Renovação e Ousadia

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Nico e Bernie sairam de cena numa intertemporada bombástica

O campeonato de 2016 da Fórmula 1 terminou em Abu Dhabi, numa corrida que, convenhamos, foi até morna: Nico Rosberg, com uma estratégia previsível, sagrou-se campeão. Até aí nada de mais, afinal, quem faria diferente dele ou de Hamilton naquelas circunstâncias? Difícil responder.

E então começa, para nós fãs, o calvário da intertemporada, que é o de esperar praticamente quatro meses até a corrida de abertura da temporada seguinte. Normalmente essa entressafra de temporadas é recheada com notícias, mas a maioria só tem o intuito manter a audiência acesa enquanto aguardamos a corrida de abertura. Já faz um tempo que nem me impressiono, pois sei que muita bobagem é dita nesse meio tempo apenas em busca de audiência, e acabo lendo pouco, entrando em ritmo de férias.

A intertemporada atual, no entanto, acabou saindo desse script.

Apenas cinco dias após a conquista, Nico vem a público para anunciar sua aposentadoria, uma bomba tão arrasadora que pega todos de surpresa, até mesmo a própria equipe Mercedes. E a partir daí começa toda a sorte de especulações.

De um lado, todo o mundo a perguntar quem vai substituir Nico e ter a felicidade de sentar num dos cockpits mais cobiçados, senão o mais cobiçado de toda a Fórmula 1. E do outro lado, a Mercedes a buscar em regime de urgência um piloto no mercado, numa fase em que alguns dos possíveis cotados não estão mais disponíveis, amarrados em outros compromissos.

Na primeira quinzena de janeiro, Valtteri Bottas acaba sendo confirmado para a vaga. Se a decisão de Nico fosse avisada com antecedência, é provável que a cúpula da Mercedes tomasse uma decisão bem mais pensada. Mas, enfim, não quero especular sobre isso.

Nem bem digerimos essa celeuma, vem outra bomba: Bernie Ecclestone é demitido e perde seus poderes de um dia para o outro. Tudo bem, alguns dirão que já estava na hora e eu mesmo achei que a notícia chegou com uns dez anos de atraso. Mas o cara ficou quase 40 anos no poder! Queiramos ou não, é uma notícia que mexe com o imaginário outra vez. Duas mudanças e tanto nessa intertemporada.

O novo grupo controlador da F1, o Liberty Media nem dá tempo de especulações e já anuncia o sucessor: o escolhido é Chase Carey. Muita gente se pergunta, inclusive eu, quem é esse cidadão e o que isso pode representar daqui em diante.

Não gosto de especular, gosto de estudar cenários. E em busca disso, começo a pensar por aqui o que pode acontecer, ainda que, sinceramente, nesse caso, seja melhor esperar pra ver. Sem dúvida há mudanças à vista. Renovação é preciso, evidentemente. Nada é eterno.

O ponto agora é entender como toda essa mudança vai impactar a F1. Há muitos anos a categoria vem sofrendo um desgaste junto a fãs e equipes de uma forma geral. Muitas mudanças foram feitas ultimamente tentando dar um rumo ao barco. Algumas parecem ter funcionado, outras nem tanto…

Quando optamos por mudanças não temos 100% de garantia dos resultados e é preciso correr riscos. O danado é que o grau de risco envolve um outro fator que é a ousadia. E aí começo a perguntar, qual o grau de ousadia foi colocado nessas mudanças que foram feitas?

Fui buscar no passado situações semelhantes, para tentar achar uma resposta.

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Vamos voltar no tempo, mais especificamente a Monza, 1970. Nos treinos para o GP da Itália, Jochen Rindt perde o controle de sua Lotus 72 na entrada da Curva Parabolica. A colisão é inevitável e o pior acontece: Rindt não sobrevive aos ferimentos.

Nos dias que se seguiram à morte de Rindt, duas pessoas sofrem indiretamente uma mudança de destino em consequência desse acidente: Emerson Fittipaldi e Bernie Ecclestone

Emerson Fittipaldi e a Lotus voltam a participar da F1 a partir do GP dos EUA em Watkins Glen e ganham a prova. Esta vitória dá condições matemáticas necessárias para garantir o título de Rindt, que assim é declarado campeão, o único post-morten da categoria.

Emerson, apesar do pouco tempo na categoria, é escolhido por Colin Chapman como o novo primeiro piloto da Lotus, que na época era nada menos que a equipe mais vencedora da época. Nos oito anos anteriores, haviam vencido quatro títulos de pilotos.

A escolha de Chapman tem um quê de parecido com a situação da Mercedes nos dias atuais: um campeão sai de cena e deixa a equipe na situação de buscar um substituto. Tendo um carro cobiçado por muitos pilotos, Chapman poderia ter escolhido alguém mais experiente que Emerson, entretanto existiu uma certa dose de ousadia por parte do inglês ao apostar no talento do brasileiro.

Nesse caso, a história mostra que sua aposta, claro, deu certo. Em dois anos, a Lotus com Emerson voltaria a conquistar o título de pilotos em 1972. E para quem achava que a Lotus naquela temporada era muito superior, Emerson ainda venceria um equilibradíssimo campeonato de 1974 por outra equipe, a McLaren, não deixando dúvidas quanto a seu talento.

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Por outro lado, a situação de Bernie depois de Monza 1970 foi bem peculiar. Ele era o empresário de Jochen Rindt. Na verdade, eles eram sócios.

Rindt provavelmente não estava tendo uma boa relação pessoal com Chapman. O piloto havia apontado em uma carta aberta os riscos da obsessão de Chapman em construir carros no limite da segurança. Já era especulado na época que ele estava pensando em se aposentar ao final da temporada de 1970.

Rindt era um cara com uma forte veia empresarial e, nesse sentido, se afinava muito com Bernie. Eles pretendiam montar uma espécie de circo itinerante com shows de acrobacia ou montar um negócio voltado ao automobilismo. Com a morte de Jochen, esse projeto é interrompido e não vai adiante. Entretanto, Bernie, que até então era um personagem secundário no mundo da Fórmula 1, não se afasta por completo e no fim do ano seguinte compra a equipe Brabham.

A partir dessa aquisição, Bernie vai enveredando por um caminho muito mais político-empresarial e espalha seus tentáculos por todos os lados, até se tornar ao final dos anos 80 o poderoso chefão da categoria.

Não dá para negar que as influências de decisões tomadas por Bernie a partir dessa época tiveram um impacto forte na categoria. Na minha forma de ver a Fórmula 1 como torcedor até meados dos anos 90, ele trouxe importantes mudanças e muitas delas até ousadas. Cito como exemplo a descentralização das corridas na Europa e a decisão de levar a categoria a muitos locais fora do continente europeu. Evidentemente, nem sempre com acertos, mas ousadia também exige certo grau de risco e erros.

Há uma passagem do livro “Não sou um anjo” do autor Tom Bower, em que o Reginaldo Leme descreve com muita precisão um retrato do método Bernie de tratar os assuntos. Reginaldo escreve:

“Mas quem, entre eles (construtores e dirigentes), lá atrás nos anos de 1970, teria acreditado tanto no produto a ponto de enfrentar donos de autódromos, FIA, governos de cada país, cancelar GPs tradicionais, trocar a Europa por outros mundos onde hoje está o dinheiro e, com isso, fazer a Fórmula 1 chegar tão alto? Os métodos? Bom, sempre variaram de acordo com o momento. Vivendo dentro desse mundo há 38 anos, eu assisti a inúmeras demonstrações do poder ilimitado desse homem. ”

São essas situações que abrem espaço para a renovação, isso é bom em qualquer âmbito da vida. Um misto de ousadia e astúcia muitas vezes podem tornar possíveis, as mudanças necessárias.

O danado é que por ter um gosto ilimitado pelo poder Bernie, não largou o osso na hora certa e não cuidou de fazer um processo de transição em que um sucessor pudesse ser preparado, até para que nós, que acompanhamos, pudéssemos ir aos poucos digerindo o que estaria por vir. Agora ele cai fora de uma só vez e deixa um alto grau de incerteza sobre quem são e o que pretendem os novos controladores.

Sai Bernie entra a Liberty; sai Rosberg e entra Bottas. Sinceramente? Vejo pouca ousadia nessas renovações.

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Por outro lado, a aposta e ousadia de Chapman, que abriu espaço para que um novo piloto desabrochasse no talento e se tornasse campeão, nos mostra que sem esse tipo de ousadia a renovação muitas vezes não acontece e ficamos com mais do mesmo. Dá para dizer que Bottas não será campeão? Claro que não. Mas eu aposto que ele foi lá fazer uma temporada tampão, para que a equipe Mercedes busque alguém de maior quilate.

A mesma ousadia que em épocas passadas marcaram esse tipo de situação e que foram de certa forma positivas a categoria, agora, mesmo eu sendo otimista para o que está por vir, confesso não estar muito entusiasmado.

Quem sabe revendo o legado de Ecclestone, o legado positivo, as boas coisas que foram incorporadas a categoria, o que aconteceu na carreira de Emerson e outros pilotos alçados repentinamente a carros desejados, é torcer e esperar que tanto Chase Carey como Valtteri Bottas sejam apostas para uma renovação com ousadia e que a temporada 2017 seja algo a não se perder.

E você caro leitor o que acha? Podemos manter nossa esperança de estarmos vendo uma renovação positiva?

Um bom começo de ano,

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mario,

    toda mudança deve ser bem vinda mas nem toda mudança podemos dizer ou garantir que será para o melhor.
    Eu penso que a Formula 1 foi uma coisa até aquele acidente do Senna em Imola em 94 … a partir daí o principal tópico da categoria foi a segurança e isso envolveu não só novos projetos de carros mas de novos regulamentos e dos circuitos também … tudo mudou … a racionalidade passou a falar mais alto, corretamente até, pois não tinha a ver a Formula 1 promover tantos acidentes fatais … e aí a Formula 1 que sempre foi uma categoria top do automobilismo abriu a sua porta de vez para o uso da tecnologia … o que possivelmente não foi bem mensurado o quão ruim este avanço foi para a categoria. E é isso que virou talvez o principal debate entre nós aqui no GEPETO.
    OA ousadia do Chapman ao projetar os seus carro, a meu ver jamais se enquadraria nesta Formula 1 atual.
    Quanto ao Bottas temos que dar tempo ao tempo … eu penso que ele seja mais rápido que o Rosberg … mas vamos ver para realmente saber …
    A Formula 1 é um business … e aí a politica aflora … mas penso que se a Liberty quiser implantar a cultura americana na Formula 1, possivelmente a Nascar será a maior categoria do planeta …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Marcelo C.Souza disse:

      Fernando,

      Os detratores do automobilismo norte-americano odeiam esta realidade, mas a NASCAR já vem caminhando a passos largos para tornar-se a categoria mais atraente do planeta. Nós é que ainda não nos damos conta disto.

      Marcelo C.Souza
      Amargosa-BA

  2. Mauro Santana disse:

    Grande Salu!!!

    Parabéns pelo excelente tema de abertura 2017!

    Eu tenho medo do que esse pessoal da Liberty é capaz de fazer, mesmo com o Ross Brawn no elenco.

    Mas, cabe a nós, amantes de longa data, mantermos a esperança de que o futuro seja mais positivo.

    Com relação a Botta, que se não me falha a memória, tem contrato com os prateados somente de 1 ano, na minha opinião, tem que descer a lenha no Hamilton, partir pra guerra mesmo, mais o menos como Piquet fez quando chegou na Williams.

    Que chegue logo o mês de março.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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