A incógnita é saber o que pode motivar alguém volúvel como Raikkonen nesta sua nova etapa na categoria.
Meu pai sempre foi admirador do grande Nelson Gonçalves e eu cresci escutando suas canções numa daquelas primitivas vitrolas que, além da música, emitiam toda classe de barulhos de fundo. Ainda conservo em perfeito estado o LP titulado “A volta do boêmio” como uma espécie de relíquia e recordação da minha feliz infância.
Precisamente a canção que dá nome ao LP me veio imediatamente à memória quando foi anunciado o regresso de Kimi Raikkonen à Fórmula 1. A canção começa assim:
Boêmia, aqui me tens de regresso
E suplicante te peço a minha nova inscrição.
Voltei pra rever os amigos que um dia
Eu deixei a chorar de alegria; me acompanha o meu violão.
Boêmia, sabendo que andei distante,
Sei que essa gente falante vai agora ironizar:
“Ele voltou! O boêmio voltou novamente.
Partiu daqui tão contente. Por que razão quer voltar?”
Raikkonen abandonou “sua boêmia” em 2009, acompanhado de rumores e notícias que lhe atribuíam uma exagerada afeição pelas bebidas alcoólicas que, supostamente, ingeria e o próprio Raikkonen compareceu perante a imprensa para dizer que deixaria esse hábito. Porém, não sabíamos se esse era um firme e consciente propósito de alguém convencido do que dizia ou as simples palavras de alguém sob efeito etílico.
O caso é que, pouco depois, o rapaz abandonava a Fórmula 1. Segundo alguns, o finlandês já não tinha a motivação de antanho, após haver conseguido o campeonato em 2007. A Ferrari, inclusive, pagou o que lhe restava de contrato para colocar o espanhol Fernando Alonso em seu lugar.
Mas, o que motiva a um piloto? Raikkonen foi uma espécie de garoto prodígio, capaz de andar rápido desde o princípio e o sonho de qualquer piloto é chegar a ser campeão – e ele não devia de ser nenhuma exceção. De outro lado, o sonho de qualquer um é fazer o que se gosta e de gostar do que se faz. Assim, se Raikkonen presumivelmente fazia o que gostava… que lhe faltava para gostar do que fazia? Creio que a resposta, neste caso, só pode ser uma: ganhar.
A partir de 2008, a Ferrari entrou numa fase descendente e ganhar se tornou cada vez mais difícil. Entrementes, seu companheiro Felipe Massa, supostamente um piloto menos dotado, lhe superava na classificação. Raikkonen era o piloto melhor pago da categoria, o que podia representar uma pressão extra.
Seja pelo que fosse, Raikkonen abandonou a Fórmula 1, suscitando a admiração daqueles que diziam que o rapaz preferiu deixar um muito bom pago lugar na categoria para fazer o que gostava. Agora, dois anos depois, o rapaz volta à Fórmula 1. Dois anos nos quais não conseguiu nada destacável, nem nos ralis nem na Nascar, o que me leva a pensar que, talvez, o rapaz não devia gostar muito da situação e opta por voltar ao lugar onde conseguiu seus maiores sucessos. Ainda por cima, volta com um muito bom salário…
Agora, a incógnita é saber o que pode motivar alguém volúvel como Raikkonen nesta sua nova etapa na categoria. A readaptação à categoria não será fácil pois, como disse John Watson, a tecnologia, os pneus e a aerodinâmica mudaram muito desde a retirada do finlandês. A pressão será grande, pois seus incondicionais admiradores devem esperar grandes coisas de seu ídolo e ele dificilmente não disporá de um carro ganhador.
Se os últimos dois fatores são os mesmos que estavam presentes quando sua retirada, que fará que Raikkonen fique na Fórmula 1 desta vez? Triunfos passados não contam, Michael Schumacher que o diga…
A canção de Nelson Gonçalves termina assim:
Acontece que a mulher que floriu meu caminho
De ternura, meiguice e carinho, sendo a vida do meu coração,
Compreendeu e abraçou-me dizendo a sorrir:
“Meu amor, você pode partir, não esqueça o seu violão.
Vá rever os seus rios, seus montes, cascatas.
Vá sonhar em novas serenatas e abraçar seus amigos leais.
Vá embora, pois me resta o consolo e alegria
De saber que depois da boêmia
É de mim que você gosta mais”.
Gerhard Berger, perguntado sobre as possibilidades de Raikkonen voltar a brilhar na Fórmula 1, se limitou a dizer que estas eram 50/50, o que não deixa de ser uma forma diplomática de não dizer nada.
Abraços
Manuel Blanco
2 Comments
Concordo contigo, Manuel.
De um lado, se a gente lembrar, Räikkönen não tinha assim oportunidades tão boas para continuar na F1 em 2010. McLaren, Ferrari, Red Bull e Mercedes tinham suas duplas fechadas, ao passo que a Renault era – com toda razão – Kubica Futebol Clube. Assim, a gente se acostumou a dizer que Kimi abandonou a categoria, mas a realidade é um tanto intermediária. Afinal, é igualmente verdade dizer que, com o salário que ganhava, e com a falta de motivação que demonstrava, o finlandês havia deixado de ser tão atraente assim aos grandes times. Para continuar ele teria que aceitar um salário menor, guiar um carro intermediário, ou dividir o status de 1º piloto com Kubica. De qualquer forma, os abutres iriam farejar um quê de decadência à sua volta.
Por outro lado, ao encarar o WRC e a Nascar, Kimi viu o quanto era feliz e não sabia. Aquele papo de que “atrás de mim virá quem bom me fará”. Longe dos holofotes, dos milhões e das vitórias, Räikkönen reviu as próprias memórias e recuperou a motivação, da mesma forma como a F1 guardou as melhores lembranças acerca de sua carreira, conservando seu status de estrela.
Posso queimar a língua, mas acho que a pausa pode ter sido a melhor opção para a continuidade de sua história na F1.
Abraço, e que venham mais textos.
Grande Manuel Blanco,
realmente é uma incognita o que esperar do Iceberg …
sempre admirei seu estilo de vida e seu modo de guiar mas uma coisa é andar num carro de ponta e outra andar num carro intermediario … na minha opinião a volta do Schumacher pode ter sido bom para a Formula 1 em muitas coisas menos para ele ..que desde voltou só leva poeira na cara … para o maior vencedor da F1 em todos os tempos não acho bom negocio …
Fernando Marques
Niterói RJ