Um novo Interlagos?

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Interlagos, conforme se anuncia, vai passar por nova reforma. A esperança é que, sobrevivendo e mais esse tranco, se transforme numa arena onde a prioridade seja a utilização do espaço para sua finalidade original: pista de competição. E que manutenção seja algo feito diariamente, e não anualmente.

Interlagos recebeu a Fórmula 1 pela primeira vez em 1972 e, já no ano seguinte, passou a fazer parte do calendário oficial do campeonato mais importante do automobilismo mundial. Desde então, recebeu nada menos do que 29 dos 40 Grande Prêmios Brasil disputados, perdendo apenas dez corridas para o falecido Jacarepaguá e uma para a morta-viva pista de Brasília.

Velho, mas não como o vinho, Interlagos sofre o peso dos anos e dos maus tratos. Quem o conhece bem sabe o quanto aquele verdadeiro templo do automobilismo mundial foi e é maltratado. Porém, recentemente a Prefeitura, a dona de Interlagos, anunciou um plano para realizar uma extensa reforma no mais antigo autódromo brasileiro e certamente o mais importante da América Latina.

Não será a primeira vez: que me corrijam matusaléns mais matusaléns que eu, mas no final dos anos 60 Interlagos fechou por um bom tempo, e os mirrados boxes, originalmente situados em um platôzinho pouco depois da insidiosa curva do Café, ficaram maiores, antes da antiga Curva 1, onde hoje é a entrada do S do Senna. E ainda houve a malvada reforma do fim dos anos 80, que desfigurou o traçado, cortando três dos oito mil mágicos metros da pista, tudo em nome da modernidade e de uma pseudosegurança. Eliminaram as fantásticas curvas 1, 2 e 3, mataram a Ferradura e o Sargento e, além de cometer bobagens como o S do Senna, inviabilizaram o traçado antigo, que poderia e deveria, claro, ser mantido, assim como o anel externo. Um crime, enfim.

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Para um ranzinza desconfiado como eu, a notícia que Interlagos será mais uma vez reformado causa um sentimento duplo: primeiro, só acredito vendo. E se ver, ficarei feliz apenas por saber que o lugar onde passei as minhas maiores emoções esportivas da infância, adolescência e maturidade não virará – como profetizaram alguns – um loteamento. Porém, me chateará a impressão que tenho de que “as coisas” não mudarão.

Quais “coisas”?

As de sempre, típicas do Brasil. A obra certamente custará cinco vezes mais do que se fosse feita em qualquer outro país sem o perfil “malandrinho” que o nosso país infelizmente tem. Uma vez completado, o serviço (cuja mais importante alteração, comenta-se, é a passagem dos boxes para a parte interna da reta oposta, na área entre a velha curva do Sol e a do Lago) não receberá, como de hábito, a devida manutenção. Assim sendo, a cada ano em que a F1 aqui pisar, acontecerá aquela barbaridade que sempre acontece, com Interlagos fechando durante três ou quatro meses para ser ‘ressuscitado’ para seu evento mais importante, o GP Brasil. E tal barbaridade se dá tanto pela verdadeira gastança absurda que este procedimento de não cuidar para depois arrumar causa aos cofres da Prefeitura (e, portanto, com o nosso dinheiro) como pela arbitrariedade que representa fechar a principal praça do esporte automobilístico (e motociclístico) nacional assim, sem mais.

Exemplo real: este ano o Campeonato Paulista de Automobilismo terá sua 8ª etapa disputada em final de agosto. A 9ª? Só em dezembro. Imagine o estrago que isso faz em quem vive do automobilismo em nível regional: equipes, mecânicos, oficinas, pilotos entram em quase quatro meses de férias não remuneradas, pois a Prefeitura precisa “arrumar” Interlagos para a F1. Será que é assim em Monza, Spa-Francorchamps, Suzuka ou Hockenheim, outras velhas pistas do calendário da F1? Claro que não!

A iniciativa dessa reforma agora anunciada não é, dizem, uma coisa espontânea da Prefeitura, pois sabedora do mau estado da infraestrutura de Interlagos. A Prefeitura não sabe de nada, não vê nada, e se vê diz que as prioridades são outras. A iniciativa de falar em reforma é literalmente para inglês ver, resultado da ameaça do todo poderoso Bernie Ecclestone que há alguns anos vem alertando que, se nada for feito em prol de Interlagos, a Fórmula 1 pode não mais vir ao Brasil.

Quem como eu teve a sorte de conhecer pistas importantes mundo afora sabe exatamente como Interlagos é ridiculamente tosco no que tange ao boxes e prédios circunstantes. A torre, as salas sobre os boxes e os próprios boxes são medíocres dentro do atual padrão das pistas mais modernas, ou nem tanto, mas ao menos bem conservadas.

Deixemos de lado o entorno “favelístico”, a dificuldade de acesso ou outros maus aspectos do local, inamovíveis. O que incomoda a Bernie e toda a trupe da F1 que aqui aporta anualmente é o mesmo que incomoda a quem vai lá para uma simples etapa do Paulista, que é verificar que, se chover, a água empoçará no pit lane, que as portas do boxes são ridiculamente mal feitas, que há goteiras, que o piso é irregular, que falta espaço no paddock, que os banheiros são poucos e ruins, e que tudo ali parece improvisado, mal feito. Tudo tem nível amadorial, a não ser a ausência de carinho e cuidado, esta sim, profissional!

Se salva, felizmente, o traçado. Mesmo alterado sem bom critério no fim dos anos 1980 é ainda uma pista verdadeira e não um “freia-e-acelera” à la Tilke. O asfalto, apesar dos shows, missas e eventos que nada têm a ver com motores que se fazem ali, não está dos piores depois do derradeiro recapeamento. Todavia há sempre o medo que a evidente falta de uma administração séria, atenta e comprometida com o esporte a motor possa causar à pavimentação.

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Templo máximo do automobilismo brasileiro, Interlagos atualmente é o retrato da transformação que o esporte a motor vem sofrendo no país: aparentemente parece estar bem, mas carece de forte modernização e cuidados. No esporte a motor nacional, pululam categorias monomarca para endinheirados gentlemen drivers ou categorias insossas como a Stock Car e o ridículo Campeonato Brasileiro de Marcas, (onde todos os motores são iguais!), mas categorias de base, de formação de novos pilotos, nicas. Zero incentivo. Milhões gastos para velhos correrem, enquanto os novos pilotos não têm onde se formar.

A esperança é que, sobrevivendo e mais esse tranco, Interlagos realmente se transforme numa arena múltipla, que haja lugar adequado para eventos de várias espécies mas que a prioridade seja a utilização do espaço para a finalidade original: pista de competição. E que manutenção seja algo feito diariamente, e não anualmente.

Roberta Agresti

Roberto Agresti
Roberto Agresti
"Rato" de Interlagos que, com sorte (e expediente), visitou profissionalmente Hockenheim, Mônaco, Monza, Suzuka e outras. Sempre com uma câmera na mão e uma caneta na outra.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Interlagos precisa ser modernizado em tudo, menos o seu traçado que alem de lindo e muito bom vai continuar moderno eternamente.
    Eu tambem acho que este “S” do Senna não deveria ter sido feito. As antigas curvas 1, 2 e 3 era coisa pra macho e bem melhor que esta silhueta que foi sugerida pelo proprio Senna (tremenda bola fora).

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Allan disse:

    Quanto ao “S” do Senna, discordo que seja uma bobagem. Ali sempre foi um ponto natural de ultrapassagem – ou pancas homéricas, tal qual se via nos circuitos antigos (que tal a extinta bus stop de Spa?). Montoya, em sua segunda corrida, de uma por fora – ali no S – no Miguel que ele tá procurando até hoje… Fora o quanto é escorregadia e aparenta ter vários ângulos (andei de Lobini ali e realmente é espetacular ver, na reta, o que surge no S…)
    Quanto aos boxes, acho até bem vindo, no caso de Interlagos, a mudança. Apesar de ser fã dos circuitos antigos, aquela forquilha sempre me causou calafrios, algo que mais cedo ou mais tarde iria levar alguem…

  3. Mauro Santana disse:

    A realidade do automobilismo brasileiro, infelizmente é esta tristeza.

    Agora eu pergunto:

    Por que o traçado original + o anel externo não são reconstruídos?

    O que impede isso?

    Em 2009, havia uma movimentação, da qual eu participei daqui de Curitiba para a reconstrução do antigo Interlagos.

    E aí. como ficou?

    Infelizmente, o brasileiro tem o dom de apagar rápido as alegrias do passado, e muitas vezes, eu acho que o automobilismo para nós, brasileiros, não tem mais aquele valor que tinha antigamente.

    Isso é muito triste!

    Abraço a todos!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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