Tempos extraordinários

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Vivemos tempos extraordinários na Fórmula 1, tanto para quem a admira pelos seus méritos esportivos como por aqueles de natureza técnica.

 

Vivemos tempos extraordinários na Fórmula 1, tanto para quem a admira pelos seus méritos esportivos como por aqueles de natureza técnica.

Nas pistas, Sebastian Vettel pulveriza recordes enquanto amadurece. Ele terá se tornado bicampeão na idade em que Ayrton Senna apenas estreava na Fórmula 1, como observaram os amigos do www.grandepremio.com.br. A condução de Vettel torna-se mais e mais eficiente e limpa, sua autoconfiança cresce, assim como a capacidade de ler a corrida como um todo, como fez brilhantemente no GP da Itália, tudo o credenciando a feitos ainda maiores, mesmo convivendo com pilotos do quilate de Fernando Alonso e Lewis Hamilton.

Mas os tempos são especiais também para quem gosta de tecnologia. Para estes, entre os quais me incluo, ainda reluz o fato de ter sido o RBR de Vettel o carro mais lento nas retas de Monza. Poucas vezes isso ficou tão claro ao longo de um GP: mesmo tendo o menor aerofólio traseiro entre os carros do grid – uma garantia de mais velocidade final -, em todos os treinos e prova o alemão era até 20 km/h mais lento que os demais pilotos.

Ainda assim, Vettel venceu a corrida com relativa facilidade, abrindo considerável vantagem sobre Alonso, tão logo o ultrapassou de forma brilhante e destemida.

O carro de Mark Webber, certamente com regulagem um pouco diferente, era em torno de 9 km/h mais rápido nas retas que o do companheiro de equipe. Prova de que, além do planejamento dos engenheiros, pesou também a inteligência de Vettel, em regular o seu carro de maneira tão personalizada – e eficaz.

Mas por que, apesar de tão mais lento, Vettel conseguiu vencer numa pista onde a velocidade máxima é tão importante? Simples: porque seu carro era mais rápido nas curvas, tão mais rápido que compensava sem maiores dificuldades os km que lhe faltavam nas retas.

Neste sentido, Monza foi toda uma aula da fantástica engenharia que move os modernos Fórmula 1, uma aula a qual se junta, também, um tanto de política e o quanto isso pode influenciar no resultado final do campeonato.

Cito AutoSprint: um jornalista da revista italiana postou-se na primeira variante de Monza e ficou ouvindo o ruído dos motores naquela que é uma das freadas mais bruscas da temporada. Ele observa Vettel se aproximando a uma velocidade “pazzesca”, a redução extraforte no último momento, a cabeça do piloto jogada para a frente com a desaceleração. Contornada a primeira curva, o alemão dá um toque no acelerador e já contorna a segunda perna da variante. Durante todo este intervalo de tempo, o motor Renault dispara uma série de explosões pelo escapamento, rumor semelhante ao dos motores Mercedes. É a gasolina sendo borrifada quase que diretamente no escapamento, o calor de quase 800 graus cuidando de detona-la e aquecer e acelerar ainda mais o fluxo de gases que se espalha cuidadosamente sobre o difusor traseiro, fazendo com que o carro grude na pista de uma forma ainda mais espantosamente eficiente do que nos tempos do efeito solo.

Os benefícios não param ai; também na retomada da aceleração, os RBR conseguem acelerar melhor e mais rápido, não tendo sido uma coincidência que Vettel tenha tomada a liderança de Alonso num ponto em que os carros ainda estavam ganhando velocidade enquanto subiam as marchas. A inteligência dos engenheiros no projeto do motor (para permitir que ele use a gasolina para acelerar e aquecer o fluxo de gases) e do difusor (de forma que ele aproveite isso melhor do que todos os outros), mais a perspicácia de Vettel, garante um resultado extraordinário, sob todos os pontos de vista.

Os engenheiros, ah… esses engenheiros fdp! Com esta combinação, eles conseguiram superar o efeito solo, que parecia ser a forma mais eficiente de gerar aderência nos carros de competição. Fizeram isso apenas moldando a forma dos escapamentos, revendo a mapatura de funcionamento dos motores e estudando de forma minuciosa, num nível acima da nossa compreensão, o fluxo de ar naquela parte incrivelmente intricada dos carros, onde é preciso encaixar câmbio, aerofólio, suspensão, semi-eixo e sabe-se lá mais o que.

 

Separador

 

Onde está a política nisso tudo?

O mesmo jornalista de AutoSprint, Alberto Antonini, observa que os motores dos Ferrari de Alonso e Felipe Massa soavam bem diferente na primeira variante de Monza, ouvindo-se mais claramente neles a redução de giros e apenas um ou outro estouro, tudo isso a uma velocidade consideravelmente mais baixa. Para Antonini, os engenheiros da Ferrari simplesmente não conseguiram reprogramar os motores da equipe para operar da mesma forma que os Renault e Mercedes, muito provavelmente pelo excesso de calor gerado no processo de combustão da gasolina nos escapamentos, um excesso que o motor e a mecânica dos Ferrari não podem suportar além de um certo limite.

O jornalista lembra, então, que a única vitória da Ferrari na temporada até agora deu-se em Silverstone, um GP onde o efeito do gases sobre o difusor foi neutralizado. Mas esta medida foi suspensa já na corrida seguinte e a Ferrari teve de se conformar com as posições intermediárias. Nos tempos de Jean Todt, especula Antonini, a equipe certamente faria valer a sua vontade no tapetão da Fia…

 

Separador

 

Mas ainda resta a vantagem dos RBR sobre a oposição. Por que os engenheiros das demais equipes ainda não foram capazes de copiar e superar o feito desenvolvido por Adrian Newey & Cia?

A única hipótese levantada até agora é a acusação velada de que a RBR tem o maior orçamento da categoria, acima do que foi acertado informalmente entre as equipes.

Mas acho que, mesmo isso sendo verdade, o brilho criativo dos engenheiros da equipe é a única explicação para tamanha superioridade. São tempos extraordinários!

Boa semana a todos

Eduardo Correa

 

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

4 Comments

  1. Fabiano disse:

    A história da proibição, seguida da liberação, dos difusores aquecidos (ou soprados, prefiro este termo pois parece reproduzir melhor o “espírito da coisa”) ainda não foi muito bem esclarecida, mas acredito que a Ferrari deve ter plantado algo para colher uma vantagem no próximo ano, eles tinham poder de veto ao sistema mas não a exerceram, mesmo sendo, a princípios, os mais interessados na proibição. Penso também que o presumível aumento de consumo provocado por este sistema vai de encontro às tendências de mercado, que está buscando cada vez mais a redução de emissão de poluentes (CO2). Esperava que este sistema fosse proibido para o próximo ano, mas as notícias que tratam da construção dos carros da próxima temporada dão a entender que este sistema continuará sendo utilizado. Não sou saudosista, tão pouco ambientalista, mas adoraria que a categoria investisse mais em tecnologias “verdes”, pois este parece ser o futuro da industria automotiva. Carros de F1 híbridos seriam muito interessantes.

  2. Mauro Santana disse:

    Esta ultrapassagem de Vetel no Alonso na Curva Grande foi um show, uma das mais lindas da história da F1.

    Será que o GB não vê a mesma corrida que nós!?

    Pois pra ele, GB, esta ultrapassagem se deu nas duas pernas de Lesmo.

    Só ele mesmo!

    rs

    Abraço a todos!

    Mauro Santana
    Curitiba – PR

  3. Paulo C. Winckler disse:

    Prezado Edu

    Fico feliz pelo fato de que o GPTotal continue acolhendo mensagens com dúvidas e opiniões dos leitores pois este me parece ser o espírito do site. Na verdade, esta característica o torna único!

    Se me permite, aproveitando uma coluna recente , “Monza – O traçado mágico”, tomo a liberdade de lhe sugerir uma reedição de sua primorosa coluna intitulada “Enterrem meu coração em Monza” (http://gptotal.com.br/2005/arquivo/default.asp?ArquivoEspecialEdu=pergunte20050830). Afinal, acredito que os GPTos mais novos ainda não a conheçam, o que é uma pena !

    Monza me exerce uma fascinação especial e confesso que, já há algum tempo, vinha acompanhando o GPTotal com muita admiração, porém, permita-me dizer, tornei-me seu fã à partir da referida coluna. Perdoe-me se por vezes, lhe trato de forma tão atrevida, próxima e informal, como se de fato nos conhecêssemos pessoalmente. Mas podes acreditar, este efeito (seria mais correto dizer encanto?) se deu a partir de sua coluna. Socorro-me de uma frase do saudoso Expedito Marazzi, que dizia em seus artigos, na também saudosa revista Motor 3: “se alguém ama o Automobilismo, mesmo que não o conheça , posso chamá-lo de Amigo”. E me valendo deste autorizado amparo e mais sua coluna (sempre ela) daí o meu atrevimento. Por isso digo, sou seu Fã e Amigo, sim!

    Forte abraço

  4. Salve Edu!
    De fato, Monza é o exemplo mais nítido que temos a respeito das diferenças entre rapidez e velocidade. Isso porque a pista mistura em doses quase idênticas o tempo que se pode ganhar em retas e curvas, tornando difícil estabelecer qual a melhor forma de encarar o fim de semana. Podemos lembrar, por exemplo, dos diferentes caminhos tomados ano passado por Lewis Hamilton e Jenson Button nessa mesma pista.
    Este ano, Vettel e Hamilton apostaram na rapidez, arriscando um acerto que os permitiria virar os tempos mais baixos de que seriam capazes e, por isso mesmo, os garantiria as maiores velocidades médias. Suas velocidades finais, no entanto, eram frágeis em relação à concorrência.

    Já outros, como Schumacher, apostaram numa receita focada na velocidade final, entendendo que o pequeno déficit no tempo de volta talvez fosse menos importante do que o benefício de poder ultrapassar ou se manter à frente de carros mais rápidos, especialmente no caso de conseguir uma boa largada. A grande diferença da Mercedes em relação aos três carros mais rápidos e a todos os demais, mais lentos, era aparentemente grande o bastante para que, no mínimo, Schumacher não tivesse nada a perder.

    Ocorre que, tanto para Vettel quanto para Hamilton, a estratégia só iria valer se eles tivessem pista livre à frente, podendo abrir vantagem de quem vinha atrás. Foi por isso que Vettel partiu como louco para cima de Alonso, conseguindo uma das ultrapassagens mais lindas do ano, por fora, na Curva Grande. Já Hamilton, como vimos, teve o azar de ficar preso justamente atrás da Mercedes de Schumacher. Um dos carros mais velozes da pista, pilotado por um camarada com conhecidas dificuldades para identificar os limites entre uma defesa vigorosa e um ataque kamikaze.

    Para quem curte análises técnicas, Monza foi um prato cheio.

    Aquele abraço!

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