Viagem Insólita – Final

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Continuando nossa viagem exploratória do universo interno da Fórmula 1. Vamos visitar os habitáculos das décadas de 1990 em diante

Década de 1990 – Prost-Peugeot AP01 (1998)

Época de despedidas. No cockpit deste Prost de 1998 tudo é digital (relógios a ponteiro, sobretudo o da pressão de turbo estavam extintos como o pássaro Dodô) e não apenas a manopla do câmbio deu lugar às borboletas atrás dos volantes (Ferrari 640 de 1989), como o próprio pedal da embreagem foi abolido paulatinamente durante o crescimento da década – dando aos pilotos a opção de frear com o pé esquerdo mais facilmente, já que os sistemas eletrônicos do motor faziam o trabalho do punta-tacco.

No habitáculo da foto, há apenas um pequeno visor digital com informações selecionáveis (não-fixas, como ‘páginas’), luzes-espia e reguladores na parte baixa do painel. Tudo simples e funcional. As barrinhas de rotação deram lugar aos conjuntos de shift-light na parte superior do volante. O piloto, ora bolas, não precisava mais saber o regime, bastava trocar de marchas quando todas as luzes acendem… Isso, entretanto, não significa menos trabalho – apenas possibilitou que ele agora pudesse se preocupar com outras atribuições da dinâmica do carro, o que seria explorado ao extremo na década seguinte.

Dos tradicionais Momo e Personal de três raios em couro ou camurça, passamos a ter volantes com base achatada, para dar espaço para as pernas dos pilotos e aos cortados, sendo o formato de “8 deitado” uma ideia surgida na Arrows-Ford A10 de 1989, de um tal projetista Ross Brawn e retomada pela McLaren já na era prateada. A elevação dos bicos (Tyrrell-Ford 021 de 1990; Benetton-Ford B191 de 1991) fez com que os fundilhos dos pilotos ficassem, num plano horizontal, abaixo dos pés.

Outra mudança importante foi a filosofia de construção dos monocoques. Do “molde macho” original, poligonal e que exigia carenagens por cima, passou-se a fazer o “molde fêmea”, que produzia uma peça interna e externamente acabada, necessitando apenas a pintura de guerra. Se puxarmos pela memória, até 1991 a McLaren (MP4/6) tinha painéis laterais inferiores em carbono cru logo à frente das tomadas de ar laterais. No modelo sucessor (MP4/7) isso não acontecia, com o branco-vermelho Marlboro vindo de cima a baixo do cockpit.

Década de 2000 – Ferrari F2003GA (2003)

O habitáculo permaneceu apertado, feito para ser vestido pelo piloto como um artesanal terno de alfaiataria. Mas a segurança foi reforçada na área do pescoço, o que começaria a ser estudado com afinco após o quase-fatal acidente de Karl Wendlinger em Mônaco 1994. Se na baixíssima McLaren-Honda MP4/4 de 1988 era possível ver o movimento de ombros de Senna e Prost, nos carros do novo milênio você só consegue enxergar a metade de cima dos capacetes, adornados pelo eficiente dispositivo anti-tranco cervical Hans Device, introduzidos em 2003. Crash-tests, que começaram a ser feitos a partir de 1985, tornaram-se mais exigentes a cada ano.

Desde meados da década anterior, alguns botões já eram vistos nos volantes (que começaram a ser mais visíveis externamente a partir de 1995, quando foram proibidos de serem encobertos pelo cockpit), a começar pelo canal de rádio. Mas a década resolveu fundir volante e painel numa só peça em fibra de carbono, moldada de acordo com as mãos de cada piloto. De um ou dois, passamos a ter dúzias de botões, de apertar ou girar – como diria a Ferrari, os tais manettinos presentes no volante desta F2003 GA campeã. Regulagens de controle de tração, de diferencial, de carga de freio puderam ser feitas e refeitas a cada curva e o maior exemplo disso eram as onboards de Michael Schumacher pela Ferrari durante as tomadas de tempo. Ele parecia mais brincar com os botões do que propriamente guiar…

O final da década reservou aos pilotos o trabalho de literalmente tapar um buraco. Era para, com as costas da mão esquerda, fazer funcionar o famigerado F-duct, que ajudava a ganhar velocidade em reta e durou muito pouco – apenas para 2010. Para enterrar a ideia, inventaram o DRS, aquele que é um atentado à isonomia do esporte e vulgarizou/banalizou as ultrapassagens.

Década de 2010 – Mercedes W09 EQ Power+ (2018)

A F1 foi ficando cada vez mais complexa, até chegarmos aos atuais motores híbridos, que exigem ainda mais botões e catracas nos volantes, que são moldados literalmente pelo tamanho das mãos dos pilotos, a fim de um encaixe perfeito. É a década do DRS e do uso de energia elétrica extra, gerada pelos sistemas de recuperação de energia.

A maioria dos times continuou a acoplar o display colorido do painel junto ao volante; uma das exceções na década foi a Williams e seus volantes tipo “8 deitado” e painel posterior. E tudo continua embalado em muita, muita fibra de carbono.

Mas a grande novidade da década foi quando o piloto olha um pouco mais acima. Há agora uma gaiola medonha chamada Halo, criada em um ambiente de preocupações máximas com segurança, aceleradas pelos acidentes fatais de Jules Bianchi na F1 e de Justin Wilson na Indy.

///

A próxima viagem insólita será realizada daqui a 70 anos. Se o planeta, a F1, a língua portuguesa e minha cuca estiverem inteiros, escreverei com muitíssimo prazer.

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

Coluna publicada originalmente em 08 de outubro de 2010 – devidamente revisada e ampliada!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

1 Comment

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Texto Lucas!

    Lembro de ter ficado maravilhado quando li sua coluna em 2010, justamente pelo presente que você estava compartilhando conosco.

    E como o tempo passou rápido, em setembro irá completar 10 anos, caramba…

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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