A pergunta que mais ouvi no final do ano passado foi “você acha que Alexandre Barros tem chances de ser campeão mundial na motovelocidade?”. A resposta é sim, mas vai ter muito trabalho. Mas se a pergunta for: “Você acha que Michael Schumacher tem chances de ser campeão mundial de F-1 em 2003?” a resposta é: com certeza absoluta.
Qual a diferença entre estas duas respostas? Muitas, sobretudo a obviedade que atingiu a Fórmula 1 nos últimos dois anos. A hegemonia da dupla Schumacher-Ferrari é tamanha que vai demorar pelo menos metade da temporada para que outras equipes cheguem no vácuo. A Fórmula 1 atingiu um nível de tecnologia tão sofisticado que para ganhar meio segundo numa pista deve-se fazer um investimento de alguns milhões de dólares. A equipe com mais chances de incomodar a Ferrari é a Williams, que tem o suporte financeiro e pacote técnico à altura da marca italiana. No entanto seus pilotos Juan Pablo Montoya e Ralf Schumacher são rápidos, mas muito inconstantes e o motor BMW deu um show de pirotecnia ao explodir em várias ocasiões.
Passemos à MotoGP. O final da temporada de 2002 mostrou que Honda e Yamaha estão no mesmo nível de competitividade. Além disso, Alexandre Barros e Carlos Checa melhoraram ainda mais as Yamaha nos treinos pré-temporada. As outras marcas ainda estão um degrau abaixo no desenvolvimento e quem pode surpreender são a Ducati e a Kawasaki.
Em termos de piloto, a Fórmula 1 tem o genial Schumacher e outros ótimos pilotos, mas todos num nível um pouco abaixo. Nacionalismos à parte, quem acompanha a modalidade sabe que Schummy tem o mesmo dom genial de Ayrton Senna, Alain Prost e outros magos da pilotagem. Além de rápido, ele tem uma capacidade incrível de acertar seu equipamento. Mais do que isso, a exemplo de Senna, o alemão sabe se adaptar às mais diferentes situações. Basta analisar as corridas em que os humores do tempo vacilaram, com chuva e sol durante duas horas. Schumacher conseguia pilotar no molhado com pneu slick e no seco com pneu de chuva. Só que a atual F-1 atravessa um período de falta de talentos efetivos. Na última temporada os únicos campeões mundiais no grid de largada era o próprio Schummy e Jacques Villeneuve, numa apagada BAR.
Já na MotoGP o número de campeões mundiais numa largada é bem maior. Em 2003 teremos: Valentino Rossi, Kenny Roberts, Max Biaggi, Olivier Jacque, Daijiro Kato, Loris Capirossi e Marco Melandri (estes cinco últimos campeões na 250). Mesmo os “sem-título” Carlos Checa, Alex Barros, Sete Gibernau, junto com os recém chegado Nicky Hayden, estão em condições de andar no pelotão da frente e até brigar por vitórias.
As motos têm desempenho muito equilibrado entre as principais equipes. Desde os tempos imemoriais o equilíbrio esteve presente nesta modalidade e é quase impossível lembrar de uma corrida em que o vencedor conseguiu abrir um segundo por volta desde a largada, como acontece com a atual F-1. Outra fator de equilíbrio e emoção na motovelocidade é a ausência de jogo de equipe. Mesmo pilotos de uma mesma equipe têm liberdade de se estapearem a vontade dentro da pista e que vença o melhor. É mais comum, inclusive, existir uma rivalidade entre pilotos “colegas” a ponto de um esconder a regulagem de sua moto. Cena como a do GP da Áustria de F-1 de 2002, com a descarada manobra da Ferrari, é quase impossível de ser vista no motociclismo. O que acontece normalmente é o primeiro piloto receber um pacote técnico de inovações antes do segundo piloto.
Em 2003 teremos um dos campeonatos mundiais de motovelocidade mais emocionante dos últimos anos. Valentino Rossi não vai ter mais a mesma moleza de 2002 e seu novo companheiro de equipe, o americano fenômeno Nicky Hayden vai chegar atropelando. Esta história de que ele não conhece ainda as pistas do mundial é pura balela de quem nunca pilotou uma moto de corrida. Um piloto bom de verdade não precisa mais do que cinco voltas para aprender um circuito novo. O resto é trabalho em conjunto com telemetria e a equipe para “apurar” o traçado. Teremos ainda Alexandre Barros numa fase excelente, com a Yamaha entregando um pacote técnico sem restrições. O cara está na equipe certa, na hora certa. Quem acompanha corridas sabe o que isso significa.
Já os outros recém chegados à categoria, o americano Colin Edwards e o australiano Troy Bayliss ainda vão fazer papel de figurantes. Edwards foi freguês de Barros quando se encontraram nas provas de longa duração (8 Horas de Suzuka) e Bayliss precisa de quilometragem no guidão de uma Ducati estreante para desenvolver o equipamento. Nos testes pré-temporada, Bayliss foi sempre mais lento que seu novo companheiro Loris Capirossi. Não acredito na Suzuki andando na frente em 2003. No motociclismo, quando um conjunto fica a meio segundo do melhor tempo significa que terá muito trabalho pela frente e a Suzuki terminou a temporada com mais de um segundo atrasada em relação à Honda e Yamaha. Pelo menos Kenny Roberts Jr terá um colega de equipe promissor, o jovem americano John Hopkins, outro fenômeno da superbike americana.
Agora só falta o mais difícil: convencer a Rede Globo, que tem os direitos de transmissão da MotoGP para o Brasil, de que um bom produto como este não pode continuar restrito a uma pequena parcela de fanáticos. Mesmo aqueles que nem sequer gostam de moto se envolvem facilmente pelas disputas e plasticidade da categoria. Enquanto na F-1 a gente só vê um capacete e, de vez em quando, as mãos dos pilotos, na moto podemos ver todo o movimento do corpo. É um espetáculo bom demais para ficar em segundo plano.
Tite Geraldo Simões, instrutor do curso Speedmaster de pilotagem (www.speedmaster.com.br), São Paulo-SP
Foi anunciada oficialmente a contratação do ex-ferrarista John Barnard para desenvolver a Proton KRV5 do americano Kenny Roberts Sr, uma moto com motor V-5 e tecnologia inédita no chassi. Vai ser um trabalho duro: fazer da Proton KRV5 uma moto capaz de concorrer com marcas japonesas e italianas já decanas na categoria motovelocidade. Para o tricampeão mundial da 500cc, o californiano Kenny Roberts, tudo é uma questão de tempo, dinheiro e tecnologia. Tempo ele já acumulou em mais de uma década como dono de equipe. Dinheiro ele conseguiu ao atrair os malaios da Proton, uma gigante da indústria automobilística e motociclística da Malaysia, cheios da grana. Agora chegou a tecnologia ao contratar um dos magos da F-1, o inglês John Barnard, autor, entre outros, do projeto da McLaren M23 – em parceria com Gordon Coppuck – que deu o título mundial de F1 a Emerson Fittipaldi em 1974.
Mas não é só. Barnard também teve participação ativa no projeto das McLaren MP4, que dominaram a F1 nos anos 80, com Alain Prost e Ayrton Senna e depois na Ferrari que vem dominando a F1 atual com Michael Schumacher e Rubens Barrichello.
O trabalho de Barnard será no sentido de desenvolver novos materias e nova tecnologia principalmente para o chassi. Desde a entrada discreta da eletrônica na motovelocidade nada mais radical foi pesquisado. “Vai ser um trabalho duro – explicou Barnard – principalmente porque o regulamento do motociclismo é muito restritivo quanto ao uso de alguns materiais. O progetista irá trabalhar em sua agência no município de Banbury, na Inglaterra, considerado o “cinturão da tecnologia da F1”. Os pilotos da Proton para 2003 serão Aoki e McWilliams, já que Kenny pai não conseguiu convencer o filho Kenny Jr a sair da Suzuki.