Ano passado, a McLaren comemorou seu primeiro título de Construtores em vinte e seis anos. Naquela época, os pilotos da McLaren eram Mika Hakkinen e David Coulthard. O escocês, que por sinal foi o entrevistador do tenso pódio em Corniche, era um personagem mais expansivo e por ser boa-pinta, Coulthard chamava muita atenção da mídia. Sem sombra de dúvidas, David tinha muita velocidade, mas sua inconsistência lhe custou a liderança da McLaren naquela segunda metade da década de 1990. Enquanto isso, Mika Hakkinen tinha um comportamento mais sereno e tendo sobrevivido a um sério acidente, tinha o respeito do paddock da época, Ron Dennis em particular. Outra característica de Mika era que ele não baixava a cabeça para Michael Schumacher, o grande piloto da época e um dos maiores gênios da história da F1.
Voltando para 2025. Ninguém duvida do talento de Lando Norris e sua velocidade, mas dentro da McLaren, Oscar Piastri parece ter um conjunto mais completo para se tornar campeão mundial e ao contrário de Norris em várias oportunidades, o australiano mostrou nesse domingo não se intimidar com a grande estrela da atualidade da F1, Max Verstappen.
O neerlandês várias vezes usou de manobras agressivas para colocar Lando no seu lugar, principalmente a partir do segundo terço do campeonato de 2024, deixando a sensação que Norris se intimidava frente à Verstappen. Na decisiva primeira curva do Grande Prêmio da Arábia Saudita deste domingo, Piastri deu um claro sinal de que além de não se intimidar frente à Verstappen, pode ocupar o lugar de líder da McLaren em 2025 na luta pelo Mundial de Pilotos.
Após os treinos livres, poucos apostariam em alguém diferente de Lando Norris e Oscar Piastri para ficar com a pole, com a McLaren novamente bem distante das rivais. No entanto, Max Verstappen parece não ser amigo do pessoal que faz Odds nas Bets da vida. O neerlandês mais uma vez tirou um coelho da cartola e com uma volta impressionante, tirou o pirulito da boca de Piastri por apenas um centésimo de segundo, enquanto mais uma vez Lando Norris pisava no tomate.
Marginalmente mais rápido do que Piastri em ritmo de classificação, Lando Norris parecia ser a aposta da McLaren na luta pela pole, já que na classificação a diferença que a McLaren demonstrou nos treinos livres era bem menor, trazendo suspeitas de um blefe do time comandado por Andrea Stella e seus papaias caps. No entanto, Norris estampou sua McLaren no muro em sua primeira volta rápida do Q3, estragando logo de cara qualquer chance de vitória no domingo. As fichas da McLaren recaíram em Piastri e o australiano fez uma ótima segunda volta no Q3, mas Max, que já havia superado a primeira volta de Oscar, conseguiu uma belíssima volta e superou Piastri para ficar com uma pole que ninguém apostaria. E Norris sairia de uma obscura décima posição…
O Grande Prêmio da Arábia Saudita foi basicamente determinado pela primeira curva da corrida. Depois de conseguir mais uma pole miraculosa, Verstappen sabia que ter ar limpo poderia lhe garantir a vantagem na conservação dos pneus e o controle da prova, algo que fez com maestria em Suzuka. Provavelmente Max esperava de Oscar Piastri o mesmo comportamento que tantas vezes Lando Norris mostrou quando o enfrentou em duelos roda a roda, mas o australiano não ligou de ter pedido a pole e mesmo saindo do lado sujo da pista, emparelhou com a Red Bull de Verstappen antes da primeira curva. Poucos metros separam a linha de largada e a primeira curva, mas muita coisa foi decidida naquele momento.
Piastri estava por dentro e como ele próprio falou, não sairia daquela situação em segundo lugar. Verstappen esperava que Piastri ‘abrisse’ como Norris tantas vezes fez, mas independentemente disso, Max manteve sua característica e foi agressivo na freada da primeira curva. Provavelmente de propósito, a chicane logo após a reta dos boxes é bem estreita, podendo causar confusões. Seguindo seu instinto, Piastri não baixou a cabeça para Verstappen e freou no limite, deixando seu carro escorregar, não dando muito espaço para Verstappen, que estava com seu aproche comprometido. Para Max, restou duas opções: sair da pista ou bater. Verstappen escolheu a primeira opção, mesmo que isso lhe garantisse uma punição.
Max saiu da pista, cortou a chicane de forma escandalosa e se manteve na frente de Piastri, esperando o que poderia acontecer. O neerlandês, junto à sua equipe, pagou para ver. Alguns metros depois, Tsunoda e Gasly bateram seus carros e trouxeram o Safety-Car, mantendo a tradição de pelo menos uma entrada do SC em cada edição do GP saudita.
Piastri sinalizou que Max deveria lhe devolver a posição, enquanto Verstappen dizia que Oscar não lhe deixara espaço. Os comissários da FIA deram seu veredicto e como Max não cedeu sua posição, ele seria punido em 5s em sua parada.
A luta pela vitória acabou ali!
Mesmo Verstappen conseguindo uma boa vantagem na relargada, fazendo com que Piastri tivesse que defender de ataques de Russell, não demorou muito para o ritmo superior da McLaren se fazer presente e logo o australiano estava menos de 1s atrás de Verstappen. Piastri e todos presentes em Jedá sabiam que bastava seguir a Red Bull de perto para garantir a liderança da prova. Quando os pneus Pirelli superaqueceram ficando colado em Max, Oscar foi aos boxes colocar pneus duros e mesmo com um pit-stop imperfeito, Piastri esperou a parada de Max para se colocar à frente de Verstappen e esperar a parada dos pilotos que esticaram o primeiro stint para assumir a liderança da prova e vencer sem maiores problemas.
Pela primeira vez na carreira, Oscar Piastri assumiu a ponta do campeonato e vindo de duas vitórias consecutivas, começa a se colocar como o darling da McLaren, ainda mais com sua atitude de não se render à agressividade de Verstappen na primeira disputa head-to-head com o piloto da Red Bull. Claro que Max Verstappen não concordou com a decisão dos comissários que lhe tiraram a vitória nesse domingo. O piloto da Red Bull não foi muito vocal em seu descontentamento, mas essa parte ficou mesmo para Christian Horner, que reuniu a imprensa com várias fotos on-board dos carros de Piastri e Verstappen para provar que seu piloto não merecia punição alguma. Mais preocupante para Max, contudo, não é improvável reversão da decisão dos comissários da FIA e a vitória perdida. Verstappen percebeu que tem em Oscar Piastri um adversário mais renhido e com huevos, ao contrário de Lando Norris.
O inglês da McLaren fez uma corrida de recuperação interessante, mas Lando quase pôs tudo a perder na sua única parada, quando por pouco não excedeu o limite de velocidade e na saída do pit-lane, não queimou a linha por muito pouco. Após largar com pneus duros e esticar ao máximo o primeiro stint, era esperado que Norris saísse alucinadamente com pneus médios novos e com tanque vazio, mas tudo o que Lando conseguiu foi ultrapassar Russell e ficar em quarto, empacado num dos destaques do dia.
A Ferrari vinha bem descontente com o ritmo do carro, mas Leclerc conseguiu fazer com que o composto médio lhe rendesse um stint bem longo, chegando a andar no ritmo dos líderes quando assumiu a liderança da prova e teve ar livre a sua disposição. Charles soube poupar pneus nas primeiras voltas, ficando longe do ar sujo de Russell e mesmo com pneus desgastados, seu ritmo permaneceu forte. Ao fazer sua parada obrigatória, Leclerc logo ultrapassou Russell, mas sabia que seria difícil defender-se de Norris. Porém, o monegasco o fez com categoria, mantendo-se 1,5s na frente de Norris até a bandeirada, garantindo o primeiro pódio do ano para ele e para a Ferrari. Leclerc parecia bem cansado depois da corrida, talvez por carregar a Ferrari sozinho nas costas.
Em nenhum momento Lewis Hamilton se mostrou competitivo na corrida, só aparecendo quando foi ultrapassado por Oscar e Max, sendo que para antigo rival de 2021, foi mais incisivo nas defesas. A disputa com Max no final de 2021 parece ter mexido com Hamilton, que desde então se tornou um piloto instável e seu início na Ferrari não está sendo auspicioso.
Após uma classificação bem interessante, onde Russell até flertou com a pole, em ritmo de corrida a Mercedes decepcionou amargamente. Mesmo com Max punido em 5s, George esteve longe de se colocar numa posição em que pudesse incomodar o piloto da Red Bull e após a única parada de todos, Russell foi para trás, ultrapassado facilmente por Leclerc e Russell, com ritmo bem superior ao seu. O quinto lugar manteve a toada de Russell de se manter sempre no top5, mas a corrida desse domingo foi bem abaixo do esperado, enquanto Antonelli fez uma prova regular, chegando em sexto sem maiores sustos.
Numa prova onde o SC apareceu na primeira volta e o desgaste de pneus não foi pronunciado, as equipes esperavam por uma corrida mais conservadora e cuidando da borracha para ter um bom ritmo a maior parte do tempo. A dupla da Williams foi a melhor do resto, com Sainz não ligando em segurar Norris no início da prova e se manter na frente de Albon, fazendo com o companheiro de equipe uma bela prova como time. Nas voltas finais, Hadjar saiu dos boxes com pneus em melhores condições e foi para cima de Albon, mas a Williams mandou Sainz diminuir o ritmo e dar DRS para Albon se defender dos ataques de Hadjar.
Com um carro muito rápido em retas e correndo em dupla, a Williams conseguiu um belo resultado marcando pontos com seus dois carros, enquanto Hadjar vai se consolidando com uma das boas surpresas entre os vários estreantes desse ano. Lawson fez outra corrida conturbada, onde foi punido e mais uma vez ficou fora dos pontos. Sua situação dentro do programa da Red Bull só se complica.
Fernando Alonso levou um belo susto quando ultrapassava Bortoleto e os dois quase bateram no muro, mas nada que afetasse sua corrida e a mediocridade da Aston Martin atualmente. Um ano depois de sua estreia surpreendente, Bearman andou o final de semana inteiro na frente de Ocon, mas numa corrida sem maiores mexidas, dessa vez o jovem inglês acabou sem pontos. Com Gasly abandonando logo na primeira volta, Doohan não fez nada de excepcional para garantir uma boa participação da Alpine na corrida saudita, só escapando da última posição com uma ultrapassagem na linha de chegada em cima de Bortoleto. A Sauber se consolida, pelo segundo ano seguido, como o pior carro do pelotão e mesmo com estratégias diferentes, Hulkenberg e Bortoleto pouco fizeram. Por sinal, os problemas mecânicos que tiraram Bortoleto do TL2 fizeram muita falta e o brasileiro executou seu pior final de semana em sua curta carreira na F1.
O dia 21 de abril de 2025 seria marcado pelos quarenta anos de dois fatos destacados para o Brasil: a morte de Tancredo Neves e a primeira vitória de Ayrton Senna na F1. Porém, isso ficou em segundo plano. Amanhecemos tristes com o anúncio da morte do Papa Francisco, provavelmente um dos papas mais ligados ao esporte que tivemos.
Olhe por nós, Francisco!
A corrida em Corniche, com seu circuito desafiador e perigoso, não foi das mais emocionantes, mas aqueles metros que decidiram a corrida foram bastante reveladores. Piastri sinalizou a todos que não abaixará sua cabeça para o estilo agressivo de Max Verstappen e jogará duro se assim for preciso, além de deixar seu companheiro de equipe Norris numa situação de momentânea inferioridade, que poderá ser decisivo para o campeonato.
Norris precisa dar uma resposta imediatamente ou terá que se conformar em ser uma espécie de David Coulthard do século 21, mas enfrenta um piloto que tem a frieza como uma de suas características mais fortes. Ao ser lembrado que lidera o campeonato pela primeira vez na carreira, Oscar Piastri não titubeou em falar: não importa ser líder do campeonato na quinta etapa, mas na vigésima quarta. Max Verstappen terá um adversário bem diferente para o título desse ano.
Abraços!
João Carlos Viana
1 Comments
J. C. Viana,
Análise perfeita de mais uma chata corrida de fórmula 1 até agora. Ao contrário a briga pelo título na tabela empolga ainda mais com Piastri agora líder. Bem que essa situação poderia ser invertida.
Max Versttapen sobra como piloto no grid mas a RBR não é ruim assim, continua sendo bem competitiva.
Já a Sauber …
Fernando Marques
Niterói RJ