A maior rivalidade? – 1

Crônica do GP: Portugal 2021
03/05/2021
3 x 1
10/05/2021

A Fórmula 1 pode propiciar diferentes expectativas aos seus fãs, a mais esperada por boa parte deles são as disputas dentro das pistas, e se for embalada com boa dose de rivalidade melhor ainda. As rivalidades quando estritas dentro das pistas proporcionam elementos que variam desde disputas cruas, alguns acidentes, brigas fora da pista, declarações polêmicas e por aí vai.

Quero me ater aqui a situações em que os protagonistas tiveram de arrancar todo o talento e a capacidade de seus carros entregar a melhor e mais refinada performance.

Ao longo das décadas, muitas rivalidades ficaram famosas, pilotos do calibre de Juan Manuel Fangio, Stirling Moss, Jim Clark, Graham Hill, Jackie Stewart, Emerson Fittipaldi, Niki Lauda, James Hunt, Nelson Piquet, Nigel Mansell, Michael Schumacher, Fernando Alonso, Lewis Hamilton. Dentre muitos, eles protagonizaram belas disputas e algumas das mais belas corridas.

Algumas ficaram muito caracterizadas mais pelo ocorrido fora do que dentro das pistas, a mais crua e recente foi entre Fernando Alonso e Lewis Hamilton em 2007.

De todas essas disputas nenhuma foi tão badalada dentro e fora das pistas como o que ocorreu com Ayrton Senna e Alain Prost entre 1988 e 1990, sendo que em 1988 e 1989 eles disputaram sob condições ideais, mesmo carro, mesma equipe e sem interferência ou preferência de Ron Dennis, o chefe da McLaren. Nessas duas temporadas foram disputadas dezesseis provas em cada, e é sobre esse período que quero falar.

Em 1988, Senna chega à McLaren. Ele havia feito até então quatro temporadas completas, era promissor e com carros menos competitivos havia demonstrado que seria um campeão assim que se sentasse num carro à altura de seu talento. Mas havia na equipe o então bicampeão Prost, piloto consistente, talentoso e muito competitivo.

Prost estava na McLaren desde 1984, temporada que marcara a chegada de Senna a Fórmula 1. Enquanto para o brasileiro as temporadas de 1984 até 1987 foram usadas para solidificar seu talento, para Prost essas temporadas foram de confirmação, ele disputou os títulos nas quatro temporadas e vencera duas vezes, em 1985 e 1986.

Na cabeça de Prost ainda no auge da forma, Senna deveria ganhar espaço gradativamente na equipe, e 1988 com a chegada dos motores Honda ele seria preferido dentro da equipe, em suma o passeio tranquilo ao Tri.

Faltou combinar isso com Senna…

Revendo essa temporada e suas corridas, elegi quatro delas para sugeri aos amigos leitores que revejam tendo oportunidade, são elas Canadá, Mônaco, França e Japão. Essas quatro corridas dão uma visão desses dois pilotos de formas bem distintas e eles precisaram entregar pilotagens quase no limite da perfeição. Senna e Prost vencem duas corridas cada um, fica uma justa divisão da performance pura e da latente rivalidade que surgiu entre eles.

A temporada fora aberta no GP Brasil. Na classificação, Senna conquista a pole e Prost fica em segundo, no alinhamento para a corrida Senna apresenta problemas e faz uma troca de carros que não era permitido no regulamento. Ele foi desclassificado e em nenhum momento esteve perto de Prost, que venceu com larga margem e tranquilidade.

O clima entre eles era de sorrisos e troca de amabilidades

Na segunda prova, nova dobradinha na classificação. Prost larga muito mal e cai para a oitava posição, Senna assume a ponta e abre boa vantagem, até a recuperação de Prost ao segundo lugar. Mas a vantagem de Senna já era suficiente para ele manter o francês sob controle. Eles fazem dobradinha com uma volta de vantagem sobre todos o restante do grid.

Prost percebe que ao menor vacilo seu, Senna irá vencer, a McLaren tem um carro muito superior e fica nítido que são eles que vão disputar o título.

Vem Mônaco, terceira etapa do Mundial, nova vitória de Prost. Essa corrida marcou a famosa batida de Senna, sozinho, com uma vantagem de mais de um minuto sobre Prost, que definiu, tempos depois, que o brasileiro não queria apenas vencer, queria humilhá-lo.

Senna comentou que essa prova promoveu uma mudança significativa naquilo que considerava sobre conceitos de pilotagem, tendo feito a pole vendo “um túnel branco se abrindo na pista”, com uma vantagem de um segundo e quatro décimos sobre Prost. Berger na Ferrari que classificou em terceiro ficou a dois segundos e seis décimos do brasileiro. Foi uma das classificações mais espantosas da história da Fórmula 1.

Fangio tinha a celebre frase: “corridas são corridas”, e na corrida Senna bate, abandona, Prost vence e está na liderança com folga no Mundial.

A etapa seguinte é no México. Dessa vez, Prost vence com facilidade, Senna chega em segundo. Até então em nenhuma das provas eles haviam se confrontado em disputas na pista, ainda… Ela aconteceria no Canadá.

Na classificação, nova dobradinha com Senna na pole. Na largada, Prost com a preferência do lado interno pula na frente. Nas dezoitos voltas seguintes, Senna o persegue e estuda como ultrapassá-lo. A chance vem na volta dezoito, quando Prost vacila para ultrapassar um retardatário. Senna dá o bote na freada do hairping e passa. Nas voltas seguintes Prost o persegue, mas consegue passar. Prost ainda mantem o clima ameno com Senna, já que na tabela de pontos lidera com uma folga de quinze pontos, ou seja, pontos de uma vitória e um segundo lugar.

Vem a corrida de Detroit, nova vitória de Senna, Prost em segundo. E haja amenidades nas conversas.

A etapa seguinte é na França, terra de Prost. Le Castellet sempre fazia Prost assumir ares mais agressivos, tanto que essa prova entra em nossa lista, exatamente pelo fato de pela primeira vez no ano Prost não só venceu como também conquistou a pole e a volta mais rápida. Ganhou com mais de trinta segundos de vantagem, uma corrida marcante sem dúvida e uma vingança de Prost que estava sendo batido de forma incomoda.

A partir da etapa seguinte, Senna imprimi uma série consecutiva de quatro vitórias e se recupera na tabela de pontos, tanto que em Spa assume a liderança do campeonato pela estreita margem de três pontos. O placar estava Senna 75 pontos x Prost 72.

Vem a prova em Monza e ambos os pilotos abandonam. Essa foi a única prova de 1988 que a McLaren não venceu.

Prost reage e vence duas provas seguidas, Portugal e Espanha, com Senna indo muito mal em ambas, com direito a uma espremida em Prost no Estoril ao ser ultrapassado.

Vem então a prova no Japão, a quarta prova da nossa lista para rever.

Em Suzuka, o vencedor também sairia sagrado campeão da temporada, e foi uma prova digna de decisão.

Senna marca a pole, com Prost em segundo – era a décima quinta prova do Mundial e eles haviam largado na primeira fila em quatorze delas, com Senna estando a frente em doze oportunidades.

Na largada o carro de Senna falha momentaneamente, o suficiente para ele cair para a décima sexta posição. De forma bem agressiva, ele fecha a primeira volta na oitava posição e parte para caçar Prost que liderava a prova e conquistaria o título caso mantivesse a ponta.

Aos poucos, Senna vai diminuindo a diferença, ao mesmo tempo em que vai subindo até chegar em segundo lugar, na volta de número vinte. Nas sete voltas seguintes, persegue Prost. Começa uma pequena garoa. Prost perde ainda mais sua vantagem, até que na volta vinte e sete Senna o ultrapassa na reta dos boxes. Prost tenta esboçar uma reação, mas o brasileiro pilota muito e no limite e abre uma margem que vai se ampliando até a marca dos dez segundos. Senna vence e se sagra campeão de 1988.

Prost sente o gosto amargo de perder o que seria seu tricampeonato e nos números Senna dá um banho, seu único consolo é que naquele ano só valiam os onze melhores resultados, e por essa regra de descartes ele fica com o vice campeonato com 87 pontos, contra os 90 de Senna

Mas em outras comparações, temos os placares abaixo:

Vitórias: Senna 8 x Prost 7

Poles: Senna 13 x Prost 2

Melhores voltas: Senna 3 x Prost 7

Voltas lideradas: Senna 553 x Prost 450

Houve um certo equilíbrio, exceto pelas poles e nesse primeiro round Senna se sagrou campeão

A história seria diferente em 1989, um novo elemento entra, mesmo assim esses dois protagonizaram outra disputa, mas isso fica para a próxima coluna

 

Até lá

 

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

3 Comments

  1. Vagner disse:

    Uma correção: Prost não seria campeão se tivesse vencido em Suzuka (naquele momento do campeonato), apenas adiaria a decisão para Adelaide. Se Senna perdesse em Suzuka mas vencesse em Adelaide, seria campeão da mesma forma.

  2. Mauro Santana disse:

    Excelente tema, Salu, e já estou na expectativa da sua próxima coluna.

    Abraço!

    Mauro Santana

  3. Fernando Marques disse:

    Mário,

    Que tema!!!
    Que bela coluna!!!

    Pois bem.
    A rivalidade entre Senna e Prost certamente foi a maior da história da Formula 1 até hoje. Isso não se discute. Os ingredientes estão todos no início da sua coluna. A história aconteceu e hoje em dia, certamente, fica mais fácil avaliar e analisar tudo o que aconteceu.
    Eu tenho uma opinião que foge um pouco o que a maioria pensa … Mas vou esperar a segunda parte …
    Com relação a temporada de 1988, de fato Prost avaliou mal a situação. E penso que ele tomou a maior derrota esportiva da sua carreira. Perder o título de 1988, tendo o melhor carro e motor, sendo um bicampeão e com a fama de então melhor piloto da fórmula 1 deve ter doido muito. Muito mais que os campeonatos perdidos pro Piquet e Lauda, quando ainda corria em busca de seu primeiro título.
    A supremacia do Senna foi muito grande e possivelmente o campeonato já teria sido seu antecipadamente se não fosse os erros cometidos em Mônaco e Itália. Foram duas corridas perdidas mais que ganhas. Foram dois erros grotescos, talvez ocasionado pela sua ânsia em querer ser campeão e também pela inexperiência de estar disputando um título pela primeira com reais chances de ganhar. Antes ele brigou até mas não tinha carro para lhe dar o título. A lotus proporcionou-lhe sentir o gosto de vencer corridas.
    Esses dois erros, que até poderiam lhe tirar o título de 1988, foram compensados com a melhor corrida que vi ele fazer na vida, que foi em Suzuka. E por isso penso que o título foi mais que merecedor. Tinha que ser ele o campeão. Foi o melhor piloto no melhor carro. Título indiscutível.

    Agora esperar e deleitar com a segunda parte.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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