Grazie Mille, Giuseppe!

6 Horas de Interlagos na cabeça 2
14/07/2024
Nas ondas do rádio
22/07/2024

[Ou: A mais improvável história das 6H de São Paulo]

Muita coisa acontece em um fim de semana de corrida… além da própria corrida. E é interessante perceber como há coisas a explorar.

Escrevi a crônica sobre as 24 Horas de Le Mans ainda sem saber se o pedido do GPTotal de credenciamento para as 6H de São Paulo, etapa seguinte do FIA WEC, teria sucesso. Felizmente o trabalho coletivo realizado no site, nas redes sociais e principalmente no canal do Youtube (e aqui fica meu público agradecimento ao querido João Carlos Viana por trabalhar incansavelmente no canal) geraram frutos, em forma de credenciais de imprensa pra mim e para meu irmão Márcio Madeira da Cunha.

A situação de cobrir in loco oferece experiências interessantes. Sabemos dos esforços e de toda uma evolução tecnológica dramática dos meios de comunicação para se apresentarem como uma espetacular extensão do homem – e o que estou escrevendo aqui é 100% Marshall McLuhan.

Uma corrida transforma-se num bem simbólico, um produto midiático. E aqui eu não estou fazendo crítica alguma, muito pelo contrário. Há imagens de uma miríade de câmeras, microfones, narração, comentários, legendas, replays. A carga informativa de quem fica ligado à tela é enorme, amplificada ainda mais se você também tem em mãos a cronometragem em tempo real.

Todos puderam acompanhar em todos os detalhes a corrida, com vitória da favorita Toyota com o carro 8, seguido pela dupla de Porsches da poderosa Penske, e o Toyota 7 em quarto, após linda recuperação e ultrapassagens sensacionais no finzinho da prova.

O belo carro 8 da Toyota, vencedor da corrida, em click de Márcio Madeira

Tudo isso foi transmitido com exemplar competência pelo BandSports. E fica mais uma vez meu abraço ao Sergio Milani, que tanto insistiu para que os brasileiros pudessem acompanhar as 24 Horas de Le Mans na íntegra e, por consequência, todo campeonato da WEC. Tive a oportunidade não apenas de conhecê-lo pessoalmente, como muitos outros amigos entusiastas que já eram contatos diretos pela internet, com destaque para o Milton Rubinho e o Roberto Taborda – de longe a pessoa mais feliz daquele autódromo todo.

Mas… vamos lá… cores, sons, demais experiências sensoriais (a meteorologia local foi insana nos três dias) e, principalmente conversas de dentro do autódromo dão uma perspectiva muito diferente. O aspecto humano, de poder falar com pessoas do meio, gera situações riquíssimas.

Vou lhes contar como foi a mais doida história vivida por mim no fim de semana. E olha que aconteceu muita coisa boa, que pode ser contada mais pra frente.

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O networking funcionou: logo no 1º dia, exclusiva com Kubica na área VIP da Ferrari…

Desde o começo dos trabalhos de sexta-feira, quando Márcio e eu chegamos, o objetivo foi de explorar os locais e fazer networking. Conversar com as assessorias de imprensa, dar a cara à tapa e conseguir a palavra dos pilotos. Nesse contexto, conhecemos o simpático Mattia, assessor da equipe AF Corse, dos carros Ferrari. Após alguma tratativa, conseguimos ainda naquele dia uma entrevista exclusiva com Robert Kubica, líder do terceiro Hypercar do time, pintado lindamente em amarelo.

Mattia caprichou: subimos para a área coberta acima dos boxes, entramos na área VIP da Ferrari e lá nos instalamos a fim de termos a palavra do simpático e alegre polonês. Kubica se mostrou muito contente de estar novamente no Brasil, dizendo, entre outras coisas, que acabava sendo mais respeitando aqui no Brasil do que na Polônia, sua terra natal! Esse tipo de depoimento não tem preço.

Enquanto Márcio tomava a palavra do piloto, entre uma foto e outra que eu batia, conversei com Mattia sobre a jaqueta que eu estava usando.

A linda Ferrari amarela da AF Corse sendo levada ao limite por Kubica: mais um click de Márcio Madeira

Pra quem me conhece, já sabe do que estou falando. É a minha jaqueta original da equipe Copersucar, um item histórico e que, de certa forma, também tem história própria. Contei parte da saga até 2021 e, dadas as muitas novidades envolvendo a raríssima peça, vou ter que fazer algo como uma versão revisada e ampliada…

Mas o foco nem é a jaqueta em si, mas sim a reação positiva do Mattia, que gostou muito do item.

No sábado, após a qualificação, encontramos novamente a dupla Kubica e Mattia, desta vez na enorme tenda de imprensa, no mezanino destinado às coletivas. Junto a eles, um engenheiro da AF Corse. Fiz mais algumas perguntas para o sempre acessível Kubica, que logo se retirou.

Mais Kubica e um engenheiro da AF Corse a seu lado… algo de muito louco ia acontecer

Inventei de puxar papo com o engenheiro que estava lá. Falei que estava contente em ver Robert novamente, pilotando muito bem, sendo competitivo, um autêntico racer. Conversa vai, conversa vem, Mattia me avisa que aquele era um engenheiro veterano e me propôs mostrar a jaqueta, que a esta altura estava guardada na mochila.

Enquanto eu pegava a jaqueta, o engenheiro, para provar sua “veteranice”, disse que sua primeira visita ao Brasil havia sido em 1981, no Rio de Janeiro, com a equipe… Osella.

Repentinamente um monte de luzes acenderam na minha cabeça. E, como diria o Milton Rubinho, não era um painel de Peugeot colapsando. Rapidamente eu larguei a jaqueta e saquei o celular, abrindo meu álbum de fotos.

Quem me conhece também sabe que escrevi uma saga de em três partes sobre pilotos Austríacos apenas para falar do meu xodó: minha Osella-Alfa Romeo FA1F 1984, feita à mão (e muita amizade) pelo talentoso artista João Hipólito Xavier.

Foi então que aconteceu a coisa mais louca e inesperada de todo o fim de semana, uma surpresa tanto pra mim quanto para o engenheiro.

Eu mostrei a miniatura para o engenheiro. Ele arregalou os olhos, apontou para a tela e disse, em um inglês tipicamente carregado de italiano [com tradução livre aqui]:

– OH! EU PROJETEI ESSE CARRO!

Giuseppe aponta para a tela e não deixa dúvidas: era o pai daquela criança

Eu estava simplesmente conversando com Giuseppe Petrotta, projetista da Osella! Foi algo como “Uau! Você é você!”. E claro, foi surpresa pra ele. Afinal, quem era aquele brasileiro lelé da cuca que tinha uma miniatura do primeiro Fórmula 1 que ele desenhou?

Ele explicou que o carro de 1983 foi assinado pelo conhecido Tony Southgate. Mas que para 1984, o time não iria conseguir contratar um projetista e a solução foi promover Giuseppe ao cargo, o que rendeu a FA1F, carro feito em cooperação com a Alfa Romeo, o primeiro turbo da Osella. Petrotta seguiu como projetista principal até 1987. A primeira obra assinada por Giuseppe, a FA1F obteve dois heróicos quintos lugares: um na tórrida corrida em Dallas com Piercarlo Ghinzani e outro em Monza com o falecido Jo Gartner – justamente da minha miniatura.

A partir disso, Giuseppe sacou o celular e começou a mostrar fotos antigas da Osella, que eu prontamente identificava, também me virando no inglês: “isso é 1983, isso é 81, ah, esse é Huub Rothengather em 85…”. Em determinado momento, dado meu grau de insanidade, ele vira e diz algo como “puxa, quando eu precisar lembrar alguma coisa dos meus tempos de Osella, vou chamar você”. Quer elogio maior que esse? Mattia olhava pra gente e também parecia não estar acreditando em toda aquela situação.

Mattia, assessor da AF Corse, ficou empolgado com aquela resenha absolutamente improvável sobre Osellas…

Mas não parou por aí. Petrotta mostrou seus projetos posteriores para Alfa Romeo, incluindo o Alfa 164 Procar, um carro com aparência de um pacato sedan, com um poderoso motor V10 central. Também projetou a linda Alfa Romeo SE 048SP, um carro que desafiaria a supremacia do Porsche 962 do Grupo C… mas que a Alfa Romeo fez o desfavor de arquivar.

E então desembocamos na mais famosa obra de Petrotta. Ele é o projetista da Ferrari Enzo! Vocês têm ideia do que é resenhar com um cara do quilate desses? Bom, da Ferrari Enzo e de suas duas irmãs: a mais radical FXX destinada a track days extremos e a Maserati MC12, um autêntico carro de corridas. A lembrar que parte do desenvolvimento da Enzo foi feita por um cara chamado Michael Schumacher.

Ele então sacou sua carteira e me deu seu cartão pessoal: AF Corse s.r.l; Ing. PETROTTA GIUSEPPE, com email pessoal e celular. Estou olhando pra ele enquanto escrevo o parágrafo…

Falei para Giuseppe que levaria até ele minha Osella no dia seguinte, domingo. Ele disse “não, não, vai acabar quebrando”. Mas raios, que outra oportunidade eu teria de fazer isso? Acordei domingo, ainda de madrugada, com aquela pergunta: o que eu vou fazer para blindar minha Osella?

Consegui fixá-la em outra base, com caixa, e coloquei numa bolsa de mão, levando junto a base original, que tem a reprodução da plate que a Osella usava para identificar seus chassis.

Assim que chegamos para o terceiro e último dia no autódromo, fomos direto para o fundo dos boxes da AF Corse. Mattia viu a miniatura da Osella e prontamente parou o que estava fazendo para chamar Giuseppe, onde lá o engenheiro estivesse. A espera durou pouco.

Sim, meu amigo, foi o Giuseppe que projetou este carro!

Que beleza ver o sorriso no rosto do engenheiro Giuseppe ao encontrar essa “filha” em miniatura. Pude mostrar todos os detalhes reproduzidos na miniatura. Pedi para que ele assinasse a base, o que foi feito prontamente. Em um último pedido, ele gravou um depoimento muito bacana de good job para o João Hipólito Xavier, autor do carro.

Nesta quarta-feira (17), com todas as fotos dos encontros com Giuseppe já selecionadas, enviei pra ele mensagem via Whatsapp, agradecendo todo o acontecimento do fim de semana, no que ele respondeu gentilmente minutos depois. Aproveitei pra dizer que mal posso esperar pra ele me contar mais histórias de sua trajetória.

Estabelecido o contato, falei que meu melhor momento no fim de semana foi justamente quando ele apontou pra miniatura e disse que tinha desenhado aquele carro. Eu disse “foi uma bela surpresa pra nós dois”.

Ele mandou o emoji chorando de rir, palmas e um típico grazie.

Eu que agradeço, ingegnere. Grazie Mille, Giuseppe!

Grazie Mille, Giuseppe!

Abração!

Lucas Giavoni

 

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

5 Comments

  1. Pedro Jorge Courbassier disse:

    Super!

  2. Rubergil Jr disse:

    Que históra fantastica, Lucas! Muito legal ter este contato. Demais!
    E aguardamos mais histórias desta corrida tão legal.
    Abraço!

  3. Leandro disse:

    Rapaz, eu que não esperava ficar com os olhos marejados ao ler sua coluna hoje.

    Quando li que este engenheiro da AF Corse disse que foi ele quem projetou o carro da Osella, antes de chegar ao fim da frase já estava com os olhos cheios rsrs

    Só fiquei curioso com a questão da jequeta… pelo jeito ficou de lado né? rsrsrs

  4. Que texto bacana, Lucão. Foi mesmo uma viagem muito rica, e agradeço a todos os leitores por terem feito tudo isso acontecer.
    E a você, meu irmão, obrigado por mais essa aventura.

  5. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    Até eu me emocionei com sua coluna.
    Certamente foi um fim de semana inesquecível.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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