O cachorro no palheiro – Parte 1

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Dentre as muitas fabulas que chegaram até nós escritas pelo prolífico Esopo, e com as quais o autor grego tão bem descreve de maneira amena, direta e certeira a natureza humana e o nosso pobre proceder, temos uma que nos conta o caso de um cachorro que encontrou num palheiro aquele que lhe pareceu ser seu espaço ideal para dormir e descansar… E ali ficou.

O problema é que quando os animais da quinta iam comer a palha, como o vinham fazendo sempre, o cão ladrava-lhes e exibia um comportamento muito agressivo, impedindo que os animais acendessem ao palheiro, pois havia se apoderado do lugar. Então, um dos bois que tinha vindo comer lhe recriminou por ser muito egoísta e por não deixar os animais comerem a palha, porque ele próprio tampouco a comia.

A fábula descrevia sucintamente um comportamento que não resulta raro e que vemos com muita frequência entre nós os humanos ( o conhecido “ Se não é para mim, não há de ser para ninguém ! ) . Inclusive no evangelho de São Tomé, este cita palavras do próprio Jesus nesse sentido, quando diz: “Os fariseus e os escribas tomaram as chaves do Tempo do Conhecimento e esconderam-nas; não entraram e não deixaram ninguém entrar

Esta atitude infame adotada por alguns de impedir que os outros se beneficiem de algo, mesmo que não obtenham nenhum beneficio para eles mesmos, descreve perfeitamente a miserável condição humana, mesmo que encarnada no cachorro da fabula.

No dia 10 de julho de 1946, um ano após o fim da segunda guerra mundial, nasce na pequena vila de Charenton-le-Pont, na França, um menino que seria batizado com o nome de Jean-Pierre Jacques Paul Jarier.

Naqueles duros anos do pós-guerra e vivendo naquela vila nos subúrbios de Paris, a infância do garoto não foi nada fácil, de maneira que Jean-Pierre e sua mãe se esforçavam por sobreviver da melhor maneira possível, pois seu pai os abandonou quando ele tinha apenas seis anos de idade. Sua mãe trabalhava com abnegação num modesto “Bistrot” em Paris ( nome dado aos pequenos restaurantes típicos onde eram servidas refeições simples e baratas ) e assim seguiam adiante.

Por sua parte Jarier, contando treze anos de idade e para ajudar sua mãe com a modesta economia domestica, arranjou um trabalho numa pista de boliche. Assim, e quando terminava a sua jornada letiva, ia à tal pista e se dedicava a devolver a bola aos jogadores que ali se divertiam por uma módico salário. Em sua humilde casa ter uma televisão era um luxo fora do seu alcance, de modo que Jarier, como bom estudante que era, passava o tempo lendo livros, algo que lhe ajudou bastante a ampliar a sua cultura.

Algum tempo depois, nosso garoto consegue emprego na oficina mecânica de George Bonnet, sobrinho de René Bonnet. Seu tio René era um afamado construtor de carros esportivos ( Automobiles RB) não sendo raro que na oficina de George houvesse carros da marca do Tio, assim como algum Lotus ou Porsche.

Certo dia o chefe de mecânicos lhe diz que dê uma volta com o carro d’um cliente para ver se estava tudo em ordem, mesmo sem ter licença para dirigir, pois apenas contava dezessete anos, quando Jarier volta informa detalhadamente sobre o que acontecia com o carro e até sugere o que deveria ser feito. Desde aquele dia, Jarier era quem testava todos os carros da oficina. Aquela foi uma experiência lhe ajudou a desenvolver a sua sensibilidade para acertar um carro, o que lhe seria de muita ajuda depois.

Foi lá que Jarier encontrou sua verdadeira vocação e uma paixão pelas corridas tomou conta dele. Com um pouco de dinheiro que havia poupado Jarier então comprou uma motocicleta de segunda mão, com a qual começou a tomar parte de algumas corridas locais, inclusive vencendo logo na sua primeira participação. Porem a sua mãe não gostava nada daquilo, pois lhe parecia que aquelas corridas eram muito perigosas. Assim, e aproveitando esse temor da mãe, Jarier a convence para que venda o velho carro familiar; e ainda recorrer às poupanças arduamente conseguidas, para poder comprar um Renault 8, um modelo muito popular à época e que contava com seu próprio campeonato: A Taça Gordini R8.

Assim foi como naquela Taça Gordini de 1967 que Jarier começou a sua carreira no automobilismo, com a ajuda de dois amigos que atuavam como seus mecânicos. Naquela primeira incursão, Jarier já conseguiria alguns resultados destacáveis, como o 6º lugar em Nogaró ou o 7º em Albi, pontuando em quatro ocasiões, mas foi em 1968 quando chegariam suas primeiras vitórias, com três delas em suas três primeiras participações e uma quarta mais adiante. Assim, Jarier decide se matricular na escola de pilotagem Winfield do circuito de Magny-Cours.

A escola estava sob a direção do italiano Tico Martini, e os aspirantes deviam superar umas provas de seleção antes de serem admitidos. O estilo arrojado do nosso rapaz não foi muito bem recebido e não o queriam por ali, a começar pelo próprio Martini. No entanto, Jean-Pierre Beltoise, na época um piloto já consagrado e que estava presente naquela sessão de seleção, foi quem convenceu aos outros para não descartar Jarier.

Já no fim do curso, Jarier telefona a Martini para saber se havia sido selecionado para as eliminatórias que davam acesso a dispor d’um Formula França, mas Martini lhe diz que era melhor que continuasse seus estudos, pois nunca seria piloto. Então, uma vez mais, Beltoise acode em ajuda de Jarier, a quem havia tomado como uma espécie de pupilo e com quem desenvolveria uma muita boa amizade, de maneira que lhe empresta um carro da Formula França com o que disputar o campeonato.

Ainda que seus resultados fossem medíocres Beltoise, que seguia confiando em Jarier, lhe arranja uma vaga na F3 para 1969 e lhe apresenta a Marcel Arnold, um entusiasta do automobilismo que tinha uma equipe própria e com a qual acabaria em terceiro lugar no campeonato francês de 1970, com uma boa vitória em Albi ( seu companheiro Jaussaud foi o campeão ).

Em 1971 compete na Formula 2 pela equipe de Arnold com um March 712 alugado ( Junto a Jean-Pierre Jaussaud ), participando em sete provas e conseguindo um segundo e um terceiro lugares. Nesse mesmo ano, Jarier estrearia na Formula um em Monza com um March 711, emprestado por Hubert Hahne. O carro não era grande coisa e a única preocupação de Jarier era acabar a prova sem quebrar nada, e assim foi… Ainda que a custa de ficar a oito voltas do vencedor. Continuando com Arnold e March em 1972, Jarier tomaria parte em apenas duas provas no principio do campeonato, pois Arnold decide se concentrar no carro de José Dolhen, mas quando volta para disputar o Gran Premio della Lotteria di Monza, Jarier terminaria em terceiro lugar, atrás de Graham Hill e de Silvio Moser, ficando a apenas duas décimas do suíço e sendo o primeiro dentre os pilotos com March.

Anteriormente, seu chefe George Bonnet, havia falado muito bem de Jarier a Luigi Chinetti, um amigo de longo tempo e que era o importador da Ferrari nos EE.UU. e dono da equipe NART.

O caso é que Bonnet acaba convencendo a Chinetti que inclua a Jarier em sua equipe para as 24 horas de LeMans. Segundo diria Jarier depois, sua impressão foi que Chinetti o levou só para não contrariar o amigo, pois lhe deram o pior carro de todos e o emparelharam com o inexpressivo Claude Buchet. Ainda assim, a dupla terminaria numa meritória nona posição geral, apenas superados dentro da equipe pela dupla titular ( Sam Posey – Tony Adamowicz ), que acabaram em 6º lugar.

Chinetti impressionado pelo rendimento de Jarier, o leva aos EE.UU. onde disputaria varias provas GT com o Ferrari 365GTB ( 5º nas 6h de Watkins Glen, primeiro na categoria GT ) e na  Can-Am com o 712M ( 4º em Elkhart Lake), sendo Jarier sempre o melhor piloto da equipe. Aqueles resultados eram excelentes, considerando que a Ferrari havia se retirado das competições americanas um ano antes e vendido seus carros a Chinetti, portanto estes não haviam sido submetidos a nenhum desenvolvimento desde então.

No meio do ano, Jarier recebe a chamada de Robin Herd, quem lhe diz querê-lo de volta para desenvolver os modelos da March para 1973. Durante o tempo que Jarier esteve dispondo dos carros da March, Herd logo percebeu os conhecimentos de mecânica e o bom trabalho do francês no tocante a acertar um carro e precisava dele, pois esse era um trabalho que Jarier já havia feito antes, inclusive acertando os carros de outros pilotos, como o de Niki Lauda ou o de Mike Beutler, por 10 libras diárias.

Alem do lugar que já tinha na equipe de F2, onde contava com o patrocínio de Arnold, a Jarier também lhe oferecem um lugar na equipe de Formula Um. Outrossim, mantinha-se o acordo pelo que Jarier teria uma parte dos prêmios e bônus das corridas, ainda que não houvesse nenhum contrato pelo meio.

Nessa temporada de 1973 Jarier e seu March 732 se imporiam no campeonato de Formula dois com autoridade, vencendo em oito ocasiões, mais um segundo lugar, nas 13 provas que disputou do total de 17 da temporada.

Enquanto isso, na Formula um o March 731 resultou um carro muito pouco fiável e Jarier abandonou em nove dos dez GPs em que tomou parte, sendo undécimo no ultimo deles. Paralelamente, Jarier também correu em quatro provas do WEC com a equipe Ligier, abandonando em três e sendo sexto nos testes de LeMans.

Naquela época era habitual a presença de pilotos de F1 nas provas de F2 e, ainda que não tivessem direito aos pontos, competiam pelos prêmios econômicos.

Na continuação dessa coluna vamos abordar a situação de Jarier na F2, até lá

abraços

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

2 Comments

  1. Rafael Friedrich Rudolf Brandão Manz disse:

    Bom final de semana. No aguardo da continuação.

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    Muito legal vc contar a história de J.P. Jarrier.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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