Pra acelerar, é só pisar?

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Quando se fala em acelerador, geralmente vem à mente o pedal da direita. Porém, o que realmente faz o carro “acelerar” não é o pedal em si, mas a válvula hidráulica que regula o fluxo de ar que entra no motor. Popularmente conhecida como “borboleta” devido ao seu formato mais difundido, ela é fundamental para garantir a quantidade correta de ar admitida pelo motor, sendo portanto um elemento chave no funcionamento do sistema. Enquanto nos motores de carros de passeio tem-se somente uma válvula deste tipo, na F1 utiliza-se uma válvula “borboleta” para cada cilindro, de maneira a controlar individualmente o ar admitido.

Borboleta de um carro de passeio

Borboleta de F1

Com a “borboleta” aberta, o ar é admitido e o combustível é injetado no fluxo de ar momentos antes de chegar à válvula de admissão – e por consequência, antes de entrar na câmara de combustão. Após a mistura ar-combustível entrar na câmara de combustão, a centelha é comandada pela vela, levando à ignição do combustível contido na mistura. Como a quantidade de combustível a ser injetada depende da quantidade de ar admitido, nota-se que a borboleta acaba sendo responsável indiretamente pela quantidade de combustível consumida pelo motor. Por outro lado, quando a borboleta está fechada, ela impede a entrada de ar no motor, e o processo de combustão é temporariamente interrompido.

No caso da F1, todas as “borboletas” do motor são controladas pelo pedal do acelerador, que gera um sinal elétrico conforme sua posição angular. Este sinal elétrico é, então, recebido e convertido pela ECU do motor e então transmitido à válvula “borboleta”, fazendo então com que a válvula se abra ou feche pela atuação de seus componentes elétricos e mecânicos. Desta forma, é possível controlar a posição exata de abertura da válvula, através dos mapas de calibração do motor.

Uma válvula borboleta pode ir de sua posição fechada para completamente aberta em questão de 10 milissegundos, equivalente à duração da luz de um flash fotográfico. Em uma pista como Sepang, onde 60% da volta é percorrida com o “pé embaixo”, a borboleta chega a realizar 110 movimentos entre as posições fechada e aberta, ou qualquer outra posição intermediária. Considerando que uma volta nesta pista gira na casa de 1:36, as borboletas irão, em média, mudar de posição uma vez a cada 0,87 segundos. Mais rápido do que um piscar de olhos.

O regulamento técnico da F1 relacionado às válvulas borboleta preocupa-se mais em controlar o torque gerado e o mapeamento da ignição, no qual o torque produzido deve corresponder à uma posição de torque solicitado. Em outras palavras, quando o pedal do acelerador chega ao fim do seu curso, a borboleta deve estar 100% aberta e o torque produzido deve estar dentro de um valor pré-estabelecido. Por outro lado, quando o pedal está em sua posição inicial, o torque produzido deve ser igual a zero, de maneira que a borboleta deve ficar no máximo 30% aberta para garantir somente a operação do motor em marcha lenta.

No que diz respeito ao aspecto construtivo das borboletas, o regulamento é bastante aberto, e um número diverso de sistemas pode ser utilizado. Porém, de maneira geral, são três os tipos mais comuns de borboleta utilizados na F1 nos últimos 30 anos. O menos utilizado é chamado de válvula “guilhotina”, e neste sistema o ar é dividido em dois por uma válvula que se expande e retrai como o objeto que a nomeia. O mais popular é a verdadeira “borboleta”, em que a válvula consiste em uma forma circular que gira em torno do seu próprio eixo, ficando em posição vertical quando aberta e horizontal quando fechada. Por fim, existe também a válvula em “barril”, na qual pequenos rolos deslizam em direção ao cilindro para impedir a passagem do ar. Qualquer um destes sistemas pode ser usado, mas na F1 os fabricantes tem optado mais pela borboleta e pela válvula em barril.

Válvula em barril

Válvula em guilhotina

Os motores Renault, por exemplo, utilizam o sistema de borboleta. No passado, quando do início do desenvolvimento dos V10 e dos V8, a fabricante francesa experimentou com válvulas do tipo barril, mas acabou optando pela borboleta. Se por um lado a válvula em barril permite uma maior geração de potência por permitir um maior fluxo de ar para o motor (cerca de 5CV a mais), as válvulas borboleta são mais sensíveis e permitem uma melhor mistura do ar com o combustível, favorecendo a dirigibilidade. Com isso é possível obter mais estabilidade e controle do escorregamento dos pneus, melhorando o grip mecânico em curvas de baixa velocidade – momento nos quais a borboleta acaba ficando aberta de maneira parcial.

Com o passar dos anos as válvulas borboletas foram ficando cada vez mais finas e mais leves. Uma borboleta do início dos anos 2000 chega a ser três vezes mais espessa do que as utilizadas atualmente. Através da evolução dos materiais utilizados – de aço para titânio ou de alumínio para plásticos de engenharia – as borboletas atuais são muito mais finas, o que significa que a diferença de potência para as válvulas em barril é muito menor agora (5CV) do que no passado (até 10CV). Além disso, o mecanismo de ligação entre as borboletas também foi simplificado. No começo da era dos V8 as borboletas eram ligadas por complexos mecanismos separados, que deixavam o sistema pesado e difícil de manter calibrado. Agora, as borboletas são ligadas através dos cilindros por um único mecanismo, deixando todo o sistema mais leve e integrado. A eventual perda de precisão na adoção deste mecanismo integrado é compensada pela possibilidade de rodar o motor com menos cilindros atuando, e portanto uma menor precisão é necessária na abertura das válvulas.

No entanto, as equipes de F1 já teriam se livrado das borboletas se estas não fossem exigidas pelo regulamento. Por exemplo em 2011, quando se utilizou os gases de escapamento para “soprar” os difusores de ar e melhorar a eficiência aerodinâmica na região traseira dos carros, as borboletas eram deixadas abertas o tempo todo para manter o fluxo de gases de exaustão, e os mapas de torque e ignição eram então utilizados para controlar o torque produzido pelo motor. Caso as regras não tivessem sido melhor explicadas (como foram durante a temporada), as borboletas passariam a ficar totalmente abertas e o torque seria controlado totalmente pela ignição. O que tornaria os carros muito mais eficientes.

Abraços,

Cassio Yared

Cassio Yared
Cassio Yared
Engenheiro Mecânico, acompanha a F1 desde o milagre da sexta marcha. Possui especial interesse pelas tecnologias desenvolvidas na categoria.

1 Comments

  1. Rubergil Jr. disse:

    Muito bom texto e esclarecedor. Não imagina que mesmo os F-1 usavam ainda a tradicional borboleta.

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