Essa edição de 1932 do GP de Monza, organizada pela Comissione Sportiva do RACI – Reale Automobile Club Italia) e a Società Autodromo di Monza, seria disputada no circuito completo, 10km, que compreendia o Circuito di Velocità, um oval de 4,5km e a parte sinuosa, de 5,5km.
A classificação continuaria sendo dividida em 3 baterias de 9 carros cada (atenção, organizadores do GP de Monaco de 2026) com duração de 10 voltas, mais uma repescagem. Estariam classificados para a prova final os 4 melhores de cada bateria.
Para distribuir os concorrentes mais fortes pelas 3 baterias, evitando concentração de talentos, foi criado um sistema de votação específico 5 dias antes da prova, que ocorreria dia 11 de setembro (ou seja, essa data e esse circuito estão combinados há muito mais décadas do que se supõe).
A repescagem consistia em uma bateria de 5 voltas.
Sendo esta a última das “grandes provas” do ano, esperava-se força máxima das principais equipes e assim o público compareceu em peso, estimadas 100 mil pessoas.
A Alfa forneceu a todos os seus pilotos, Tazio Nuvolari, Giuseppe Campari, Mario Umberto Borzacchini e Rudolf Caracciola, novas Tipo B/P3, 2,6L, 8 cilindros em linha, deixando claro que não tinha a menor intenção de dar chance de alguém abalar seu glorioso domínio nessa temporada.
A Maserati mostrou que estava disposta a isso, trazendo 2 das muito aguardadas 8C de 3,0L, 8 cilindros em linha com inédita tração dianteira, monoposto, para Amedeo Ruggeri e Giovanni Minozzi, além de uma V5 de 5,0L, 16 cilindros, mais uma vez pilotada por Luigi Fagioli.
A então equipe-satélite Scuderia Ferrari levou as habituais Alfa Monza de 2,3L 8 cilindros em linha para o Conde Antonio Brivio e Piero Taruffi.
A Bugatti se fez presente com as complicadas T54 de 5,0L 8 cilindros em linha, para Chiron e Varzi.
A costumeira legião de independentes consistia em Lord Earl Howe com sua valente Delage 15S8 1,5L 8 em linha, Biondetti com sua M-B Speciale 3,0L 8 em linha, Mario Moradei com sua Talbot 700 de 1,5L 8 em linha, o americano Leon Duray, com uma Miller 91 1,5L 8 em linha e Albert Broschek com a portentosa Mercedes SSK de 7,0L 6 cilindros em linha.
A turma da Bugatti era composta por Marcel Lehoux (T51 2,3L 8 em linha), Emilio Romano e Riccardo Bernasconi (ambos com T35B 2,3L 8 em linha).
A da Alfa era composta por Carlo Gazzabini e Pierre Félix (ambos com Monza).
A da Maserati por Jean de Maleplane (26M, 2,5L 8 em linha).
Campari e Caracciola treinaram na terça, o primeiro quebrando oficiosamente o recorde de Fagioli do ano anterior, virando em 3m15s, mais de 4s abaixo.
Impressionante marca do veterano piloto.
Varzi, Howe, De Maleplane e Lehoux treinaram na quarta, com o primeiro marcando 3m25s.
Chiron e Nuvolari chegaram na quarta, vindo da corrida anterior em Masaryk, e o primeiro foi logo fazer um reconhecimento do circuito.
O americano Leon Duray não achou necessário fazer isso. Olhou a pista de longe e disse que iria descansar. Considerando que era uma pista bastante peculiar e que permitia altas velocidades, essa atitude pegou mal, sugerindo exagerada auto-confiança.
Na sexta a squadra Alfa completa foi à pista: Borzacchini virou em 3m16s, Nuvolari em 3m17s, Caracciola em 3m18s e Campari em 3m19s.
A Maserati acabou decidindo não estrear as 3,0L com tração dianteira.
Fagioli, com a V5, virou em 3m21s, Minozzi marcou o mesmo tempo com uma 3,0L convencional. Varzi fez sua melhor volta em 3m20s.
Com 3 desistências de pilotos independentes, que não compareceram apesar de inscritos, a 1a. bateria teve Minozzi, Brivio, Caracciola e Varzi na primeira fila, com Howe e Lehoux na segunda. Dia ensolarado e quente.
Como se esperava, Rudolf assumiu logo a dianteira, seguido por Minozzi, Varzi, Lehoux, Brivio e Howe.
16m49s depois Caratsch tinha cumprido a quinta volta. Minozzi marcou 17m09s, Varzi 17m50s, Lehoux 6s atrás, Brivio mais 5s com Howe fechando em 18m46s.
A emoção estava por conta do duelo entre a Bugatti de Lehoux e a Alfa de Brivio, com a primeira levando pequena vantagem nas curvas, fator decisivo.
Na volta 7 Caracciola marcou 3m18.2s, seu melhor tempo, média de 181,086 km/h.
Outro momento de destaque foi um pneu estourado na Maserati de Minozzi, que o obrigou a receber a bandeirada com o aro da roda no asfalto, sob pena de perder a posição.
Provando sua habilidade, Rudolf estabeleceu um novo recorde para a prova, totalizando 33m24.2s, média de 179,62 km/h. Foi seguido por MInozzi, Varzi e Lehoux.
Menos de uma hora após o fim dessa bateria ocorreria a largada da segunda, onde estava a maior expectativa. Nuvolari versus Chiron versus Fagioli.
Os três ocuparam a primeira fila, com Taruffi junto. Na segunda, Broschek, Félix, Bernasconi, Moradei.
Tazio larga suficiente bem para assumir a ponta, mas Luigi o acompanha de muito perto.
Logo os dois começam a se alternar na liderança, um duelo empolgante.
Na segunda volta Nuvolari marca o melhor tempo da prova, 3m17.4s, média de 182,4 km/h, mais de um segundo abaixo de seu colega alemão.
Na quinta volta Fagioli passa na dianteira, cravando um tempo total até o momento de 17m10,8s, média de 174,620 km/h. Nuvolari marca 17m11.6s, Chiron 18m22.4s, Taruffi 20m35.8s, Broschek 20m58.6s, Bernasconi 22m27s, Moradei 24m35.6s.
Fagioli e sua poderosa mas pesada Maserati V5 mostravam-se rivais à altura de Nuvolari e sua B/P3. Ambos lutavam curva a curva pela liderança.
Na volta 6 Tazio arriscou ultrapassar na reta curta perto da curva Vialone e acabou saindo da pista, batendo na zebra, o que danificou a roda esquerda dianteira e entortou o eixo. Ele fez uma parada rápida no boxe para trocar a roda e retornou, conseguindo manter o segundo lugar.
Chiron também saiu da pista, também parou nos boxes para colocar nova roda mas perdeu uma posição.
E assim Luigi, com tempo total de 35m03.8s, média de 171,1 km/h, Tazio, Piero e Louis se classificaram para corrida principal.
A primeira fila da 3a. bateria era composta por Ruggeri, Campari, Borzacchini e Duray. A segunda por De Maleplane, Gazzabini e Romano. Na terceira fila, Biondetti.
Dada a largada, Campari e Borzacchini passaram a disputar a liderança, conforme se esperava, tal a superioridade da P3 sobre os demais carros. A seguir vinham Ruggeri, Biondetti, De Maleplane, Gazzabini e Duray, Romano abandonando.
Na terceira volta Gazzabini também abandona.
Duray vai ficando para trás e toma uma volta dos dois ases da Alfa antes do 4º giro.
Ele aparenta estar tendo dificuldades para manter o carro na pista e acaba saindo dela até parar em uma vala. Como o público já tinha ficado mal impressionado no início, por não ter se dignado nem a fazer um reconhecimento de pista, surgiu a tese de que tinha feito isso de propósito, criando uma desculpa para seu desempenho pífio e Duray acabou sendo vaiado.
Campari vence, Mario 56,2s atrás, seguido por Ruggeri e Biondetti.
Para a repescagem alinharam Brivio, Howe, Broschek e Félix na primeira fila, com Bernasconi, Moradei e De Maleplane na segunda.
Brivio assumiu a liderança sem dificuldades, seguido por Broschek, Félix, De Maleplane, Bernasconi e Moradei. Lord Howe larga mal e inicia um grande esforço para diminuir a distância para os demais competidores.
Quando se aproxima da segunda curva de Lesmo encontra Moradei e Bernasconi iniciando a tomada. É uma curva lenta para a direita. Howe percebe que está rápido mas não o suficiente para ultrapassá-los antes. Freia o mais que pode. A Delage derrapa, sai fora da pista, passa por uma vala e vai atingir uma árvore. Com o impacto o carro muda de direção e vai se chocar com uma segunda árvore, com tanta violência que o chassis dobra ao meio, envolvendo o tronco a ponto das rodas dianteiras e traseiras quase se tocarem.
Miraculosamente o piloto se salva, e sem nenhum ferimento.
Brivio nem precisa se esforçar para dominar a prova. Sua melhor volta, a 3a., foi cumprida em 3m35.8s, média de 166,8 km/h, levando 18m30.4s para completar as 5 voltas.
Broschek, Félix e De Malaplane fecham a classificação.
Enquanto isso uma guerra nos bastidores estava em curso.
Assim que terminou a 2a. bateria Nuvolari reclama que Fagioli o tinha prejudicado intencionalmente. Estavam presentes o diretor geral da SA Alfa Romeo, Prospero Gianferrari, o lendário projetista-chefe Vittorio Jano e o chefe de equipe Aldo Giovannini, que imediatamente concordaram em protestar junto à direção de prova.
Esta consistia no presidente da RACI, Vincenzo Florio, no diretor da prova, Renzo Castagneto, e no deputado Marquês Pietro Parisio.
Os representantes da Alfa pegaram pesado: exigiam nada menos que a desqualificação de Fagioli, caso contrário a equipe inteira se retiraria.
Florio e Castagneto formaram uma comissão de experts, ambos e o Marquês incluídos, e se dirigiram até o local do incidente.
Segundo o relato do mantuano, ao se aproximar da curva rápida que vinha a seguir, ele tentou ultrapassar Fagioli pela esquerda mas este alargou sua trajetória, bloqueando o rival.
Tazio foi obrigado a frear violentamente (e a comissão verificou marcas de borracha no asfalto condizentes com essa narrativa) mas, sem espaço, sua roda dianteira esquerda bateu na zebra estourando o pneu. Segundo testemunhas oculares, apenas a extraordinária habilidade de Nuvolari permitiu evitar um acidente grave.
O Marquês foi encarregado de informar aos dirigentes da Alfa que seu protesto tinha sido aceito após a investigação, apoiado na narrativa de testemunhas, que incluía o fiscal de pista.
Curiosamente isso não provocou a reação de alívio esperada.
Ficou a impressão de que os dirigentes da Alfa estava arrumando uma desculpa para não competir. Mistério. Talvez porque a punição não tinha sido aplicada de imediato.
A repescagem começou e os comissários esportivos emitiram um relatório informando que a decisão final para esse incidente seria tomada após a corrida, o que foi muito inesperado e inexplicável. Essa atitude foi amplamente criticada, principalmente porque semanas depois saiu uma decisão oficial, negando razão ao protesto da Alfa.
Ou seja, decisões de direção de prova são complicadas desde aquela época e as polêmicas resultantes também continuavam por um bom tempo.
No momento de formar o grid, a tensão aumenta: nenhuma Alfa oficial na pista.
A multidão nota e começa a ficar inquieta. “Ma come? E l’Alfa?
E como se fosse um artista atrasado para um show, o público começa a pedir, em coro: Alfa! Alfa!
E então o Sr. Roberto Farinacci, um dos expoentes do partido que governava a Italia, conhecido líder das milícias armadas fascistas, vai ter uma conversinha com o Sr. Gianferrari.
E este se mostra sensibilizado com o apelo.
Quando as Alfas começam a se dirigir ao grid são recebidas com grande ovação.
Cientes da importância do momento para o grande público, Nuvolari e Fagioli se abraçam em frente aos boxes.
Luigi afirmou que não tinha notado a aproximação de Tazio.
Sem uma peça sobressalente completa, Aldo Giovannini decide sacrificar o carro de Campari, mandando remover seu eixo dianteiro para repor o de Nuvolari. Portanto uma Alfa a menos.
Como Broschek desistiu o grupo final ficou reduzido a 14 competidores.
A primeira linha foi dividida entre Caracciola, Nuvolari, Biondetti e Lehoux. A segunda entre Félix, Taruffi, Ruggeri e Borzacchini. A terceira, Varzi, Minozzi, Fagioli, Brivio. E a última Chiron e De Maleplane.
Dada a largada, Nuvolari exibe mais uma vez sua agressividade e assume a ponta, seguido por Borzacchini, Caracciola, Fagioli, Ruggeri, Varzi, Minozzi, Lehoux, Chiron, Brivio, Taruffi, Biondetti, Félix e De Maleplane. Completam a primeira volta nessa ordem.
Na seguinte Rudolf assume o segundo lugar, ultrapassando Mario. Luigi ficava a 10s de distância, fazendo o que podia com duas marchas quebradas. Biondetti abandona.
Durante a 4a. volta Minozzi é atingido no rosto por um pássaro e vai para os boxes. Não era mesmo seu dia de sorte. Ernesto Maserati assume seu lugar. De Maleplane abandona.
Na quinta volta Nuvolari lidera, 2s à frente do alemão, com Borzacchini 7s atrás deste. Fagioli vai se mantendo em quarto. Na sexta Caratsch passa Tazio, mas este logo revida.
Mario Umberto tem um problema de fluxo de combustível e precisa ir aos boxes, perdendo a posição para Luigi.
Na 10ª volta Nuvolari e Caracciola continuam próximos, Fagioli 44s atrás. Lehoux se retira.
Cinco voltas mais e o mantuano continuava na liderança, 1s à frente do colega alemão.
Os demais se mantinham, bem mais atrás: Fagioli, Borzacchini, Varzi fechando o grupo dos big guns.
Na volta 19, o cenário muda. O motor da Alfa de Nuvolari apaga pouco antes da entrada dos boxes. Ele pára, achando que era falta de combustível. Mas era o mesmo problema que tinha afetado Borzacchini e assim Jano manda retornar.
E, com grande receio de que o problema atingisse também o carro de Caracciola, a turma dos boxes acompanha a trajetória deste até a bandeirada. Com o atraso de Tazio, é Luigi quem cruza em segundo, 1m38.8s atrás do alemão.
O mantuano finaliza 16s à frente de Borzacchini, que é seguido por Varzi, Chiron, Brivio, Taruffi, Ruggeri, Ernesto Maserati e Félix que, uma volta atrás, não se classifica.
Em suma, naquele tempo a Alfa nem precisava de Nuvolari para vencer.