Alimentando Lobos – Parte 1

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Segundo uma antiga lenda dos índios Cherokee, numa certa noite fria em que um velho guerreiro e seu netinho conversavam ao redor d´uma acolhedora fogueira, o ancião falava ao menino sobre dois lobos que habitam em nosso interior. O menino, entusiasmado, escutava atentamente como o seu avô lhe contava como esses dois lobos estavam em constante luta por ver quem prevalecia sobre nós.

Era uma luta encarniçada entre o lobo que representava o que de melhor temos em nosso coração, como a benevolência, a paz, a empatia e a generosidade, a compaixão e o amor, etc. enfim tudo o que se espera de uma boa pessoa.

Por sua parte, o outro lobo encarnava o mal e tudo o que acarreta, seja a inveja, o rancor e o resentimento, a vaidade e a arrogância assim como a vingança e demais características que podem nos tornar uns seres abjetos e desprezíveis.

Também dizia o velho guerreiro que essa era uma luta diária, constante e sem quartel, que nos exigia estar sempre alerta e atentos ao desenrolar dos acontecimentos, pois é uma batalha que se fere no mais intimo do nosso ser.

Ainda arrebatado pelas palavras do avô, o garoto interrompe o velho e lhe pergunta:

“ Mas vovô… qual dos lobos ganhará ? “

O velho guerreiro, condescendente com a inocência do menino, simplesmente lhe responde:

“ Aquele ao que se alimente ! “ 

Faz agora dez anos desde que se publicou a minha coluna intitulada “Individuo Vs Equipe ”. Naquela ocasião eu falava sobre a relação de Sebastian Vettel com a Red Bull, sua equipe então, e criticava a sua atitude, a meu ver, egoísta e soberba ao desobedecer as ordens recebidas, dando prioridade à sua própria vontade e egoísmo. No entanto não lhe atribui toda a culpa, pois me parecia que Christian Horner, em qualidade de chefe da equipe, não havia infundido no piloto o respeito e consideração devidos e necessários, sendo estes fatores essenciais para a estabilidade e sucesso de uma equipe.

Agora, dez anos depois, parece que nada mudou, pois o acontecido então com Vettel volta a se reproduzir com Max Verstappen. Como então, me parece que o máximo responsável é novamente Horner, pois, pelo visto, não aprendeu nada em todos estes anos. No entanto, parece que o caso de Max é até mais notório que o de Vettel, tanto em sua “rebeldia” quanto em sua obstinação, e não nos deveria de surpreender dado o entorno em que Max se desenvolveu desde menino.

Como o próprio Jos Verstappen disse em 2019, referindo-se ao seu filho: “ Max é o projeto da minha vida. Eu queria ganhar com ele; ser campeão com ele. Esse era o nosso objetivo ! “. Assim, Jos sempre fez tudo quanto fosse preciso para que esse projeto chegasse a ser um sucesso. Porem parece que esse “tudo” só se referia ao piloto.

Jos, após ser bem sucedido nas categorias de promoção, era já visto como a “grande esperança holandesa para a Formula um”. No entanto, essa esperança logo se dissiparia, passando Jos a ser o que os ingleses dizem… um simples “journeyman”.

Assim, e sem que nos deva de surpreender, Jos temo que viu em Max o “instrumento” para conseguir o sucesso que ele não havia sido capaz de conseguir em sua juventude. Assim, Jos se assegurou de proporcionar ao filho tudo o que fosse necessário para esse sucesso sem reparar em nada mais, e exigindo sempre o máximo do garoto.

Como é habitual, Max começou correndo com Kart e logo mostrou muito boas qualidades, sendo campeão belga e holandês com apenas nove anos de idade. Talvez esse talento se devesse a um fator hereditário por parte da sua mãe Sophie Kumpen, uma bem sucedida carreira de kartista. O caso é que a partir de então a sua ascensão já foi continua. No entanto, a pressão à que foi submetido por seu pai sempre foi imensa. Talvez resentido pelo sucesso não alcançado, Jos tratava de se ressarcir por meio do filho, algo nada raro, e o rancor desenvolvido no passado era algo do qual só se podia livrar com o sucesso deste. Como disse o filosofo Emil Cioran:

 

Nossos rancores provem do fato de ter ficado abaixo de nossas possibilidades e isso é algo do que nunca perdoamos os outros.

 

O pior é que Jos parece haver transmitido a Max o seu caráter tosco e violento em sua obsessiva busca desse sucesso “devido”. Assim o talento de Max lhe pode vir da mãe, enquanto que tudo indica que seu temperamento tem uma origem paterna. Os incidentes protagonizados por Jos não deixam lugar a duvidas respeito ao seu comportamento pouco exemplar:

Em 1998, Jos e seu pai Franz, foram acusados de agredir um homem numa pista de kart onde corria Max, causando-lhe fratura cranial, e sua sentença de 5 anos de prisão só foi suspendida por um acordo ao que chegaram com a vitima. Segundo rumores da época, Sophie teria acordado uma generosa compensação econômica com a vitima para evitar alguma possível consequência negativa para a carreira de Max.

Em 2008, Jos tem que se apresentar perante um juiz acusado de agredir Sophie, estando já divorciados, sendo finalmente condenado pelas mensagens ameaçadoras que lhe enviava por e- mail e por furar os pneus do seu carro em três ocasiões, além de violar as ordens de afastamento às que estava submetido.

Em 2011, Jos, uma vez mais, seria acusado de agressão pela sua namorada na época e, em 2016, apareceu a noticia nos jornais de que Jos havia agredido seu próprio pai Franz quem, com feridas e contusões diversas, se apresentou numa delegacia de policia para denunciar o filho dizendo que:

Já haviamos visto que Jos tem a mão “ligeira”, mas isto excede o limite. Jos tem muito mal temperamento !

 

Com esse caráter não é surpreendente a pressão à que submetia Max, e, inclusive, Jos parecia até presumir da férrea exigência imposta ao filho, algo do que dá a impressão de se sentir orgulhoso quando fala ao respeito. Quando tinha 15 anos de idade e segundo o próprio Max conta, durante uma prova de Kart na Itália, na largada ele perdeu a posição para outro participante e, tentando recuperá-la o antes possível, acabaram chocando e abandonando.

Pois bem, Jos não lhe disse nada, nem falta que fazia, pois Max podia ver que o pai estava doido da vida pelo acontecido. Já no carro de caminho para casa, o rapaz tenta se desculpar, mas Jos para num posto de gasolina e o empurra para fora do carro, deixando-o lá mesmo, e seria a sua mãe quem o recolheria mais tarde. Ainda por cima, Jos esteve toda uma semana sem dirigir a palavra ao filho !

Este não foi o único episódio do gênero, pois outros também transcenderam, sendo o pequeno Max objeto de sérias broncas, golpes e empurrões por parte do pai em publico, o que faz pensar que houve ainda outros dos quais nem temos conhecimento. Não questionarei os métodos de Jos como treinador vistos os bons resultados, mas me pergunto até que ponto o fim justifica os meios.

Também me pergunto se toda essa constante pressão teria sido suficiente para compensar uma hipotética falta de talento do jovem Max. Assim… creio que se o garoto estava naturalmente dotado desse talento e o complementava com a vocação para ser piloto ( nada raro conhecendo o ambiente familiar no qual cresceu ), os resultados teriam vindo sem necessidade dessa estrita e marcial tutela à que lhe submeteu Jos.

Isto me faz pensar que, em sua obsessão por conseguir o sucesso que se lhe escapou, Jos tratava de que Max o conseguisse sem importar a que custo. Submeter o garoto a castigos físicos e emocionais durante anos apenas por cumprir o “projeto da sua vida” não me parece que seja o mais adequado e, concretamente, nesse episódio em que o jovem Max abandonou por colisão, sua reação

foi imprópria de um pai. Nesse momento Jos, após as lógicas e necessárias criticas como treinador, devia ter assumido o papel de um pai que apoia o filho tanto no sucesso quanto no fracasso.

Naquele momento Max precisava mais de um pai do que de um treinador.

Felizmente, Max obteve o sucesso buscado ( nem quero pensar o que teria acontecido se não o tivesse obtido ), mas depois de haver estado toda a vida subjugado à enfermiça pressão à que lhe submetia Jos, em busca de se “vingar” do seu passado, temo que isso acaba criando padrões de conduta, pois o habitual é que as crianças acabem parecendo-se aos pais. O pior é que, sem haver conhecido outro comportamento, a criança acaba por assumir que isso é normal e que tudo é pelo seu próprio bem.

Não cabe duvida de que o objetivo foi cumprido, ao menos no que ao quesito de piloto se refere, e Max apresenta todas as qualidades que se esperam de um piloto de elite, pois ele é rápido, determinado, intuitivo, etc.

No entanto, fica a pergunta de se isso mesmo não se teria conseguido com métodos mais amáveis e acordes com um adolescente em pleno desenvolvimento, não apenas como piloto, mas também, e principalmente, como pessoa?

A resposta a essa questão vai ser respondida na próxima coluna que será publicada no dia 09 de fevereiro

Até lá

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    me desulpe pela demora no meu comntário.
    ” Alimentando os Lobos” parte 1, como sempre suas colunas são sensacionais, a meu ver é reflexo e consequencia daquilo que a Formula 1 produziu em termos de pilotos a partir do momento que tecnologia eletronica tomou conta da Formula 1. Penso que a geração de pilotos que vieram com ela, se falando :em L. Hamilton, Sebastian Vettel, Fernando Alonso, Kimi Raikkonen, Keke Rosberg como exemplos de grandes pilotos (não nego) são todos nutellas. E Verstappen que veio depois deles é mais um. Niguem precisa entender de mecânica e sim de eletrônica, pois é ela que faz o set up dos carros. São os tuneis de vento que fazem os crros ganharem ou não mais alguns milésimos de segundo …
    E mais, pega campeões como omo Piquet, Lauda, Stuwart, Emerson, Prost, até mesmo Senna (que teve um bom paitrocinio) se os pais delesmandavam na carreiras deles …

    Mas essa é realidade da Formula 1 e Verstappen certum [icone dela

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Rafael Friedrich Rudolf B Manz disse:

    Aguardando ansioso a parte final; Vida longa e próspera a todos.

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