Edu,
Sua pergunta da semana passada (“Por que não estou nem aí para a IRL?”) mereceu algumas considerações por parte de nossos leitores. Quase todos, de uma maneira ou outra, concordaram com você. Apenas um declarou preferência aberta pela IRL em relação à F 1.
Humildemente, meto a minha colher no assunto e apresento algumas das possíveis razões pelas quais sempre vamos preferir a F 1, por mais que esta esteja “chata” (não concordo, mas isso é muito pessoal) e a IRL e a CART possam ser “emocionantes, com grandes pegas e corridas sendo decididas por milésimos de segundo”:
OS CARROS – Qualquer corrida de automóveis tem como grandes astros os carros. Se fosse diferente, o GP do Brasil de F 1 de 1995 (o primeiro depois da morte de Ayrton Senna) teria público próximo de zero. Convido o leitor a raciocinar nos seguintes termos: coloquem os 20 (ou 22) pilotos da F 1 atual para disputar um campeonato de 10 etapas com carros iguais (Gol, Palio, Vectra, Ferrari, qualquer um).
Colocar Schumacher, Barrichello e cia. em 22 automóveis iguais poderia ser muito interessante durante uma ou duas corridas, mas nunca durante um campeonato inteiro.
Os carros da IRL e da CART são produzidos “em massa”. Ou seja, qualquer equipe, por mais incompetente que seja, pode comprar um Dallara ou um G-Force – no caso da CART, um Lola – para correr. Na F 1, temos nomes como Ferrari, McLaren, Renault e Jaguar. No passado, tivemos Lotus, Porsche, Alfa Romeo e Mercedes. Cada marca com sua equipe e seus carros competindo contra as outras. O que é mais interessante?
AS PISTAS – Esta charada você mesmo matou na sua carta: “Quem viu um oval, viu todos”. E é isso mesmo. Os traçados podem ser diferentes (triangular, retangular, trapezoidal etc), mas a impressão é que todas as pistas são iguais: planas, cercadas por um muro e com curvas de alta que podem ser feitas de pé embaixo sem maiores esforços.
Na F 1 existem circuitos variados e com todos os tipos de curva. Eles estão a cada dia mais parecidos, mas ainda possuem características próprias: as subidas e descidas de Interlagos, as longas retas de Monza, a estreiteza de Mônaco. Pegue todas as pistas da F 1 de hoje (nem falo das do passado) e você certamente terá pelo menos uma curva marcante em cada uma delas – até na novíssima, asséptica, inodora, incolor e insípida Sepang, na Malásia.
Indianapolis só é o que é porque: A) tem uma corrida, a 500 Milhas, com mais de 80 anos de história; B) esta mesma corrida sempre distribuiu prêmios milionários, o que a tornava muito mais concorrida e interessante do que as outras do campeonato do qual fazia parte; C) teve, em algumas épocas, a presença da elite do automobilismo europeu e uma variedade técnica tão grande ou mais acentuada que a F 1.
Tudo bem, a CART também corre circuitos mistos. Alguns, como Elkhart Lake, Laguna Seca e Mid Ohio, bem mais interessantes do que muitas das pistas atuais da F 1. Mas falta a ela os outros elementos que estão sendo citados aqui. Portanto, a comparação faz com que ela ainda saia perdendo em relação à F 1.
OS PILOTOS – Não tenho a menor intenção de diminuir os méritos de alguns dos ótimos pilotos que correm na CART, mas a verdade é uma só: muitos só escolheram esta categoria quando, por uma razão ou outra (falta de oportunidade, de patrocínio, de contatos, de talento em alguns casos), o automobilismo europeu – e portanto a F 1, ou as categorias que podem levar a ela – se tornou inviável. Isto não depõe contra os pilotos da CART (Villeneuve e Montoya, por exemplo, saíram de lá para fazer bonito na F 1), mas contra a categoria em si.
E na IRL? Desculpem, amigos, mas este campeonato começou em 1996 com os pilotos e equipes mais vagabundos que a CART reunira até então. Muitos dos que andam/andaram na frente na IRL jamais conseguiram qualquer resultado relevante quando andavam na CART (Buddy Lazier, vencedor das 500 Milhas de Indianapolis de 1996, é o maior exemplo).
Cobri duas vezes a 500 Milhas de Indianapolis. Uma delas foi em 1995, a última edição disputada antes da divisão com a IRL. Voltei dois anos depois e deparei com equipes amadoras (um mecânico usava um macacão que pertencera à equipe pela qual Nelson Piquet disputou a edição de 1993). Peguei um media guide e fiquei pasmo com o que li: havia pilotos cujo currículo misturava resultados medíocres em campeonatos diversos a informações como ser campeão de rodeios ou dentista.
Hoje, a IRL está atraindo os melhores pilotos e equipes da CART.Mas isso acontece apenas pelo aspecto mercadológico e pela incompetência que imperou durante anos na CART. Se dependesse apenas de suas próprias qualidades e não tivesse em seu calendário a 500 Milhas de Indianapolis, a IRL seria natimorta.
AS CORRIDAS – Este ano a IRL teve várias corridas decididas por milésimos de segundo (em uma delas, os 10 primeiros colocados cruzaram a linha de chegada separados por apenas 1 segundo). Super competitivo? Não: mostra apenas a artificialidade causada pelas bandeiras amarelas. As corridas da IRL e da CART possuem apenas um período de competição pura: é aquele que vai da última bandeira amarela até a bandeirada final. O resto é apenas um desfile veloz, às vezes emocionante, mas sem qualquer importância para a competição em si.
É bem característico do automobilismo americano – e muito diferente daquilo a que o público brasileiro foi acostumado. Aqui, a questão é cultural. Nosso automobilismo sempre seguiu o modelo europeu: corridas mais curtas, nas quais o que vale é pisar fundo até a bandeirada, ou provas de endurance disputadas em circuitos mistos.
Outra coisa: quem é que gosta de ver uma disputa acirrada, ou mesmo uma liderança sólida, ser interrompida apenas porque alguém raspou num muro, porque algum piloto quebrou ou porque um gaiato cuspiu na pista? Vamos imaginar o GP de Mônaco de 1988 sendo interrompido por causa de bandeiras amarelas. Naquela corrida, Ayrton Senna bateu no final, quando tinha quase um minuto de vantagem sobre Alain Prost. Uma performance que não entraria para a história nem sequer seria possível se a corrida tivesse safety-car e bandeiras amarelas.
A FILOSOFIA – Muito simples. Na Europa, o automobilismo é uma disputa tecnológica e esportiva que se tornou também uma forma de entretenimento. Nos Estados Unidos, a preocupação principal é tornar as corridas atraentes para público, mesmo que à custa da, digamos assim, “verdade desportiva”. Sabe aquelas novelas em que o autor cria um fato novo no meio da história, apenas para tentar prender a atenção do público? É mais ou menos isso…
AS CRISES – Virou moda dizer que a F 1 está em crise. Não está: suas corridas atraem muito público, seus pilotos e carros são dos melhores existentes atualmente no planeta e não há o menor sinal de que ela esteja para morrer. A escalada de custos preocupa à categoria como um todo (um momento parecido foi vivido no começo dos anos 80), mas as crises estão localizadas em algumas poucas equipes, administradas de maneira ineficiente e/ou desonesta. As grandes vão muito bem e não há notícias de que a Mercedes ou a BMW pretendam pular fora.
Na CART, a crise é real e poucos apostam na sobrevivência do campeonato para 2003. Isso porque a categoria tornou-se pouco atraente em seu maior mercado (os Estados Unidos) sem ter cacife para ganhar espaço em outros países (o Brasil foi uma exceção). Foi essa deficiência que levou equipes como Penske e Ganassi a trocar a CART pela IRL.
Com todo o respeito que tenho pelos brasileiros que correm ou correram nas categorias norte-americanas: a Fórmula 1 é e durante muito tempo vai ser a categoria “top” do automobilismo mundial. Vencer um único GP nela ainda dá mais prestígio a seu piloto do que ganhar um campeonato da CART ou da IRL.
Abraços,
LAP