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A atenta análise histórica do automobilismo – e naturalmente o mesmo se observa noutros esportes – muitas vezes irá revelar continuidades narrativas por trás de eventos que poderiam parecer fortuitos aos olhos de espectadores casuais. Algo bastante natural, considerando que esportistas são humanos como todos nós, e sujeitos às mesmas emoções, tanto mais no ambiente competitivo e estressante que habitam.

Ocorrências passadas não nos faltam, mesmo que assim, num pensamento rápido a esse respeito. A emblemática ultrapassagem de Mika Häkkinen sobre Michael Schumacher em Spa no ano 2000, por exemplo, só poderá ser devidamente compreendida e contextualizada levando-se em conta o ocorrido em Macau 10 anos antes. De igual modo, não seria possível avaliar com justiça o GP do Japão de 1990 sem mergulhar, antes, em tudo que aconteceu em Suzuka no ano anterior, nem tampouco seria possível avaliar precisamente o dramático GP da Malásia de 2015 na MotoGP sem considerar o GP anterior, na Austrália, bem como as declarações que aquela corrida acabou rendendo.

Lembro ainda que no início de 2016, após Rosberg enfileirar sete vitórias consecutivas, manifestei meu entendimento de que um acidente de pista entre Hamilton e Nico não era apenas provável, como parecia iminente – algo que se confirmaria já na prova seguinte, na Espanha. Poderíamos ainda relembrar o comportamento de Nigel Mansell em Jerez, 1986, e suas origens nas corridas anteriores mas, para não sermos redundantes demais, encerremos com o exemplo recente da crise entre os pilotos da Red Bull, a qual tornou-se notória somente no fim da temporada 2022, mas teve suas origens vários meses antes, nas ruas de Monte Carlo.

No fim, essa é uma dimensão que jamais se pode perder de vista. Por baixo de capacete, macacão e balaclava, continuam sendo homens disputando espaço, dinheiro, fama e, sobretudo, dominância. E nunca faltou espaço nos cockpits para simpatias e antipatias, amizades e inimizades, vingança, rancor, e muita, muita comunicação não verbal.

O tema pode parecer um tanto desconexo, mas, pensando a respeito das perspectivas para a temporada 2023 da Fórmula 1, não pude deixar de observar que o ano anterior – em razão de uma nova hierarquia de desempenhos entre as equipes – deixou sem resposta a pergunta central que lhe havia sido proposta: afinal, quais os desdobramentos da escalada na rivalidade entre Lewis Hamilton e Max Verstappen que testemunhamos ao longo de 2021? Ou, noutros termos: como ambos irão se comportar caso voltem a disputar regularmente vitórias e títulos? Teremos disputas limpas, ou virão à tona eventuais assuntos inacabados por parte de um deles, ou mesmo de ambos?

Ora, todos sabem que a Mercedes apresentou grande evolução nas etapas finais de 2022, tendo identificado os erros de projeto que tanto prejudicaram suas ambições ao longo do ano. O mínimo que se pode esperar, em condições normais, é que produzam um carro muito mais competitivo em 2023. A Red Bull, por sua vez, parte de uma plataforma absolutamente vencedora, e tem tudo para estar na briga pelas melhores posições uma vez mais. Em teoria, portanto, 2023 pode muito bem começar de onde 2021 terminou, ou algo próximo a isso.

Por si só, tal perspectiva já seria suficiente para justificar que observemos com atenção o desenrolar da próxima temporada, mas a verdade é que o contexto atual agrega ainda outros pontos de interesse bastante especiais. E o primeiro deles atende pelo nome de George Russell, fazendo agora sua segunda temporada pela Mercedes, e possivelmente a primeira delas em condições de brigar regularmente por vitórias. O convívio com Lewis foi cordial ao longo de 2022, a despeito da proximidade de desempenhos que o viu, inclusive, terminar 35 pontos, uma vitória e duas posições à frente do companheiro heptacampeão na tabela de classificação. Mas, como se dará essa mesma relação caso as Mercedes voltem a disputar sistematicamente as primeiras posições?

Aprofundando o contexto um pouco mais, devemos considerar que Lewis já não é mais um menino. Às vésperas de iniciar sua 17ª temporada, e há dois anos sem conquistar um título mundial, ele parece orbitar uma condição muito interessante que vimos acontecer algumas vezes no esporte: a do ex-campeão que luta contra novas gerações, contra a necessidade de se adaptar a equipamentos e um cenário esportivo muito diverso daquele ao qual foi originalmente moldado, e contra o próprio passar dos anos, para voltar a vencer uma última vez e assinar aquele que, provavelmente, será o maior de seus feitos. Vimos, por exemplo, Valentino Rossi chegar muito perto disso em 2015, ou Roger Federer voltar a conquistar majors após um jejum de longos cinco anos, e, claro, alguns meses atrás vimos Lionel Messi liderar uma campanha vitoriosa em Copa do Mundo em sua quinta e provavelmente última tentativa. E então: quantas oportunidades Hamilton ainda terá de lutar por títulos?

Tudo isso, claro, deverá ser levado em conta na maneira como irá se portar diante do adversário externo – Verstappen – e, sobretudo, do adversário interno – Russell.

E se tal horizonte já parece interessante o bastante, resta ainda ver o que Maranello terá a contribuir para torná-lo ainda mais colorido.

Claro, vimos ao longo de 2022 todas as deficiências dos vermelhos no que se refere ao ritmo de desenvolvimento do equipamento e, muito mais do que isso, um amadorismo constrangedor no campo das estratégias. É fato que houve mudanças importantes em cargos de direção, mas talvez seja muito esperar que os italianos sejam capazes de sustentar uma campanha sólida, maximizando o próprio potencial ao longo de mais de 20 etapas. Ok.

Mas, sendo justos, também não devemos esquecer que eles foram muito competentes em sua interpretação inicial acerca do novo regulamento esportivo, tendo produzido um carro que em muitas oportunidades foi capaz de superar a Red Bull em velocidade pura, sobretudo quando conduzido pelas hábeis (e famintas) mãos de Charles Leclerc. Se parece muito improvável que o cavalinho possa fazer frente ao touro ou às flechas ao longo de toda a temporada, intromissões esporádicas na briga por poles ou vitórias soam muito mais críveis. E, caso se confirmem, agregariam muito valor às disputas.

No papel, como se vê, a temporada 2023 promete ser muito mais interessante do que sua antecessora. Todavia, se algum desses cenários efetivamente se concretizará ou não, é algo que só saberemos, de fato, quando as luzes vermelhas se apagarem no Bahrein, no dia 5 de março.

E os amigos, quais as expectativas que nutrem em relação à atual temporada da F1?

Forte abraço, e uma ótima semana a todos.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Márcio,

    Está aí o cardápio para a temporada da fórmula 1em 3023.
    Para que dê tudo certo só falta a Mercedes subir de patamar .
    Lewis Hamilton tem tudo pra fazer a melhor temporada de sua carreira.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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