Ao término da temporada de 1988 os dois protagonistas ao título daquele ano, Senna e Prost, viviam emoções diferentes
Relembre o que aconteceu em 1988 na primeira parte dessa coluna: https://gptotal.com.br/a-maior-rivalidade-1/
Senna alcançara o tão almejado título, em sua volta ao Brasil foi recebido com calor e carinho pelo povo brasileiro, víamos um Senna muito mais aberto, sorridente, sem aquele peso no rosto que ele carregava, algo fruto de sua dedicação e concentração máxima em seu foco de ganhar, ao contrário ele era êxtase puro, no final do ano o anúncio de seu namoro com a estrela de TV Xuxa aumentou ainda mais a simpatia junto ao torcedor, eles representavam as duas maiores estrelas do país, uma edição brasileira do Casal 20
No outro lado do oceano Prost não disfarçava o incomodo de haver perdido o título, olhando em retrospectiva aquela era sua terceira derrota, ele perdera em 1983 para Piquet, em 1984 para Lauda e agora somava mais essa derrota para Senna.
Para quem ambicionava se tornar um grande nome na história da Fórmula 1, uma macula começava a ser sussurrada pelos detratores de plantão, Prost afinal seria um piloto que sob pressão de outros grandes não tinha envergadura de vencedor, isso obviamente era um absurdo, mas a boca maldita sempre aparece nessas horas.
Ele passa a pré-temporada pensando em como derrotar Senna na temporada de 1989, e não seria apenas na pista que ele precisaria agir, isso foi o que aconteceu ao longo do ano, um Prost político veio à tona e usou de artimanhas fora das pistas para desestabilizar Senna em seu ponto fraco, seu lado latino e passional
A temporada de 1989 foi marcante, destacamos 4 GPs que valem a pena rever, que o máximo em termos de pilotagem e estratégia desses dois pilotos na temporada, são uma boa síntese da rivalidade desses dois pilotos:
GP de San Marino:
GP da Alemanha:
GP da França:
GP do Japão
A temporada abre com a corrida no Brasil, com a expectativa de Senna obter sua primeira vitória em casa
Nos treinos ele confirma que está competitivo e obtém a Pole, a surpresa vem das equipes Willians e Ferrari que mostram desempenho próximo a da McLaren, Prost fica em quarto no Grid. Na largada Senna, Berger e Patrese ficam lado a lado e Senna e Berger se enroscam, o carro de Senna perde o bico e ele cai para as últimas posições, surpreendentemente Nigel Mansell estreando pela Ferrari obtém a vitória, Prost fica em segundo
Vem o GP de San Marino, a corrida que abre a guerra psicológica que marcou 1989, as McLaren voltam a dominar com folga apertada para a Ferrari, Senna e Prost dividem a primeira fila e combinam não se atacar nas primeiras voltas
Na largada Senna pula na ponta e Prost fica em segundo, eles vão assim até a volta 3, quando Berger sai forte na Tamburello e seu carro vira uma bola de fogo, a corrida é interrompida e uma nova largada acontece
Essa segunda largada foi a causa da discórdia e do bate boca depois entre os pilotos
Na nova largada Prost arranca melhor e toma a ponta, Senna embute e na curva Tosa ele ultrapassa Prost, no restante da prova Prost não tem ritmo para acompanhar Senna e termina em segundo cerca de 40 segundos atrás
Ainda no autódromo Prost vai a imprensa para acusar Senna de quebra do acordo feito de não se atacarem nas primeiras voltas, Senna rebate que o acordo valia para uma primeira largada e que eles estavam numa relargada, o clima entre eles azeda e Prost vai passar o restante do ano usando a imprensa como aliada para desestabilizar o brasileiro
Nos bastidores Prost tem um aliado poderoso, o presidente da FIA, o francês Jean Marie Balestre
Após essa corrida Senna emenda mais duas vitórias – Monaco e México – assumindo a liderança do campeonato:
1.Senna com 27 pontos
2.Prost com 20 pontos
Nas quatro provas seguintes – Estados Unidos, Canada, França e Inglaterra – Senna tem vários problemas e abandona sucessivamente todas elas, enquanto isso Prost vence três delas, Estados Unidos, França e Inglaterra, com oito etapas disputadas Prost consolida sua liderança no campeonato:
Vale a pena rever o desempenho de Prost na França, em casa sua sede de vencer sempre reacende e ele faz uma bela prova, sendo o mais rápido desde os treinos, conquistando a sua primeira pole do ano, e a despeito de Senna abandonar após a largada com o diferencial quebrado, o francês se impõe na corrida em que o destaque fica por conta da repentina competitividade dos March de Ivan Capelli e Mauricio Gugelmin
Durante o final de semana do GP da França Prost aproveita para fazer o anúncio oficial de sua saída da McLaren para a temporada seguinte, sem revelar para qual equipe ele estaria indo, a especulação era de um acordo entre ele e a Renault para a ida para a Willians, o que não se confirmou
A partir desse anúncio Prost volta sua “pressão” via imprensa e começa a insinuar que a McLaren não o deixaria conquistar o título, favorecendo Senna
Ron Dennis e os chefes da Honda repudiam essa afirmação, garantindo condições iguais aos seus pilotos
O francês mesmo líder do campeonato não poupa Senna e continua sua guerra psicológica
Um novo protagonista entra em cena de forma mais incisiva e sem pudores para cobrar da McLaren um papel neutro e isento, falo de Jean Marie Balestre, presidente da FIA, curiosamente ele deveria dar o exemplo e ser isento faz o oposto ao defender seu compatriota
Temos na sequência as provas – Alemanha, Hungria e Bélgica – Senna com duas vitórias e um segundo lugar esboça uma reação no campeonato, Prost adota a tática de terminar provas e marcar o máximo de pontos que pude, sendo derrotado por Senna nessas três provas ele continua batendo na tecla do favorecimento da McLaren
Vem a prova italiana em Monza, e a surpresa, Prost e a Ferrari anunciam contrato para a temporada de 1990, a Ferrari em 1989 havia investido no projeto de John Barnard e vinha se desenvolvendo bem com a adoção do câmbio semiautomático em modo borboleta, era a segunda melhor equipe do momento e acabou sendo natural a escolha do francês, esse tempero adicional deixou os tifosis eufóricos
Levando um caldo de quase dois segundos no warm-up do domingo, Prost reclamava abertamente de estar sendo boicotado, Balestre fala em colocar um fiscal nos boxes da McLaren, o que deixa Ron Dennis furioso
Na corrida Senna larga e lidera por 44 voltas de um total de 53, Prost faz uma prova para recuperar e chega ao segundo lugar na volta 41, ele está mais de 20 segundos atrás do brasileiro, quando o motor Honda de Senna o deixa na mão, Prost vence e faz festa com os italianos, ele e Ron Dennis se estranham no pódio quando francês insinua jogar o troféu de vencedor para os torcedores, vale lembrar que Ron Dennis colocava no contrato que a equipe ficava com os troféus e a atitude de Prost o deixa mais fulo
Saindo de Monza com vinte pontos de vantagem e com mais quatro corridas e 36 pontos em jogo, Prost volta a carga via imprensa acusando agora a Honda de favorecer Senna, o mal-estar é tão pesado que na prova seguinte em Portugal é emitido um comunicado em conjunto da Honda e McLaren garantindo condições iguais entre seus pilotos, mesmo com Prost saindo da equipe para ir para a Ferrari.
Na corrida as Ferraris tem uma performance acima das McLarens, Senna havia conquistado a pole, mas tanto Berger quanto Mansell tem vantagem no ritmo de corrida, Berger assume a liderança até a volta 23 quando vai para sua troca de pneus, Mansell fica até a volta 39 como líder, faz sua parada e promove uma lambança no pit stop ao errar e passar reto, ele dá marcha-ré e a direção de prova resolve desclassifica-lo, o danado é que ele e Senna ficam em disputa acirrada na pista durante 6 voltas, a Ferrari é mais rápida, Mansell recebe sucessivamente a bandeira preta e Senna não abre passagem, estava feita a fórmula para o desastre e os dois batem na volta 48, eles abandonam e Prost que corria pelo quarto lugar se vê em segundo, mais pontos são acumulados
Na prova seguinte na Espanha Senna vence e adia a decisão do título para o GP do Japão, a pontuação no campeonato separavam Prost de Senna com uma vantagem de 16 pontos, tendo 18 pontos em jogo, a combinação de resultados exigia que Senna vencesse as duas provas, o que dava um tempero na disputa é que para Prost não bastaria mais chegar em segundo, pela regra dos descartes ele já havia atingido o máximo e sendo segundo seus pontos seriam descartados, em suma no Japão ele também precisaria lutar pela vitória
A prova japonesa é sempre lembrada pela polemica batida entre os dois pilotos, mas essa é uma prova épica, que protagonizou uma luta onde esses dois pilotos tiraram o máximo de suas performances, Senna perseguiu Prost por 46 voltas, eles nunca ficaram mais do que 3 segundos separados entre si, Prost na condição de caça foi milimétrico em suas ações defensivas e Senna como caçador foi incansável, como para ambos só o resultado da vitória interessava hoje é previsível supor que nenhum deles abriria mão numa disputa, mas as voltas que antecederam valem a pena a releitura constante, assistam, vale a pena
Com a decisão de desclassificar Senna por parte dos comissários o título ficou com Prost.
Merecido pelo conjunto de resultados obtidos ao longo do ano? Sim foi
Por outro lado, vale dar uma olhada nos números para ver como Senna foi competitivo e acabou acometido pela série de infortúnios nos abandonos e não ter tido mais serenidade no jogo político armado por Prost
Resultados:
Vitórias: Senna 6 x Prost 4
Poles: Senna 13 x Prost 2
Melhores voltas: Senna 3 x Prost 5
Voltas lideradas: Senna 487 x Prost 258
Prost venceu o segundo round, em termos de campeonatos ficou o placar de 1 título para cada um
Esses dois anos foram intensos e fomos brindados com uma rivalidade tão grande, com disputas dentro e fora das pistas, performances memoráveis, corridas épicas, que foi preciso mais 4 anos para esses dois grandes pilotos se reconciliarem e entenderem que foi essa rivalidade que os elevou ao panteão dos grandes pilotos da história
Até a próxima
Mário
5 Comments
“Nas quatro provas seguintes – Estados Unidos, Canada, França e Inglaterra – Senna tem vários problemas e abandona sucessivamente todas elas, enquanto isso Prost vence três delas”.
Parece claro que Senna perdeu o campeonato ali (além do enrosco com o Mansell), esses problemas foram causados pela condução de Senna, por ele ser “menos político” ou por outros motivos? Não me parece que Prost mereceu tanto assim o campeonato, se o infortúnio não o visitou com tanta frequência.
obrigado pelo comentário e pergunta Gus, sem dúvida os abandonos e problemas mecânicos enfrentados por Senna foram o principal impacto na sua perda do título, entretanto não podemos relativizar o fator político que Prost colocou no tablado, essa sem dúvida foi a primeira temporada que um dirigente da FIA participa de forma ativa e é bem questionável se Balestre foi isento em suas posições durante o ano
valeu! um abraço
Mário
Grande Mário. Imagine se Balestre fosse brasileiro e favorecesse Senna. A nossa própria imprensa, tão “imparcial”, tão “justa” como foi com a equipe Copersucar, provavelmente estaria na linha de frente combatendo uma “patriotada”. João Havelange e Ricardo Teixeira, embora acusados de corrupção, até onde sei não passaram perto de cometer um ato deslavado como esse de proteção a um compatriota. Por isso considero Balestre uma pessoa indigna de honra e Prost um valoroso tricampeão. Para mim esse título foi roubado.
Mario,
a temporada de 1989, o Prost foi mais regular e fez por merecer neste aspecto o titulo .
O que eu não aceito esportivamente falando foi a maneira que ele escolheu para definir o campeonato a seu favor.
Creio que não houve realmente rivalidade maior na Formula 1 do que a foi entre Senna e Prost. Mas a partir deste fato em Suzuka, nós vimos exemplos de antiesportivos também jamais vistos na Formula 1, que jamais foram devidamente punidos como deveriam e que deixou precedentes, aliás muito bem praticados pelo Michael Schumacher e que não precisam ser citados.
Ao contrário de Mauro, a temporada de 1989 e 1990, estão longe de estar entre as melhores que assisti.
Parabéns pelo texto . A assunto merece ser relembrado e voce tem sido muito competente neste sentido.
Espero a parte 3
Fernando Marques
Niterói – RJ
Grande texto Salu, parabéns!!
A temporada de 1989, junto com a temporada de 1986, são as minhas preferidas.
A respeito do GP do Japão, o que eu sempre falo é que a Mclaren teve uma postura neutra, de caráter exemplar, pois quisesse favorecer Senna, era só fazer um teatro na parada de Prost para o brasileiro poder aplicar o undercut(e que até não ficaria feio, pois naquela época as paradas dos boxes para troca de pneus era sempre uma surpresa a parte, mas não, inclusive, a parada do Prost foi até melhor que a do Senna.
Fosse a Ferrari(Schumacher) ou Mercedes(Hamilton), iriam nos privar de ver aquela batalha épica.
Abraço!
Mauro Santana