Uma cabeça reducionista irá dizer que as três principais corridas do ano (Mônaco, Indianápolis e Le Mans) ficaram devendo em emoções, ou simplesmente que foram enfadonhas.
Indo além de análise tão rasa podemos refletir que, não importa o quanto não gostemos de uma corrida, ela sempre é vencida por alguém, e normalmente de modo meritoso.
E este ano, apesar de não termos tido, de fato, emoções de colocar o coração pra fora da boca, os três conjuntos vencedores das corridas da Tríplice Coroa mereceram a quadriculada, e a importância disso é cada vez menos valorizada.
Toyota vencendo Le Mans é triunfo da insistência, claro. Mas com mérito. Os carros podiam quebrar, bater, ou repetir qualquer um dos infortúnios que já tiraram várias vitórias da mão dos japoneses. A concorrência em 2018 não era tão acirrada como nos anos anteriores, mas era presente mesmo assim. Bobeou, perdeu. E dessa vez não teve bobeada.
Como condenar a Toyota pelo que ela fez? Eles não têm culpa se Audi e Porsche caíram fora e se nenhuma outra grande marca como a Peugeot quis competir. A Toyota não apenas manteve a palavra de não retirar sua equipe, como manteve o investimento e o desenvolvimento do TS050, sobretudo no aspecto de durabilidade.
Não foi, por exemplo, como em 1979, quando a Porsche resolveu de última hora inscrever dois de seus modelos 936 (um dos quais já tinha ido pro museu!), sabendo que a Renault tinha encerrado seu programa de endurance e não haveria concorrência direta. Parecia fácil, mas não houve preparação adequada, os dois carros rapidíssimos e destacados tiveram problemas já nas primeiras horas e não chegariam ao fim, que teve num Porsche Kremer do antigo Grupo 5 como vencedor, nas mãos do genial Klaus Ludwig e dos irmãos-picareta Whittington.
Não há por que criticar a Toyota pela falta de rivais. Foi o mesmo que aconteceu em 2000. Mercedes, Nissan, Toyota e BMW caíram fora de uma só vez, e a Audi enfrentou uma concorrência que tinha Panoz e Cadillac como duas concorrentes de fábrica um tanto claudicantes e o resto de particulares. No fim, um massacre de 1-2-3, com o terceiro carro da Audi chegando 21 voltas à frente do 4º colocado, um valente Pescarolo.
E foi assim nos outros dois anos em que o grande “rival” da Audi foi a equipe Bentley, que não passava de um time-espelho do mesmo conglomerado! Não lembro de acharem ruim…
Além disso, a Toyota se debruçou de maneira frenética na criação de diversos procedimentos e simulações de como lidar com adversidades – as quais já deram muita rasteira à marca nos anos anteriores. Chegaram até mesmo a mandar pra pista carro com roda sem pneu apenas para que todos aprendessem a lidar com a situação.
A Toyota também se comprometeu a manter o carro com tecnologia híbrida, mais pesado e complexo que um LMP1 comum. Nas 24 horas da corrida, os dois carros andaram forte o tempo inteiro, sem aliviar. O próprio diretor técnico do time, Pascal Vasselon, desaconselhou fazer qualquer tática de aliviar o pé, pois a calibração do sistema híbrido dependia de um ritmo forte de corrida. Se os pilotos aliviassem haveria mais energia elétrica estocada e isso poderia sobrecarregar as baterias.
E por último, se houve alguma manobra para determinar a ordem final dos carros, esta foi feita de maneira tão imperceptível que também temos que aplaudir isto. Fernando Alonso, em seus stints, foi diabolicamente rápido e consistente, sem cometer erro algum, mostrando suas credenciais e sendo fundamental para a vitória do carro #8 ante o #7.
Escrevi, diante daquela crudelíssima derrota em 2016, que quando a Toyota finalmente vencesse Le Mans as pessoas lembrariam de todo o esforço da marca para se consagrar, e de como aquela derrota foi dolorida.
Este é o momento. Pense em Nakajima e Buemi, que estavam no carro que perdeu em 2016. Pense num grupo que já está nessa há tantos anos, e finalmente consegue o que quer. Se uísque 30 anos já tem um sabor incrível, imagina vitória maturada por todo esse tempo.
Imagina o sabor disso.
A Toyota estava, na corrida, em outro patamar. Mas nem tanto. Seus carros marcaram como melhor volta giros na casa de 3:17 alto. Os dois carros da Rebellion, que acabaram chegando em 3º e 4º lugares, tinham tempo de volta de 3:20 baixo, ou seja, cerca de apenas 2,5s inferior por volta. E não fizeram muito mais pits, já que a Toyota cedeu à sugestão da própria WEC de fazer stints de no máximo 11 voltas – sendo que o carro é econômico o suficiente pra rodar 14.
Os carros da equipe SMP Racing, equipe que contou com os préstimos de Jenson Button, também fizeram 3:20 como melhor. Mas nenhum dos dois carros terminou a prova, tendo o carro de Button um motor quebrado na penúltima hora.
A distância final de 12 voltas para o Rebellion que chegou em 3º parece (e é) uma margem considerável. Mas não esqueçamos que qualquer pane ou batida consome vários minutos para os reparos, e no ano passado o Porsche que venceu levou sufoco de um LMP2 justamente porque teve que trocar todo o eixo dianteiro.
Portanto, outro mérito da Toyota foi o de ter chegado com seus dois carros à bandeirada sem sofrerem problema algum em 24 horas. Houve ocasiões em que mesmo em disputas entre equipes de fábrica, o ritmo dos rivais foi maior do que tivemos esse ano.
Juan Pablo Montoya segue sendo uma pessoa extraordinária. Piloto do carro #32 da categoria P2, errou e foi parar na brita durante a corrida. Ao comentar o acidente, disse que “faltou talento” na manobra, numa demonstração de humildade que simplesmente não se vê na praça.
Lembrou bastante dos seus primeiros momentos na Nascar. Em uma de suas primeiras corridas na categoria principal, ele provocou um acidente que envolveu meio mundo de carros, e demandou infindáveis horas de bandeira amarela pra limpar tudo. Quando voltou aos boxes, claro, choveu repórter em volta esperando as primeiras considerações do colombiano acerca da ocorrência, sobretudo porque os outros pilotos que foram tirados da prova já revelavam toda ira e indignação.
Ele simplesmente virou pros repórteres e disse: “Eu causei o acidente. Conformem-se”. No que virou às costas e foi embora.
Às coroas.
A vida de Fernando Alonso ter se tornado um inferno depois de 2007 (muito em parte por conduta e escolhas dele mesmo) é que nos traz hoje para a discussão sobre a importância das vitórias em outras praças para além da Fórmula 1, e de como era saudável ver pilotos disputando várias categorias ao mesmo tempo.
A lembrar que Alonso era para ter corrido pela Porsche, no terceiro carro da marca, na edição 2015. Justamente o que venceria a prova, como Nico Hülkenberg, Earl Bamber e Nick Tandy. Não havia como não tratar o assunto como mal resolvido.
Quem ganha é o público, que agora assiste um piloto tentar vencer de várias maneiras diferentes.
Alonso se iguala a Maurice Trintignant, Bruce McLaren e Jochen Rindt como vencedor de Le Mans e Mônaco. O alvo, claro, é Graham Hill, e o espanhol sabe que não terá em Indianápolis um cenário tão favorável pra ele quanto na vitória que acabou de conquistar. O bom é que ele, aos 36 anos, ainda tem muita lenha pra queimar.
Abração!
3 Comments
Lucas,
eu não consegui ver nada da corrida mas confesso que fiquei bastante feliz ao saber que a Toyota e Alonso foram os grandes vencedores de Le Mans 2018.
Agora é esperar a Indy 500/2019 para sabermos qual vai ser a sorte do Alonso.
Fernando Marques
Niterói RJ
Grande texto, Lucas!
Foi muito show ver o Alonso vencendo, mas principalmente, a Toyota, Nakajima e Buemi, pois como você bem lembrou, está turma aí merecia muito esta tão sonhada vitória.
Abraço!!
Mauro Santana
Curitiba PR
Belo texto! Eu curti muito a vitória da Toyota, tem muitos méritos. E o Alonso mitou!!
Já tenho minhas metas aqui. Torcer para o Alonso nas Indy 500 que virão, e torcer pro Montoya nas Le Mans que virão. Já imaginou se ambos conquistam suas tríplices coroas no mesmo ano? Seria espetacular.