Almoço em Maranello

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Era o outono de 1961, no final de semana em 3 de setembro o autódromo de Modena seria palco de uma corrida extracampeonato, o Grande Prêmio de Modena, com 100 voltas previstas, no campeonato oficial a equipe Ferrari estava dominando e no domingo seguinte em 10 de setembro haveria a disputa do GP da Itália em Monza.

Com dois de seus pilotos na frente na tabela do mundial, Wolfgang Von Trips e Phil Hill, ambos com chance de sair de Monza com o título de pilotos nas mãos o comendador Enzo Ferrari decide não inscrever sua equipe para essa corrida

Na disputa estariam vários pilotos de primeira linha, entre eles o britânico Stirling Moss, que estava inscrito na sua Lotus-Climax 18/21, da equipe particular de Rob Walker

No domingo numa boa disputa com o americano Dan Gurney e o holandês Jo Bonnier, ambos correndo de Porsche, Striling Moss vence a prova e a torcida italiana o exulta, naquela temporada Ele e sua Lotus azul eram o único adversário que ameaçava o amplo domínio da equipe Ferrari na Fórmula 1.

Como era muito comum nos anos 50, 60 e parte dos anos 70 os pilotos participarem de várias categorias diferentes, com o intuito de ganhar um adicional em dinheiro, cada largada oferecia prêmios monetários e muitos dependiam dessa fonte de renda adicional.

Em 1960 nas diversas categorias que Moss disputava estava a categoria de turismo, muito popular na Inglaterra e suas colônias, e foi nessa categoria que ele emplacou 6 vitórias correndo numa Ferrari 250 GT

Em 20 de agosto de 1960, Moss participou do Troféu RAC de turismo em Brands Hatch e no fim de semana seguinte em 27 de agosto ele esteve presente no Troféu Redex, tendo vencido ambas as corridas com sua Ferrari 250 GT

Em 27 de novembro ele conquista mais uma vitória, dessa vez no Troféu Turismo de Nassau

No ano de 1961, ele emplaca mais 2 vitórias antes de setembro, em julho ele vence a corrida de Gram Turismo em Silverstone e em agosto ele volta a vencer dessa vez em Brands Hatch

Após a vitória em Modena e sua repercussão pela imprensa italiana, Stirling Moss é convidado pela Ferrari para fazer um teste em Monza, antes do GP da Itália, com o protótipo da Ferrari 250 GTO, o carro era tão novo que sequer havia sido pintado, a carroceria exibia o alumínio natural.

Moss gostou muito desse teste, o carro era claramente uma evolução bem-sucedida do modelo 250 GT no qual Moss estava tendo sucesso.

Esse convite por parte da Ferrari não era algo à toa, Enzo Ferrari estava interessado em saber de Stirling Moss o que ele achava daquele novo modelo, e aproveitar para sondar a possibilidade leva-lo para a sua equipe, o teste foi feito, mas não houve a possibilidade do encontro entre Stirling Moss e Enzo Ferrari.

Em 27 de novembro Stirling Moss conquista mais uma vitória com a Ferrari 250 GT, dessa vez no Troféu Turismo de Nassau.

Enquanto isso na equipe Ferrari o clima estava pesado, as circunstâncias da conquista do titulo mundial, com a morte de Wolfgang Von Trips, no acidente mais fatídico da história da Fórmula 1, com 16 mortos incluindo o piloto Von Trips, tirou o sabor da conquista de Phil Hill, primeiro americano a se sagrar campeão de Fórmula 1, somava-se a uma disputa interna por poder, fenômeno típico da escuderia italiana ao longo de sua história

Enzo Ferrari não confiava em Phil Hill como piloto, o achava vacilante para seus padrões, e o staff técnico comandado por Carlo Chiti estava claramente revoltados com a forma como Enzo conduzia sua equipe, isso culminou com uma debandada em 1962, o que afetaria a equipe e seus resultados naquele ano.

Mas estamos falando da equipe Ferrari, que naquela época era a dominante e muitos pilotos gostariam de estar em seus carros.

Enzo Ferrari tinha uma ampla possibilidade de escolher os mais promissores e talentosos pilotos do grid, e com essa ideia na cabeça ele faz um novo convite para Stirling Moss e Rob Walker: “venham almoçar comigo”

No início de abril de 1962, Stirling Moss e Rob Walker almoçaram com Enzo Ferrari em Maranello, na sala privada do velho no restaurante Cavallino em frente aos portões da fábrica, onde discutiram a possibilidade de uma colaboração.

Ferrari recebeu os dois visitantes da Inglaterra em seu escritório, a poucos metros da entrada da fábrica na Via Abetone. Foi por esses portões que ele dirigiu o primeiro carro com seu nome para um teste em março de 1947, algumas semanas depois que o adolescente Moss fez sua estreia na competição no BMW de seu pai. O francês teria sido sua língua comum.

Além de levá-los para o outro lado da rua para almoçar, onde ele teria mostrado a eles o lado genial do “velho terrível” que ele disse ter sido inventado por jornalistas, Ferrari mostrou a eles a fábrica onde os carros de rua eram construídos ao lado do departamento de corridas, então se preparando para a temporada de 1962.

Enzo Ferrari a despeito do lado maquiavélico sabia como poucos a arte da sedução aos interlocutores, já relatamos esse lado de Enzo em outras colunas.

Em suas memórias, Enzo Ferrari colocaria Stirling Moss ao lado de Tazio Nuvolari como homens: “que, em qualquer tipo de máquina, em qualquer circunstância e em qualquer percurso, arriscaram tudo para vencer e, em última análise, parecem se destacar entre os demais.  Eles souberam dar o melhor de si no automobilismo, ao volante de um sedã, um esportivo de dois lugares ou um monoposto de qualquer tipo de Fórmula”

Nesse dia Enzo Ferrari ficou impressionado com o interesse e conhecimento técnico do inglês sobre o que estava sendo mostrado quando ele parou para observar operários fundindo cabeçotes de cilindro de alumínio e soldando tubos de chassi.

Moss perguntou se poderia dar uma olhada nas oficinas, e mostrou-se surpreendentemente especialista nas inúmeras coisas sobre as quais perguntou.

Ambos tiveram uma conversa longa e amigável, a conclusão foi bastante inesperada, a oferta de Enzo Ferrari foi surpreendente.

Ele construiria um carro de Grande Prêmio de acordo com os requisitos apontados por Moss, disse que seria, é claro , uma evolução do Dino 156 que acabara de vencer o campeonato de pilotos e construtores de 1961 – e o colocaria à sua disposição .

E para espanto de alguns presentes ao encontro, Enzo disse que Moss poderia manter a parceria com Rob Walker que poderia continuar dirigindo a sua equipe independente de Maranello, a Ferrari deles seria pintada nas cores azul escuro e branco, como eles já faziam com o modelo 250 GTO que estavam usando nas corridas de esportivos.

Uma Ferrari inscrita com apoio de fábrica não era algo totalmente novo na Fórmula 1. A Ferrari emprestou carros à Equipe Nacional Belga, pintados de amarelo belga para os pilotos Paul Frère e Olivier Gendebien.  Enzo também havia cedido um carro para uma equipe privada no GP da França 1961, equipe organizada por um grupo de entusiastas italianos que promoviam os jovens pilotos do país, que obtiveram um resultado espetacular quando Giancarlo Baghetti se tornou o primeiro homem a vencer em sua corrida de estreia no Grande Prêmio em Reims em 1961.

Mesmo assim ainda era um arranjo incomum e único no sentido de que ali estava Enzo Ferrari cedendo um carro a um piloto melhor do que qualquer outro em sua própria equipe – embora Phil Hill , o novo campeão mundial , continuasse na equipe em 1962 .

“Certamente era o carro para se ter”, disse Moss numa entrevista muitos anos depois.

O trio acerta ali a ida de Stirling Moss para a Ferrari, como era praxe na época, nada de papeis, contratos, bastava apertos de mãos, eram cavalheiros e isso bastava.

E veio o dia 23 de abril, uma corrida em Goodwood, prova extracampeonato, correndo por prêmio de largada e por prazer

Tudo mudou, um acidente e tudo mudou.

A história nos conta que nesse dia um dos maiores pilotos de todos os tempos sofre um acidente e ao voltar as pistas vê que suas condições físicas não eram mais a mesma e decide se aposentar.

Não veio a chance de correr pela Ferrari, a equipe teve um ano muito fraco em 1962, mas o substituto de Moss, um motociclista campeão, seu nome John Surtees teve paciência e em 1964 veio a chance de conquistar um título,

Não resta dúvidas que se Moss estivesse na Ferrari talvez pudesse ter conquistado o seu título, mas a história não é feita do talvez.

O almoço não teve o desfecho esperado

No nosso próximo encontro vamos abordar o espirito patriótico de Stirling Moss,

Porque ele foi tão teimoso em algumas ocasiões, insistindo em correr apenas nos carros britânicos?

Até Lá e boa semana

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

2 Comments

  1. Geraldo Flávio Chaves disse:

    Stirling Moss, pra mim está entre os Grandes da F-1, apesar de nunca ter visto em atividade, sempre me despertou muita curiosidade! Azar da F-1, de não ter o seu nome no hall dos campeões!!!

  2. Fernando Marques disse:

    Mário,

    duas coisas que quero falar sobre a coluna “Almoço em Maranelo”.
    Essa Ferrari nº 07 … que coisa mais linda
    A história do Sir S. Moss e Ferrari … sensacional … que história!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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