O melhor ataque é a defesa – Parte 1

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Senna à frente do pelotão na época da F3 Britânica

Alô amigos! Feliz ano novo, ou melhor, feliz temporada nova!

Nem bem começo mais um ano escrevendo para o GPTo e meu brother o Marcel Pilatti já entrega a temática da minha coluna num spoiler daqueles dignos de revelar qual personagem vai morrer no capítulo seguinte da sua série favorita.

Mas OK, eu tava merecendo. Foi um justo payback por deixá-lo de castigo para escrever no ano passado a coluna sobre o bisonho GP da “Europa” no Azerbaijão, enquanto escrevi sobre a épica derrota da Toyota em Le Mans – eventos que caíram num mesmo fim de semana.

Brincadeiras à parte, sim, como adiantou o Marcel, pretendo nessa coluna, dividida em duas partes, falar sobre Ayrton Senna e sua habilidade na defesa de posição. Isso porque não tenho muitas dúvidas de que Ayrton, por seu perfil, tinha que se preocupar muito mais em defender-se do que atacar.

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Como amplamente debatido, Ayrton era o que de mais categórico existia de piloto de perfil descendente – termo proposto pelo meu irmão Márcio Madeira e que tem como outros exemplos clássicos os monstruosos Juan Manuel Fangio, Jim Clark, e, mais recentemente, Sebastian Vettel em seus tempos demolidores de Red Bull.

Senna, basicamente, tinha obsessão em ter sempre o melhor posicionamento de largada possível. Suponho que não fosse por uma necessidade sequiosa de controle do ritmo de corrida. Essa era uma preocupação muito mais compatível com a mentalidade de Fangio e seu mantra de que, para ganhar, basta andar na frente o mais devagar possível. Senna, a meu ver, tinha apenas a consciência lógica de que a necessidade de ultrapassar um é um enorme (e desnecessário) desgaste. É lindo para os fãs, mas um tormento para o piloto.

Ao ter um adversário pela frente, é quase uma certeza de que, antes de livrar-se dele através de uma ultrapassagem, você vai perder algum tempo por ter de se adequar ao ritmo do rival. Ou seja, o primeiro desgaste é o de tempo. Pra superá-lo, você também vai ter que usar mais da potência do motor e todo o conjunto mecânico nas retas, ou dos freios, pneus e suspensão nas curvas, o que pode acontecer por sucessivas voltas, tornando a ultrapassagem cada vez mais difícil. Aí temos o desgaste de equipamento. Não obstante, ainda existe o sempre presente risco de rodadas, toques ou acidentes. São todos desgastes que simplesmente não existem se você se esforça bastante no dia anterior pra garantir a pole e larga na frente.

Senna tinha convicção da importância do bom posicionamento de largada e do desgaste provocado pela necessidade de se superar os rivais. Tanto que até mesmo colocou essa lógica em prática na supervisão que realizou na elaboração do game Ayrton Senna’s Super Monaco GP II, lançado em 1992 pela Sega para as plataformas Mega Drive, Game Gear e Master System.

Ao menos no jogo para Mega Drive, há uma grande valorização da volta de qualificação e, de fato, no jogo é muito mais fácil vencer partindo das melhores posições. Mesmo com tão poucos recursos, de uma época de processamento em 16 bits, era possível sentir a decaída de performance do carro ao longo das voltas, que pouco ou nada permitiam “corridas de recuperação”. Largar no meio do pelotão era praticamente garantia de toques, perda de tempo e um resultado ruim. Perder de seu rival podia significar demissão.

Adoro esse jogo. Nestes últimos tempos, eu e o Márcio Madeira temos jogado, cada um em sua casa, a 520 km de distância, e ficamos a compartilhar nossas façanhas um pro outro…

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Essa mentalidade de Ayrton sobre o melhor posicionamento, vinda de seus tempos de kart e passando pelas fórmulas menores na Inglaterra, casou com uma época em que tínhamos, de fato, mais diferenças entre equipamentos de treinos e de largada – o que a gente insiste em dizer que é um recurso natural de embaralhamento de grid e que é um excelente expediente para garantir ultrapassagem em corridas. Márcio reforça esse expediente em seu Norte Magnético.

Por seus números, e pelo que vimos fazer em sua carreira, Ayrton por muitas vezes tinha, em corridas, equipamento nitidamente inferior ao seu posicionamento de largada – sobretudo em seus tempos de Lotus. Era, claro, a lógica do bom posicionamento obrigando seus adversários, e não ele próprio, a perder tempo em ultrapassagens. Vale, portanto, a lógica de que o melhor ataque é a defesa…

Como se não bastasse isso, como bem escreveu certa vez o falecido Christopher Hilton, Senna encarava a vitória como se fosse um direito adquirido de nascença. O cara simplesmente não foi programado para ser superado e tinha uma enorme dificuldade para digerir isso, tornando-se previsível. Alain Prost aproveitou-se disso para lhe aplicar lições antológicas, como em Monte Carlo e Monza 1988.

Em seus primeiros anos de Fórmula 1, Senna pegava muito pesado em defesas de posição. Mas a pressão em ser superado já havia sido vista antes. Na F3, depois de dez vitórias consecutivas (!), se viu fazendo a escolha errada de pneus em Silverstone, numa corrida em que a F3 Europeia também participava. Não apenas perdeu a pole para seu rival de sempre Martin Brundle, como acabaria sua prova em uma porrada na curva Club. A isso se seguiu uma não-largada por um forte acidente em Caldwell Park, e uma rodada infantil em Snetterton ao tentar passar o mesmo Brundle. Ayrton entendeu a situação e reforçou seu nível mental para ficar o mais imune possível à pressão.

A mentalidade do melhor posicionamento, a rejeição quase patológica em ser superado, e o preparo mental de não sucumbir à pressão dos adversários se juntou com outro predicado: a habilidade fora do comum para lidar com limites de aderência e os limites da pista. Um predicado que nasceu de uma aptidão que foi solidificada apenas através de muito treino. Talvez o caso mais assustador seja a do “muro que se mexeu” e fez com que Senna batesse – outra história saborosa de 1984 trazida pelo Márcio.

Tudo isso formou, muitas vezes à martelada, um dos maiores defensores de posição a já passar pela F1. Na próxima coluna vou relembrar os casos mais emblemáticos de defesa de posição, e minha defesa favorita.

Abração!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    belo tema principalmente para os amantes do Ayrton Senna. Eu não sou por teoria, certo que o melhor ataque é a defesa … eu prefiro ao contrário, a melhor defesa é o ataque … posso ser ultrapassado 4 vezes mas fui atrás e fiz 5, chego na frente … posso levar 4 gols mas se o meu time fez 5 ganho o jogo da mesma maneira …

    Qualificar as melhores defesas do Senna pode ser legal e interessante, mas penso que vai de encontro a aquilo que mais gostamos de ver nas corridas … ou seja os ataques, as ultrapassagens …
    Senna para mim nunca soube se defender, ou melhor se defender no mesmo nível de quando ele atacava … quando ele ia pra cima, ia com tudo, não tinha como impedi-lo … ele nasceu para ultrapassar e não para ser ultrapassado … tanto que possui ultrapassagens épicas … e que por conta disso também sofreu as mais épicas ultrapassagens … Espanha 86 ou 87 ele deu uma fechada até meio que criminosa no Piquet, pelo menos assim comentam nos vídeos do You Tube … defender nunca foi a sua verdadeira praia …
    Mas fica a curiosidade para ler logo a parte 2 de sua coluna.
    Se as melhores defesas do Senna no fim resultaram em vitorias, show de bola … ao contrário não podem ser as melhores defesas


    Nunca fui muito ligado em vídeo games … mas teve uma época em que comprei para as minhas filhas o Play Station I e o jogo de Formula 1 era sensacional … principalmente o 96 e 97 … estes eu curti por um bom tempo … dora isso nada posso declarar a este respeito …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Mauro Santana disse:

    Grande Tema Lucas!!!

    Realmente, Senna era uma Fera em defender a posição, o cara vendia muito, mais muito caro.

    Lembro de estar assistindo o GP da Espanha de 87, e de ficar muito puto da vida quando Piquet forçou, passou, e o Senna, por talvez não conseguir engatar a marcha certa, acabou perdendo mais posições.

    Sim, naquele ano eu estava torcendo pro Tri do Piquet, mas, sim, naquele GP, eu estava torcendo muito pro Senna segurar todas aquelas Feras.

    E minha defesa preferida dele, é Imola 85, pois o que ele fez com o Professor, foi Épico!

    Quando eu tinha o meu saudoso Mega Drive, eu tive o privilégio de ter o Mônaco GP 1 e 2, adorava aqueles jogos, e como a segunda versão, pra época, fez um enorme sucesso.

    Bons tempos foram aqueles…

    Que venha a parte 2!

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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