha força para brigar pau a pau com a Mercedes.

    2) Hamilton x Rosberg – ainda acho que na pista vai prevalecer a melhor pilotagem do ingles. Fora isso, certamente o Rosberg deve estar revendo algumas vigarices que fez em 2014 e que acabaram não dando certo. Acho difciil que ele repita em 2015 e por isso a convivência na equipe deverá ser mais “pacifica” … é meu palpite …


    Se analisarmos todas as temporadas da Formula 1, acho que houve apenas uma temporada onde o regulamento ou o incio de um novo regulamento, tenha interferido em seu resultado final … falo da temporada de 1982 … talvez a mais disputada de todas e com um campeão sem um quê de campeão …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Mauro Santana disse:

    Mandou bem Márcio!!

    Olha, na minha opinião, o Rosberg deverá vir mais forte este ano.

    Porem, acho difícil(não impossível) uma briga este ano nos moldes das temporadas de 87 e 89, porque na F1 atual, os pilotos cada vez menos podem falar abertamente a imprensa, e como o Toto Lobo já deu aquela mijada generalizada no ano passado, duvido muito que Hamilton e Rosberg tenham peito pra soltarem o verbo um contra o outro.

    Mas, para o bem da F1 e de nós, amantes desta categoria, eu quero mais que o circo da estrela de três pontas PEGUE FOGO!!!

    Abraço e um excelente feriadão a todos.

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. Ronaldo disse:

    Sobre a temporada de 1995 ja ouvi muta gente boa afirmar que o FW17 era o melhor carro do grid, mas ninguém consegue me convencer disso. A Benetton, ao conquistar o motor Renault por manobra do Briatore fechou o conjunto mais forte daquele ano, na minha opinião. Aceito o argumento dos componentes ilegais apenas para 1994. Foram onze vitórias do time italiano contra apenas cinco dos ingleses! Qual a evidência da superioridade?
    Me faz lembrar os campeonatos de 1984 e 2005, quando conjuntos mais rápidos se mostraram extremamente frágeis.

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