por Lucas Giavoni
É quase consenso apontar 1993 como a melhor temporada de Ayrton Senna na F1. Quando fazemos uma breve retrospectiva, ano a ano, compreendemos como sua maturidade foi atingida. Ele teve grandes aprendizados, ano a ano.
Em 1984, Senna aprendeu que a F1 era muito mais complexa que a então dominada F3, e que condicionamento físico e mental (pergunte isso a Gerhard Berger) eram fundamentais, mostrando-se excepcional novato. Em 1985, na Lotus, aprendeu a fazer a equipe trabalhar para si, e não o contrário, e de quebra percebeu que sua exuberante velocidade não era tudo. Ainda assim, lançou-se como fantástico poleman, e mestre da chuva.
O ano seguinte, 1986, aquela que considero a melhor temporada da F1, serviu para Senna conhecer aqueles que seriam seus grandes rivais na carreira, Alain Prost, Nigel Mansell e Nelson Piquet, únicos pilotos que poderiam ser melhor que ele, dependendo da ocasião. Para 1987, vimos um Senna bastante consistente (quase foi vice-campeão). Ele, que também mostrou-se dominador dos circuitos de rua, percebeu que precisava não apenas do motor vencedor (Honda), mas uma equipe que lhe viabilizasse disputar o título. O pacote certo.
Chegou 1988, e ele correspondeu a grande responsabilidade ao derrotar Prost dentro da McLaren e chegar ao título. Ainda assim, seu rival lhe aplicou lições desconcertantes em Monte Carlo e Monza. O jogo ficou ainda mais complexo em 1989, quando Prost levou a rivalidade de ambos para fora da pista, provocando uma tensão insuportável. A derrota, apesar de ter sido mais rápido por todo o ano, veio muito mais pelos abandonos (alguns por falha própria, outros pelo equipamento) do que pela injusta desqualificação em Suzuka, naquele que foi o maior pega do Século XX.
Em 1990, Senna aprende a combater um Prost fora da McLaren – agora eram dois líderes de equipes. Ele novamente recobrou a consciência da regularidade, e em seu momento ético mais baixo, revidou Prost na mesma Suzuka. Para 1991, seu desafio foi gerir a tabela de pontos. Aproveitando-se da pouca fiabilidade nas primeiras provas da agora superior Williams, consegue administrar os pontos conseguidos no começo do ano, e lidera uma reação da McLaren com vitórias na Hungria (esta, uma obra-prima da pilotagem descendente), e Bélgica. Passou de piloto de testes a desenvolvedor, como foi brilhantemente Nelson Piquet. Ao fim, explora a afobação de Mansell, ponto fraco do inglês, para fechar conquistar seu tri, novamente em Suzuka, mesmo com um carro inferior.
O ano de 1992 deve ter sido o mais duro. A Williams finalmente assumia o papel de dominante com o carro de outro planeta, e Senna, pela primeira vez na condição de campeão, não se via com equipamento para vencer. Via também surgir outro forte rival, chamado Michael Schumacher. Num primeiro momento há o abatimento, mas depois o aprendizado forçado de assumir um novo desafio: fazer mágica com carros inferiores. Como nas últimas voltas de Mônaco, onde deu uma aula a Mansell de como segurar uma posição com um carro 2,5s mais lento por volta.
As lições através dos anos forjaram um Senna maduro para 1993. O melhor Senna que vimos.
Desta vez, a determinação de Ayrton não estava canalizada em conquistar o título, pois, até mesmo para um piloto de sua magnitude, a tarefa mostrava-se impossível. Em vez disso, reuniu todos os seus esforços para, sempre que possível, atormentar, constranger e embaraçar os favoritos Williams e Prost, seu maior rival na vida e um dos maiores da história do esporte a motor. E provar que era o melhor, mesmo sem ser o que mais pontuava e colecionava vitórias ao fim do ano.
Ayrton acabou por fazer uma temporada fenomenal com uma McLaren-Ford MP4/8 que, em metade do ano, esteve 80 cavalos abaixo daquela joia da eletrônica chamada Williams-Renault FW15C – na segunda metade foram ‘apenas’ 45. Ao menos em qualificação, quando as condições de pilotagem são as ideais, o rei das poles Senna teve um carro que era, em média, 1.45s (!) mais lento que as Williams. Mal dá pra explicar objetivamente, com argumentos baseados na física newtoniana, como Ayrton conseguiu aquela pole em Adelaide, a única que a Williams não conseguiu.
httpv://youtu.be/EcmVpAQCFLY
O carro da Williams vinha de um desenvolvimento desde 1991. Ou seja, além de ser o mais rápido, era extremamente confiável, apesar da complexidade do projeto (Patrick Head disse que havia 400 pontos por onde poderia haver vazamento hidráulico!). A McLaren não tinha esse mesmo predicado. Era um projeto jovem, e apenas naquele ano dominava toda a eletrônica que o rival já tinha. Enquanto Prost teve apenas uma quebra durante todo o ano (motor estourado na Itália), Senna ficou a pé cinco vezes (pane hidráulica em San Marino; pane elétrica no Canadá; pane seca na Grã-Bretanha; acelerador na Hungria; e motor em Portugal). Isso faria diferença no fim do ano. Não, Senna não venceria o campeonato, mas seria uma ameaça ainda maior do que foi. Constrangeria o rival ainda mais.
Senna marcou importantes pontos quando era apenas isso o possível (não confundir isso com comportamento burocrático), e conquistou cinco vitórias, muito mais do que a concorrência e a própria McLaren imaginariam. Liderou o campeonato por cinco etapas, para desespero de Prost e Williams, ajudou a McLaren a tornar-se provisoriamente a maior vencedora em grandes prêmios e fechou o ano à frente de um conjunto nitidamente superior (Williams de Damon Hill) e outro equivalente (Benetton de Schumacher).
Mostrou-se osso duro de roer quando era para ser ultrapassado, como vimos em Kyalami e Silverstone, e com um apetite demolidor quando ele era o caçador. As ultrapassagens da épica primeira volta em Donington, e o comportamento endiabrado no começo do GP do Canadá, incluindo um maravilhoso duelo roda a roda com Jean Alesi, são mais que suficientes para sustentar o argumento.
O único erro de Ayrton no ano inteiro foi, como nos tempos de F3, ter acertado a Ligier do antigo rival Martin Brundle no GP da Itália. Prost, diante de todo o seu favoritismo, cometeu muito mais erros, sobretudo em largadas, e ainda contou com sorte para herdar as vitórias na Grã-Bretanha e na Alemanha, quando o líder Damon teve problemas nas voltas finais em ambas as ocasiões. Senna herdou apenas a vitória em Mônaco, e mesmo assim de Schumacher, que estava na frente e quebrou.
Interessante ver que cada uma das cinco vitórias de Senna em 1993 possuem um forte simbolismo. No Brasil, uma prova de que sempre é possível reverter um quadro desfavorável quando a chuva chega, em novo show em casa. Em Donington, aquilo que o grande jornalista português Francisco Santos chamou de “Lição Antológica”, que dispensa explicações mais extensas. Em Mônaco, o reinado absoluto com a sexta conquista, que fez Damon Hill dizer que seu pai Graham, se vivo, estaria cumprimentando-o. No Japão, o último show naquele país que o considerava um grande samurai, e o qual ele mesmo considerava uma segunda casa. E na Austrália, agigantar-se e confirmar sua supremacia ao fim de uma era.
Senna, a rigor, conseguiu todos os seus objetivos em 1993. E terminou o ano sendo chamado de ‘O Melhor’ por um show inteiro, capitaneado por Tina Turner a cantar Simply The Best.
httpv://youtu.be/16Q9zPmk-Mw
Não foi o campeão. Mas definitivamente foi o melhor.
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“O Combate contra Prost”, de Eduardo Correa
“A geração que não viu”, de Flaviz Guerra
“O perfil descendente”, de Márcio Madeira
“Because it’s there!”, de Manuel Blanco
“The turning point”, de Marcel Pilatti
“Enigma e chuva”, de Carlos Chiesa
“Senna e a bandeira”, de Alessandra Alves
8 Comments
Cara, seu texto é excelente! Parabéns.
A temporada de 1993 de Senna foi sensacional! Sem dúvida a melhor, e ali foi que ele provou que ele era o melhor. Seus comentários sobre ele se mostrar “osso duro de roer” como na África do Sul e Inglaterra, você esqueceu de mencionar San Marino.
Seria difícil ele ser campeão, mas se ele tivesse terminado o GP de San Marino mesmo em quarto, o GP do Canadá em segundo (ele estava na segunda posição e até ali fazia uma corrida fantástica!) E tivesse conseguido ao menos o segundo melhor tempo no grid para o GP da Hungria, e claro não tivesse tido a quebra, ele ainda poderia ter sido campeão, pois na Hungria, assim como em Mônaco, ele era mestre em usar o circuito para se defender, como vimos em 1991 contra o Mansell.
Foi impressionante o que ele fez naquela temporada, que saudades… mais uma vez parabéns pelo texto.
Belo texto Lucas!
Realmente a temporada de 1993 foi fantástica, e só faltou um motor melhor pra Senna bater o Prost.
Mas concordo com o Fernando, a temporada de 88 também na minha opinião foi a melhor, por ele estar numa equipe nova e enfrentar um Prost já Bicampeão.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Lucas
Por favor me diz onde assino?
Parabens amigo!!!!
abraços
Mário
Muito bom!!!!
Creio que seria bom frisar que a Mclaren em 1993, apesar de nitidamente inferior a Willians, tinha um bom carro pois senão a Senna não alcançaria as 5 vitorias na temporada. Obviamente que Senna contou muito a favor naquele conjunto, mas de certa forma o carro ajudou também.
Em termos de temporada ainda acho a de 1988 a melhor da sua carreira, até por que bater um Prost bi-campeão com a Mclaren não deve ter sido nada fácil.
Fernando MArques
Niterói RJ
Simply the best!!
Clap clap clap.
E X C E L E N T