Modo fácil

Quando compramos um jogo novo de vídeo game, normalmente usamos o modo mais fácil para podermos nos acostumar ao novo brinquedo e irmos evoluindo na medida em que vamos jogando. Com o tempo vamos aumentando o grau de dificuldade, pois o jogo vai ficando ‘fácil’ demais e por consequência, vai perdendo a graça.

O conjunto Max Verstappen/Red Bull RB20 é tão forte que parece que o neerlandês está com o novíssimo F1 2024 correndo no modo fácil. Em Xangai, Max colocou 13s em cima do segundo colocado Lando Norris, praticamente a mesma diferença que Verstappen impôs nas vitórias na Arábia Saudita e no Japão. No Bahrein Max colocou 22s goela abaixo de Sergio Pérez, que tem o mesmo carro que ele. E todas as vitórias de Max Verstappen em 2024 tem basicamente a mesma história, com uma largada quase perfeita, o contorno da primeira curva na frente e depois correr para o abraço após 305 quilômetros.

Contudo, esse domínio de Max Verstappen é sobre os melhores pilotos do mundo da atualidade, onde muitos deles se sacrificaram bastante, além de suas famílias, para chegar na principal categoria do automobilismo. Não tem bobo na F1, mesmo com Strolls e Sargeants por ali. E você conseguir exercer um grande domínio na F1 é algo muito grande, mesmo que não seja inédito. Só que Max não parece dar nenhuma brecha para que surja alguém para tentar destrona-lo, sem contar que ele tem apenas 26 anos.

Um exemplo bem prático é que Scott Dixon conseguiu uma vitória sensacional em Long Beach na Indy nesse domingo, se consolidando cada vez mais entre os gigantes da história. Foi a vitória de número 56 do neozelandês na categoria, que estreou na Indy em 2001, ano de estreia do GPTotal. Pois Max Verstappen conseguiu sua vitória de número 58 na Formula 1. E ele estreou na F1 quatorze anos depois de Dixon debutar na Indy…

Não podemos afirmar que a corrida realizada no circuito de Xangai foi chata ou ruim. Provavelmente foi melhor que as demais nesse começo de temporada 2024, pelas alternativas trazidas pelos dois Safety-Cars no meio da corrida, sem contar o alto desgaste de pneus que sempre caracterizou a pista chinesa, que retornou ao calendário da F1 depois de cinco anos, por causa dos problemas advindos dos Covid.

Nem isso fez com que Verstappen tivesse um trabalho hercúleo para administrar a prova após apontar da curva 2 na frente, quando viu Fernando Alonso fazer magia na largada e chegar a colocar seu Aston Martin ao lado de Max na curva 1. Verstappen simplesmente despachou os adversários e só os viu mais de perto durante os períodos de SC. Com a confiança em alta, Verstappen parte impávido rumo ao tetracampeonato e isso acaba contagiando de alguma forma todos ao seu redor. Mesmo com os seus problemas internos, a Red Bull conseguiu a proeza de realizar dois pit-stops duplos perfeitos nesse domingo.

Se Max não teve muito trabalho na frente, do segundo lugar para trás a corrida teve muita história para contar. Sergio Pérez largou na primeira fila e foi surpreendido pela largada impressionante de Alonso, caindo para terceiro. Pérez respirou fundo e usando a força do seu carro, ultrapassou o espanhol poucas voltas depois, mas se encontrando 5s atrás de Max, tudo indicava para uma corrida solitária do mexicano. Era a senha para mais uma dobradinha da Red Bull, mas dois SCs estragou a tática de Checo. Quando fez sua primeira parada, Pérez estava no meio do pelotão, já que Norris e Leclerc resolveram esticar o primeiro stint. O motor quebrado de Bottas ajudou sobremaneira Norris e Leclerc, que pararam durante a neutralização da corrida e como na relargada houve mais um incidente que trouxe Bernd Maylander de volta à pista, Lando e Charles teriam mais chances de conservar seus pneus nas voltas finais, complicando a vida de Pérez, que forçou seus pneus para ultrapassar Leclerc, mas acabou sem borracha para atacar Norris, que garantiu um excelente segundo lugar, numa pista onde a McLaren esperava reduzir os danos e acabou no pódio.

Pérez vem fazendo uma temporada melhor do que a anterior e está confortavelmente na vice-liderança do campeonato, mas quando ele não completa uma dobradinha após uma corrida dominante de Verstappen e tendo largado na primeira fila, sem sombra de dúvidas isso chama a atenção e aumenta a pressão sobre Checo, que não teve seu contrato renovado e vê a Red Bull claramente conversando com outros pilotos. Essas pipocadas de Sergio Pérez não o ajudam e lembram bastante Thiago Galhardo batendo pênalti na frente de torcidas que o intimidam, como no Castelão nesse sábado…

Já com o contrato renovado com a Aston Martin, Fernando Alonso percebeu que a equipe verde não tem mais um carro tão forte como no ano passado e por isso resolveu se divertir. No sábado, Alonso não ligou para o desgaste de pneus e se defendeu como se não houvesse amanhã dos ataques de Sainz, Pérez e Leclerc, proporcionando uma das melhores corridas Sprint da curta história da experiência.

No domingo Alonso efetuou uma largada extraordinária, tentou um ataque à Verstappen, mas sucumbiu à força da Red Bull. Parecia que Alonso teria uma corrida burocrática pela frente, mas um erro estratégico da Aston Martin durante os períodos de SCs fez com que Fernando fizesse uma terceira parada após ter colocado pneus macios de forma que ninguém entendeu muito bem. Com pneus médios no último stint, Alonso se tornou o piloto mais rápido das voltas finais, realizando várias ultrapassagens até ele retornar ao sétimo lugar, além de garantir um pontinho da melhor volta.

Mais pontos para a Aston Martin, que como se tornou usual, não pôde contar com Lance Stroll, que cometeu um erro estúpido na primeira relargada e acertou em cheio a traseira de Ricciardo, que na sequência bateu em Piastri, que teve seu carro danificado, mas permaneceu na pista, enquanto Daniel continuava sua dramática temporada com outro abandono. O mais incrível é que Lance não assume seus erros e a punição de 10s que tomou ficou até barata pelo estrago que o canadense fez. Lance vive numa bolha onde ele não erra, em qualquer setor da vida, incluindo a profissão que ele escolheu (ou lhe foi imposta pelo pai?) que é ser piloto de corridas. É cada vez mais flagrante que Lance Stroll não merece estar na F1.

A Ferrari fez uma corrida chinfrim para quem se autointitula como segunda força do campeonato desse ano. Logo de cara seus dois pilotos se atrapalharam na largada e com isso perderam duas posições. Leclerc se recuperou mais rapidamente e dessa vez andou na frente de Sainz a corrida inteira. Numa pista de alto desgaste de pneus, a Ferrari parar apenas uma vez demonstra a evolução da equipe nesse quesito, além de Charles ter tido sorte com o SC na hora certo, porém, isso não lhe deu um pódio, relegando-o ao quarto lugar, com Sainz mais de 10s atrás, tendo que enfrentar a pressão de Russell no final.

Toto Wolff já revelou que a Mercedes, equipe que parecia infalível nos seus anos dourados, errou mais uma vez no carro em 2024. O terceiro seguido, já podendo pedir música. Liderando a equipe no momento, Russell ainda salvou um sexto lugar, mas longe de brigar por algo melhor, enquanto Hamilton, que errou na classificação e largou na penúltima fila, fez uma corrida de recuperação com pitadas de lágrimas via rádio. Foi irritante a forma como Hamilton se lamentava do seu carro. Essa mentalidade chorosa de Lewis é bem distinta dos grandes pilotos da história.

Com Stroll sendo Stroll, restou apenas uma vaga na zona de pontuação para as demais equipes e ela acabou ficando com Hulkenberg, que fez uma corrida sólida para ser décimo. Bottas era o favorito a ficar com esse lugar, mas o motor estourado acabou com os sonhos dele e da Sauber. Porém a Sauber teve o que comemorar no fim da prova, com as cenas pós-corrida de Zhou sendo ovacionado pela torcida chinesa, não importando sua posição final (14º) sendo um dos pontos altos do final de semana. A Alpine mostrou uma pequena melhoria e Ocon chegou a sonhar com os pontos, mas acabou atropelado por Alonso para terminar em 11º, logo à frente de Albon. Se Hulk marca pontos, Magnussen marca punições, com outro incidente que lhe fez ser punido, ao tocar em Tsunoda num incidente completamente evitável.

No retorno chinês ao calendário da F1, Max Verstappen venceu pela primeira vez na pista xangaiense e da mesma forma como fez nos últimos dois anos. Dominando, parecendo que estava passeando a 300 km/h. O que Max vez fazendo na F1 atual é algo ao mesmo tempo impressionante e assustador. No suprassumo do automobilismo, Verstappen brinca de vencer. Depois da corrida a Red Bull falou: “Max não é humano”. A falta de erros e a vontade de continuar dominando faz parecer que Max Verstappen comprou o game F1 2024 antecipado e está jogando no modo fácil. Realmente parece algo sobre-humano.

Abraços!

João Carlos Viana