Viva Las Vegas!

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Quarenta e um anos depois da esquecível primeira passagem de Las Vegas pelo calendário da F1, a chamada ‘Cidade do Pecado’ fez seu retorno à categoria num momento bastante distinto. Se no começo da década de 1980 Bernie Ecclestone tentava (em vão) popularizar a F1 nos Estados Unidos e levava a categoria para onde lhe pagasse melhor, dessa vez Las Vegas abriga a terceira corrida no ano nos Estados Unidos com públicos espetaculares, numa popularidade nunca antes vista no States, alavancado pelo seriado Drive to Suviver e ações da Liberty Media. A expectativa da prova de rua em Nevada fez que a F1 fizesse uma contagem regressiva nas provas anteriores, como visto na quinzena anterior em Interlagos, palco tradicionalíssimo da F1, mas que para a Liberty Media, foi apenas uma ponte para o grande evento do calendário. Pelo menos, na visão de Greg Maffei e seu blue caps.

Se para a Liberty Media, que pela primeira vez promoveu um Grande Prêmio, a prova em Las Vegas era vista com bastante interesse, para os fãs mais puritanos da F1 havia o receio de que haveria purpurina em excesso e corrida de menos. As celebridades, subcelebridades e afins deram o ar de sua graça em Las Vegas e seu traçado medonho em formato de porquinho, mas seria injusto dizer que não vimos uma boa corrida, apesar da presepada de sexta-feira. Las Vegas viu uma prova animada, mas com alguns elementos bem comuns à temporada 2023, como mais uma pole inútil de Charles Leclerc, Sergio Pérez bobeando e Max Verstappen vencendo.

O entorno do Grande Prêmio em Las Vegas sem dúvida nenhuma é muito bonito, com os grandiosos hotéis sendo a paisagem do circuito de rua, enquanto os carros da F1 rasgam a também gigantesca reta da Strip a mais de 350 km/h. Comparada a primeira visita da F1 à Las Vegas quarenta anos atrás, por sinal, num local bastante próximo do antigo circuito improvisado no estacionamento do Ceasar’s Palace, houve uma maior preparação com relação à divulgação, mesmo que aspectos básicos para se haver uma corrida fossem deixados em segundo plano. Na sexta-feira, com menos de dez minutos de treino livre, Carlos Sainz encostava sua Ferrari na ‘sideline’ com o fundo do seu carro totalmente destruído por causa da tampa de um bueiro que havia se soltado. Treino paralisado e logo depois cancelado. Pois haviam mais de trinta bueiros para averiguar e em alguns casos, consertar.

A situação ficaria ainda pior com o atraso do segundo treino livre estendendo o limite de horas dos trabalhadores locais, além de ficar no limite de tempo que a F1 necessitava para entregar a ‘Strip’ de volta para a cidade de Las Vegas. Os poucos torcedores que congelaram nas arquibancadas durante a madrugada foram expulsos pela polícia, pois ficara claro que não haveria tempo de entregar às ruas de volta para a cidade com torcedores ainda nas arquibancadas. Para quem pagou (muito caro) para acompanhar a sexta-feira de F1, foram literalmente expulsos dos seus lugares no aprazível horário de três da manhã depois de ver meros oito minutos de ação. Um vexame histórico, mas que fundamenta ainda mais a opinião de que a Liberty Media se preocupa mais com a parte de entretenimento do que o esporte em si, causando sérias restrições para os fãs mais puritanos da F1. Sem contar que os novos fãs que estiveram nas bancadas em Vegas na sexta-feira tiveram uma péssima experiência para contar.

Para sorte de todos, o resto do final de semana em Las Vegas foi bem normal e podemos afirmar sem medo que a corrida foi acima das expectativas. Leclerc conseguiu mais uma pole, a 23º na carreira, o fazendo empatar com Niki Lauda como o segundo com mais poles na F1 correndo pela Ferrari. Contudo, essa história já foi vista várias vezes desde o ano passado. Em ritmo de classificação, a Ferrari é muito forte, mas em ritmo de corrida…

A largada em Las Vegas foi animada, ainda mais com uma primeira curva tão próxima da linha de largada. Largando por dentro, na parte suja, Verstappen tracionou melhor do que Leclerc, provando que a pista estava longe de estar devidamente emborrachada. Porém, com o asfalto marcando 18 graus, Max escorregou e foi para fora da pista, forçando Leclerc sair também, numa clara situação de forçar outro piloto para fora da pista. Punição certa e que foi confirmada com um certo atraso. Mais atrás, Alonso efetuou uma largada parecida com aqueles pilotos de vídeo game que faz uma largada sem auxílio de onde frear e só aperta o botão do freio no meio dos carros na curva um. Sobrou para Bottas e Pérez, que acertaram o espanhol, enquanto Sainz batia em Hamilton e continuava seu final de semana azarado em Vegas.

Tudo isso trouxe o SC virtual para limpar a pista, mas logo o SC físico deu as caras por causa do esquisito acidente de Lando Norris, que perdeu seu McLaren antes de uma das longas freadas do circuito e bater forte, quase acertando seu companheiro de equipe Piastri. Lando posteriormente foi levado ao hospital para exames mais detalhados, mas tudo não passou de um grande susto para Norris, que encerrava sua sequência de pódios. Com a corrida tendo poucos momentos de bandeira verde em seu início, Pérez aproveitou para colocar uma asa dianteira nova pelo toque na curva um, colocando o mexicano numa janela diferente de paradas, o que lhe ajudaria bastante. Lá na frente, Verstappen liderava Leclerc, mas já sabia que seria punido em 5s quando fizesse seu pit-stop. Leclerc se mantinha próximo de Verstappen com pneus médios e numa situação inédita em 2023, Charles efetuou uma ultrapassagem sobre Verstappen bem na volta em que Max, com os pneus desgastados, foi aos pits colocar pneus duros novos. Mesmo com a borracha mais dura, Max teria que fazer uma segunda parada, algo que Leclerc não faria. Com um ótimo ritmo com pneus médios, Charles levou sua Ferrari até próximo da metade da corrida e com pneus duros em seu carro, parecia que Leclerc estava com a faca e o queijo na mão. O clima frio em Nevada impediu a Ferrari de destruir os pneus, mas o bom ritmo não se repetiria com os pneus duros.

Quando Leclerc fez seu único pit-stop, quem assumiu a ponta foi… Pérez! Numa bela corrida de recuperação, o mexicano foi escalando o pelotão, seguido de perto por Stroll, Sainz e Alonso, todos tendo parado na primeira sequência de SC, porém, Checo logo se destacou com um ritmo claramente melhor. Quando os líderes pararam, Checo subiu para primeiro e poderia se beneficiar de uma boa posição de pista, enquanto Leclerc estava com uma vantagem boa para Russell e Verstappen, que ultrapassava carros com estratégia diferentes, enquanto brigavam entre si. George se aproveitou bem da punição de Max e estava na frente do neerlandês, mas na luta direta entre ambos, Russell deu uma viajada quando tentou contornar a curva quando Verstappen estava claramente do seu lado. O toque foi inevitável, mas sem maiores danos para ambos, que seguiram suas corridas, mas deixaram alguns detritos no local. Em condições normais, um SC virtual poderia deixar tudo em ordem, mas estamos em Vegas, baby! A corrida precisava de uma pitada a mais de emoção, mesmo que de forma artificial e o SC físico apareceu pela segunda vez, só que de forma bastante marota. E ajudando sobremaneira os pupilos de Christian Horner, que completou 50 anos nesse final de semana.

Por outro lado, a entrada do Safety-Car estragou a estratégia de Leclerc, que tendo parado apenas quatro voltas antes, não valeria a pena retornar aos pits e ficou na pista, mas Checo e Max, que provavelmente parariam mais tarde e retornariam no meio do trânsito, fizeram suas paradas com a pista neutralizada e perdendo menos tempo. Para completar, numa ótima posição de pista. Leclerc estava em condições de pneus parecida que os pilotos da Red Bull, mas seu ritmo com pneus duros simplesmente não era o mesmo. Na relargada Pérez partiu para cima e não demorou muito para ultrapassar o então líder Leclerc, enquanto Verstappen, relargando um pouco mais atrás, ia ultrapassando rapidamente seus adversários marcando voltas mais rápidas no ínterim. Como Pérez não disparou na ponta, rapidamente tivemos uma briga à três.

Leclerc fazia das tripas coração para se manter na briga com os dois carros da Red Bull, mas Max ultrapassou a Ferrari com a ajuda do DRS e Verstappen ultrapassou Checo logo depois. Leclerc estava andando tão forte, que acabou errando e cedendo o segundo posto para Pérez, o que parecia ser uma dobradinha da Red Bull. No entanto, Pérez ativou novamente o status sorumbático e na última volta levou uma ultrapassagem de Leclerc daquelas de se pensar que Checo estava no mundo da lua. Mesmo com o vice campeonato garantido com antecedência, além de retificar a primeira dobradinha da história da Red Bull, Pérez saiu como perdedor nessa corrida em Nevada. Mesmo tendo perdido a vitória no SC, Leclerc comemorou o segundo lugar, provando que sua posição no campeonato não condiz com seu potencial, enquanto Verstappen se igualava à Vettel como o terceiro maior vencedor da história da F1.

Na montanha-russa que foi a temporada da Alpine em 2023, em Vegas a equipe gaulesa esteve bem e Gasly chegou a pressionar Russell nas primeiras voltas depois do francês conseguir seu melhor grid no ano, mas Pierre optou por uma estratégia errada ao não parar no segundo SC, acabando por ficar fora da zona de pontuação quando seus pneus se acabaram. Em compensação, Ocon fez uma prova com a cabeça, usou a tática correta e terminou em quarto, porém, a Alpine viu seus dois pilotos brigarem, quando o lógico era que Gasly deveria ter aberto a porta para Ocon, com uma estratégia melhor. Essa dupla da Alpine ainda dará muitas dores de cabeça à cúpula da equipe.

Largando mais atrás devido a (mais uma) classificação ruim, Stroll se aproveitou dos problemas na primeira curva para se colocar entre os dez primeiros, mas largando com pneus macios, logo teve que troca-los, deixando o canadense na mesmo ótima estratégia de Pérez, fazendo com que Lance tivesse sua melhor corrida do ano, superando Alonso a corrida inteira e terminando num interessante quinto lugar. Com a família Stroll satisfeita, a turma da Aston Martin respira aliviada, além de diminuir bastante a desvantagem que o time tem para a McLaren no Mundial de Construtores.

Sainz se recuperou de sua rodada na primeira curva, entrou na mesma janela de Checo, mas em nenhum momento teve o mesmo ritmo do seu companheiro de equipe ou de Stroll. Na verdade, Sainz brigou bastante com Alonso, que se recuperou do seu erro na primeira curva e chegou aos pontos. Russell foi punido pelo toque com Verstappen, mas George ainda fez o possível para minimizar o prejuízo e chegou a ultrapassar Ocon para ser o quarto carro a receber a bandeirada, mas com a punição caiu para oitavo. Hamilton teve uma corrida problemática, onde um toque com Piastri o fez percorrer o segundo circuito mais longo da F1 com um pneu furado, deixando Lewis em penúltimo. Hamilton foi ajudado pelo segundo SC, pois juntando todos os carros, ele foi escalando o pelotão e ainda terminou em sétimo, mas perdeu qualquer chance de conseguir um miraculoso segundo lugar no campeonato. Já no Mundial de Construtores, o dia complicado da Mercedes fez com que a Ferrari encostasse de vez, com os dois tradicionais times separados por meros quatro pontos, num dos poucos assuntos ainda a serem resolvidos na última etapa em Abu Dhabi.

Oscar Piastri fez uma ótima corrida de recuperação largando da décima nona posição e chegou a ocupar o terceiro lugar, mas o australiano acabou fazendo um segundo pit-stop nas voltas finais que o fez perder até mesmo um lugar na zona de pontuação, mas num ritmo fortíssimo, que lhe rendeu a volta mais rápida da corrida, Piastri ainda beliscou uma décima posição. A dupla da Williams chegou a ficar em quinto e sexto, mas Albon e Sargeant foram perdendo rendimento e nem mesmo o anglo-tailandês, que várias vezes fez milagres nessa temporada, segurou o ritmo e saiu da zona de pontuação. Depois de boas atuações nas últimas corridas, a Alpha Tauri não encontrou ritmo em Las Vegas e seus pilotos estiveram bem longe da zona de pontuação. Correndo em casa, a Haas teve um final de semana bem usual em 2023. Ótimos treinos, péssimas corridas, com o ritmo derretendo ao longo da prova.

Foi uma corrida bem acima da expectativa na parte esportiva. Fora das pistas, muitas celebridades marcaram presença e Justin Bieber deu a bandeirada com um entusiasmo de fazer inveja a um torcedor do Botafogo nessas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro. Depois da bandeirada começou um show de fogos e muita purpurina subiu após a corrida, com os três primeiros ficando vários minutos andando num Rolls Royce até chegarem ao lugar das entrevistas. Havia um certo pessimismo com relação ao comportamento dos pneus em baixas temperaturas, mas não houve grandes problemas e os acidentes foram condizentes para um circuito de rua, ainda mais novo.

Pérez teve mais uma corrida com a sensação de que vacilou feio e mesmo tendo o vice-campeonato no bolso, saiu como derrotado. Leclerc fez uma corrida muito acima, enquanto Verstappen teve uma corrida problemática, foi punido, levou um toque e mesmo assim, venceu mais uma vez. Mesmo na festeira Las Vegas, a F1 viu o mesmo resultado de sempre e pelo rádio, o quase inevitável Max Verstappen cantava ‘Viva Las Vegas’.

Abraço!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    JC Viana,

    pelo seu relato Las Vegas ao menos viu uma corrida divertida …
    A pergunta que não quer calar: RBR vai trocar o Checo pelo Ricciardo?

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • João Carlos Viana disse:

      Olá Fernando,

      Tudo leva a crer que Checo ficará mais um ano na Red Bull, tendo contrato para tal, mas não dá para duvidar nada do que Helmut Marko pensa sobre os pilotos da Red Bull…

      • Fernando Marques disse:

        Estou achando o Checo desmotivado … assim como foi o Bottas na Mercedes … achando que ia ganhar corridas (sim ganhou, assim como o Checo) mas sem nunca poder brigar pelo titulo …

        Fernando Marques

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