por Marcel Pilatti
Cada uma das temporadas em que Senna competiu na F1 envolveu sagas distintas, com o ator principal lutando por algum objetivo, passando por diferentes percalços, e protagonizando altos e baixos. Alguns de seus campeonatos, no entanto, poderiam ser contadas em livro: 1985 foi um deles.
Naquele ano, Senna encarou as mais diversas lições, dentro das pistas e fora delas: ele aprendeu a lidar com seus instintos e seus excessos, a lutar contra seus pontos fracos e aprimorar os fortes, desenvolveu sua mentalidade vencedora, e também plantou sementes cujos frutos que iria colher em anos futuros.
Colocarei aqui cinco fatores que compreendo decisivos para que Senna se tornasse tudo o que se tornou, como piloto e como personagem.
1) Companheiro de equipe
Depois de um ano na Toleman – escolha muito lúcida feita pelo piloto, objetivando comprovar sua qualidade e valorizar seu “passe” para a temporada seguinte –, Senna chegava à Lotus em 1985 como uma aposta para o retorno da equipe às vitórias: entre 1979 e 1984, a escuderia triunfou em apenas um GP (Áustria, 1982), e por uma das menores diferenças da história da categoria.
No entanto, o vencedor daquela corrida dividiria os boxes com ele: Elio de Angelis, que pilotava para o time de Colin Chapman desde 1980. Mais que isso, o italiano foi o terceiro colocado no mundial de 1984, em temporada amplamente dominada pela dupla da McLaren. Além disso, De Angelis bateu seu então companheiro de Lotus (ninguém menos que Nigel Mansell) com relativa facilidade: 11 a 5 nos treinos, 34 a 13 em pontos.
Guardadas as devidas ponderações, Senna encarava em 1985 uma prévia daquilo que enfrentaria em 1988: teria de duelar com um piloto muito mais experiente, já vencedor e “da casa” havia 5 temporadas. Senna precisaria, portanto, usar de todas as suas forças para batê-lo.
Além do paralelo com o momento da carreira de Ayrton, o comparativo com De Angelis também guardou semelhanças com aquele que Senna teria com Prost: Ayrton, muito mais rápido nos treinos, só era batido em ocasiões pontuais – foram 13 de 16 as qualificações em que Senna se classificou melhor que o companheiro; Elio, mais regular nas corridas, figurou em boa parte do certame à frente do brasileiro.
Assim como Prost anos mais tarde, De Angelis passaria a se sentir preterido, isolado pela equipe. E ele chegou ao cúmulo desses sentimentos no GP da África do Sul: após ser ultrapassado por Ayrton na sétima volta, Elio julgou a manobra de Senna demasiado agressiva e foi tirar satisfações com o brasileiro nos boxes, chegando a desferir-lhe um soco. Estava tudo acabado, não havia mais clima.
No final, De Angelis caiu fora da Lotus – em parte por não querer mais ficar, em parte porque a Lotus não quis mais que ele ficasse, em parte porque Senna também não o queria mais –, e viria a falecer poucos meses depois.
Nas férias, aconteceu o veto de Ayrton a Warwick. Senna se tornara dono da Lotus, como seria na McLaren a partir de 1990.
2) Corrida X Campeonato
Sempre que se fala das temporadas em que Senna poderia (ou merecia?) ter sido campeão, comumente se mencionam seus vice-campeonatos de 1989 e 1993. Foram anos em que, de maneiras diferentes, Senna demonstrou ser “o melhor em campo”: a velocidade acachapante, em 89, e as exibições quase impossíveis, em 93.
Creio que 1985 também merece estar nessa lista.
O Renault turbo versão de classificação era o mais potente do grid, o que (aliado à rapidez inigualável do piloto) permitiu a Senna marcar quase metade das poles naquele ano. Largando sempre na frente, foi também Senna o piloto que mais liderou voltas e quilômetros. Esses feitos já são dignos de nota.
No entanto, Senna invariavelmente padecia nas corridas. Sejamos justos: ele não tinha carro para ser campeão. O motor consumia mais que qualquer outro, e o chassi era bastante frágil. Além disso, Ferrari e Williams tinham bólidos melhores – pra não citar a campeã McLaren.
Ainda assim, numa conta simples, é possível dizer que ele poderia ter ficado com a segunda colocação (ele terminou em quarto), pelo menos: foram várias as corridas em que Senna enfrentou problemas de equipamento enquanto liderava ou ao menos formava o top-3.
Em Imola, Senna liderou a corrida toda em batalha duríssima com Alain Prost, e o abandono aconteceu a poucas voltas do fim (faltavam três), em virtude de uma pane seca. Prost venceu, mas seria desclassificado. O primeiro lugar, então, caiu no colo de… Elio de Angelis.
Em Mônaco, conseguiu uma pole injusta – depois de ter marcado o melhor tempo, atrapalhou a volta rápida dos rivais –, mas abandonaria na 13ª volta, com um motor quebrado, quando era líder. Depois, enfrentou problemas diversos na América do Norte (no Canadá, teve falha no turbo e caiu de 2º para último na sexta volta, e nos EUA caiu para 14º quando liderava, por problemas nos pneus) e na França (vinha em terceiro, quando passou a sofrer com a caixa de câmbio, na sétima volta).
Em Silverstone, teve de se retirar com nova pane seca a 4 voltas do fim, quando era segundo depois de ter liderado até o giro 59 e brigado duramente com Alain Prost. Por fim, na Alemanha, Senna era líder até a volta 27, quando foi obrigado a abandonar, com problemas na transmissão.
Após a etapa de Hockenheim, Senna havia completado apenas uma prova e era nono colocado no mundial, com 17 pontos a menos que De Angelis! Na sequência do campeonato, já com um estilo mais conservador em alguns momentos (na Áustria e na Itália, por exemplo, onde optou por poupar o equipamento e não alongar disputas), ele marcou cinco pódios seguidos e ascendeu à quarta colocação na tabela.
Para coroar, Senna fez uma corrida insana, com direito a absolutamente tudo (pole-position mágica, loucuras ao estilo Villeneuve e abandono com motor quebrado), na etapa final, Austrália. Assim, ele terminou o certame com 38 pontos, 35 a menos que o campeão, Alain Prost.
Seu aprendizado, no entanto, foi incalculável.
3) Hard work
Um momento importante de 1985 que seria determinante na trajetória de Ayrton Senna aconteceu no GP do Canadá: a corrida foi um completo desastre, porém nos treinos se passou uma daquelas situações recheadas de simbologia.
Ayrton estava nos boxes quando viu Keke Rosberg se aproximar: o finlandês pilotava um Williams, equipado com propulsores Honda. Senna relatou que, ao prestar atenção no som do motor, percebeu que aquele “era o futuro da Fórmula 1”.
A partir desse dia, Senna desenvolveria um ótimo relacionamento com a marca japonesa, culminando na ida da Honda para a Lotus, em 1987: nascia ali uma parceria que duraria 6 anos, traria MUITO trabalho e renderia 3 títulos mundiais e 32 vitórias.
4) “Rei da Chuva”
Talvez o aspecto mais marcante do piloto Ayrton Senna fosse sua maestria na chuva: a maioria das pessoas que comentam sobre Senna hoje em dia costuma dizer: “eu sempre torcia para que chovesse”.
Também, pudera: Senna venceu 60% das corridas que disputou sob chuva, e muitas das que não terminou em primeiro foi porque abandonou quando liderava. Se Ayrton já havia deixado uma ótima impressão de sua fenomenal habilidade no piso molhado no famigerado GP de Mônaco de 1984, foi em 1985 que isso se confirmou.
Naquele ano, duas provas aconteceram com tempo chuvoso: Portugal e Bélgica. Quem foi o vencedor? Ayrton Senna.
No Estoril, tivemos uma das grandes exibições de todos os tempos, e top 5 dentre as vitórias de Senna: ele largou na pole e jamais foi ameaçado na ponta. Marcou a volta mais rápida do dia e deu uma volta em todos os pilotos a partir do terceiro colocado: para o segundo, a diferença foi de intermináveis 63 segundos! Sobre as condições daquela prova, nada melhor que a frase do terceiro colocado Patrick Tambay: “acho que vi o diabo um milhão de vezes“.
Em Spa-Francorchamps, outra grande performance: Ayrton não fez a pole (completou a primeira fila, a um décimo de Prost) nem a volta mais rápida (marcou apenas o sexto melhor giro), mas venceu a uma distância de quase 30 segundos para Mansell e pouco menos de um minuto para Prost. Senna só perdeu a liderança na volta 9, quando fez um pit-stop.
É sempre bom lembrar que, na época, não havia controle de tração e ainda por cima Senna pilotava um carro com motor turbo: ambas as situações dificulta(va)m ainda mais a pilotagem na chuva. E Senna parecia estar numa classe à parte.
5) “Ayrton Senna do Brasil”
Outro traço fundamental do mito Senna foi sua relação com o país e os brasileiros.
Em 1985, Galvão Bueno ainda não o chamava de “do Brasil”, mas lá aconteceu um momento emblemático: a primeira vitória de Senna na F1 aconteceu na manhã do domingo em que morria Tancredo Neves, aquele em quem a nação depositava seus sonhos.
Senna não sabia, mas sua vitória foi uma espécie de anestésico para o Brasil, e ele – também sem ter noção da profundidade e da perenidade do ato – injetaria uma dose ainda maior desse remédio em Detroit, um ano depois.
Em resumo, 1985 foi talvez o ano mais importante da carreira de Ayrton pois foi ali que ele deixou de ser uma esperança e se tornou uma certeza: foi ali que ele passou a ser “o Senna”.
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Leia também:
“O Combate contra Prost”, de Eduardo Correa
“A geração que não viu”, de Flaviz Guerra
“O perfil descendente”, de Márcio Madeira
“Because it’s there!”, de Manuel Blanco
“Enigma e chuva”, de Carlos Chiesa
“A maturidade de Senna”, de Lucas Giavoni
“Senna e a bandeira”, de Alessandra Alves
13 Comments
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Parabéns pela coluna. Sou particularmente fã desse estilo de texto atemporal.
Aproveito também para parabenizar nesse espaço os demais textos dessa série, todos excelentes!
Abraço a todos.
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Essa série sobre Senna faz jus aqueles anos incríveis ,entre 81 a 91 foram 11 temporadas e 6 títulos de pilotos, mas foi a partir de 84 com Senna que a cobra fumou como nunca, eu sou muito fã do Piquet, mas as conquistas de Senna foram viscerais ao extremo
abraços
Mário
Amigo Marcel,
se 1985 foi o ano em que Ayrton passou a ser “Senna”, você, agora, passou a ser o “Pilatti” !
abraços, Manuel
Muito se fala até hoje que o Senna deu uma fechada criminosa no Élio no GP da África do Sul de 1985, e revendo o vídeo acima, na boa, pra mim foi uma ultrapassagem normal, mesmo que por fora.
Aquilo ali, pra mim, foi mais choradeira do italiano(bem a estilo Prost), do que qualquer outra coisa.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Oi, Mauro.
Pois é: acabei deixando essa análise da ultrapassagem para a seção dos comentários, pois achei que não cabia no texto.
Concordo plenamente contigo que foi uma manobra arrojada, mas muito longe de ser um ataque homicida como o próprio De Angelis chegou a sugerir e como, principalmente, nossa imprensa marrom e seus seguidores trataram de repetir, e seguir a cartilha “aumento mas não invento” do Nelson Rubens.
Entendo que foi uma espécie de gota d’água, a pá de cal, o fechamento da tampa de caixão para o italiano: ele usou isso como pretexto, extravasou tudo o que sentia e pensava. Além da pista (a performance deixa isso BEM claro), Senna o destruiu mentalmente.
Abraços!
Marcel
Mauro
concordo contigo, imagina uma ultrapassagem por fora e nem se tocaram, só o brio ferido do De Angelis viu algo de criminoso
abraços
Mário
Eu me lembro que fiquei muito feliz e esperançoso em saber que Senna iria correr na Lotus. Afinal a Lotus ainda tinha status de time grande e vencedor. Mesmo vendo que ele andava mais que o carro, como bem disse o Mauro abaixo, ao menos ele pode ter um carro vencedor, ou melhor aprender a vencer na Formula 1. Isso jamais aconteceria se ele continuasse na Toleman.
No mais aproveito apenas para elogiar a turma do Gepeto, com colunas cada uma melhor que a outra, em homenagem a Ayrton Senna. Acho que o GP Total vive um momento de auge tal a inspiração da galera. Estas semanas pelo visto serão inesquecíveis.
Fernando Marques
Niterói RJ
Verdade Fernando, e faço suas as minhas palavras!
Parabéns a todos os colunistas do Gepeto!
Abraço!
Mauro Santana
Belo texto Marcel!
Realmente, 85 e também 86, foram anos em que o Senna andou mais que o carro, mas que serviram pra ele amadurecer e fazer por merecer quando esteve na Mclaren.
Mas, sinceramente, era muito bom de ver os gps de 85 por causa da sua maneira arrojada e destemida de pilotar.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR