A Ferrari estava com a faca e o queijo na mão nesse domingo. Charles Leclerc liderava a corrida com autoridade na casa da Red Bull e alguns segundos atrás, Max Verstappen via Carlos Sainz encher seus retrovisores, tornando a ultrapassagem uma questão de tempo para completar a dobradinha da Ferrari. Mattia Binotto iria para casa feliz com bons pontos no bolso e a diferença em ambos os certames caindo, com metade do campeonato para ser percorrido.
Então tudo desandou na volta 55, quando o motor de Carlos Sainz quebrou espetacularmente, lançando biela para todo lado. Além disso, Charles Leclerc passou a ter um bizarro problema no acelerador que fez as últimas dez voltas do Grande Prêmio da Áustria se tornar um drama para a turma de Maranello.
No dia anterior, na Sprint Race, Binotto já tinha visto seus dois pilotos se digladiarem como se não fossem companheiros de equipe, permitindo a Max Verstappen papar os dez pontos da corrida curta com facilidade, enquanto Leclerc saía do seu carro novamente cuspindo abelha africana, não esperando um ataque tão forte vindo do mesmo covil.
Voltando ao domingo, Mattia Binotto sentia que mesmo quando tudo estava em suas mãos, ele não tinha sossego. Mais trancado que o sutiã da Jojo Todinho, Binotto, porém, viu um show de pilotagem de Leclerc nas últimas voltas, que teve a frieza necessária para manter um ritmo bom o suficiente para manter Verstappen à distância e vencer no Red Bull Ring, para alívio de todos na Ferrari, que tiveram mais emoção do que o esperado no final da corrida.
De manhã cedo a chuva tinha dado as caras em Spielberg, afetando a corrida de F2, mas a pista estava seca quando a trupe da F1 alinhou seus carros no grid de largada, mesmo com nuvens negras no horizonte austríaco. O que chamou atenção da prova da F2 foi a quantidade de punições por ‘track limits’, inclusive alterando o resultado da corrida depois da bandeirada, trazendo o receio de que a corrida de F1 fosse cheia de punições. E os comissários da FIA estavam mesmo querendo trabalho, pois foram anotados nada menos do que 43 incidentes de ‘track limits’. QUARENTA E TRÊS!
A prova no Red Bull Ring desse domingo foi bem interessante e com muitas nuances estratégicas. Repetindo a largada da Sprint Race, o pole Verstappen fechou a porta de Leclerc com vontade, mas ao contrário do que se viu no sábado, Sainz não saiu tão bem e ao invés de atacar seu companheiro de equipe, teve que se preocupar mais em se defender de George Russell. O inglês da Mercedes estava com apetite nesse domingo. Depois de ser superado por Sainz após a freada da curva 3, Russell passou a ser atacado por Pérez e na freada da curva 4, acabou tocando no mexicano, significando uma punição à George mais tarde. No sábado Verstappen dominou como quis a Sprint Race e era esperado algo parecido no domingo, com a torcida holandesa fazendo a festa, mesmo que os sinalizadores laranja terem criado uma fumaça perigosa para os pilotos, pois claramente a visão deles foi afetada. Após se livrar de Sainz na Sprint, Leclerc esboçou um ataque em cima de Verstappen e o monegasco reportou poucos problemas de pneus, algo que Max reclamou bem mais. E isso se reproduziu no domingo. Após abrir 1,5s nas primeiras voltas, Verstappen viu Leclerc se aproximar rapidamente dele. Max fez o que era possível, mas já anunciava pelo rádio que não teria como segurar por muito tempo. Foi a primeira ultrapassagem tomada de Max, com Charles assumindo a ponta. Quando Sainz já se aproximava, a Red Bull tentou o diferente e trouxe o neerlandês aos pits pela primeira vez de forma antecipada, anunciando a todos que pararia duas vezes, no mínimo.
A Ferrari postergou o quanto pôde a parada dos seus pilotos, tentando uma corrida com uma única visita aos pits. Com pneus mais novos, Max Verstappen rapidamente se livrou do trânsito e era mais rápido do que a dupla ferrarista quando a turma de Binotto chamou seus pilotos no momento em que a corrida se aproximava da metade. De forma lógica, Leclerc voltou atrás de Verstappen e da mesma forma, engoliu a diferença que o separava do piloto da Red Bull, efetuando a ultrapassagem poucas voltas mais tarde. Da mesma forma do primeiro stint, Max já via Sainz fungando no seu cangote quando parou pela segunda e esperada vez nos pits, novamente colocando pneus duros. Max não estava andando muito forte com os pneus duros, o contrário acontecendo com a dupla rossa, mas ainda assim era quase impossível Max colocar pneus médios novamente àquela altura, no entanto, com pneus mais novos, Verstappen poderia ter a vantagem de uma melhor borracha no final da prova, se a Ferrari optasse por uma única parada. Com uma vantagem clara e cristalina na pista, a Ferrari chamou seus pilotos para os pits e sem querer arriscar muito, colocou pneus duros, quando o esperado eram os pneus médios, até pela quantidade de voltas para o fim. Nem isso parou Leclerc. O monegasco saiu logo atrás de Verstappen e com um ritmo 1s melhor, ultrapassou novamente o piloto da Red Bull. Pede música Charles!
Porém, a ótima corrida da Ferrari rapidamente se tornaria complicada. Sainz estava encostando em Max Verstappen para uma tranquila ultrapassagem. A transmissão estava com uma câmera focada na dianteira do espanhol, quando de repente a traseira de Max desapareceu no horizonte. Então a familiar cena da fumaça branca saindo da traseira de um carro da Ferrari veio à tona. Sainz gosta de cantar no rádio e a música apropriada no momento era ‘oh no, oh no, oh no’. Carlos saiu desolado de sua chamuscada Ferrari. Nos boxes da Ferrari, todo mundo se entreolhava assustado. Seria outra corrida ganha indo para o beleleú? Antes que a presepada ocorrida em Silverstone se repetisse, a Ferrari chamou Leclerc quando o SC Virtual deu as caras para apagar o incêndio do carro do companheiro de equipe, o mesmo fazendo Max Verstappen. Com menos de quinze voltas para o fim, com nítida vantagem na pista e estratégias semelhantes, bastava à Leclerc levar o bebê para casa, certo? Não, se você se veste de vermelho a adora complicar o descomplicado. Um estranho problema no acelerador de Leclerc fazia com que, quando Charles tirasse o pé, o pedal não voltasse totalmente, criando uma estranha sensação de carro acelerado. Em tempos de gasolina com o preço nas alturas, seria um problemão, mas como Leclerc não se preocupa em pagar do seu bolso o reabastecimento do seu carro, havia outros riscos envolvidos. Com a FIA empolgada em punir pilotos pelo famigerado ‘track limits’, havia o risco de o carro sair de frente e Leclerc passar do ponto, sem contar que o problema poderia piorar de vez. Até Enzo Ferrari prendeu a respiração em sua tumba nas voltas finais, mas vale dizer que Leclerc pilotou como nunca, não perdendo tanto tempo para Verstappen, que ainda baixou para perigosos 2s na abertura da última volta sua desvantagem. Leclerc mostrou ser um piloto diferenciado nessa sua vitória, talvez a mais dramática das cinco que já tem na F1. Com o abandono de Pérez, ainda rescaldo do toque com Russell na primeira volta, Leclerc voltou à vice-liderança do campeonato, se tornando de fato e de direito o principal rival de Verstappen no campeonato. Mesmo derrotado na casa de sua equipe, Verstappen ainda teve o que comemorar, pois num dia ruim da Red Bull, somado os pontos da Sprint Race e da melhor volta da corrida, ele nem perdeu tantos pontos para Leclerc, ajudado pelo abandono de Sainz, quando a ultrapassagem do espanhol era iminente. É a famosa sorte de campeão.
Após a bela exibição em Silverstone, quando a Mercedes aspirou lutar pela vitória, não deixou de ser decepcionante a corrida de hoje para os alemães e a Mercedes mostrou-se com déficit de potência nas longas retas de Red Bull Ring. Com uma Ferrari e uma Red Bull abandonando, uma Mercedes ainda subiu ao pódio e hoje essa honraria coube à Lewis Hamilton. O inglês ficou um tempo atrás da dupla da Haas no início da prova, mas rapidamente ficou como o melhor do resto e por lá ficou a corrida inteira, sem ser importunado por ninguém. Talvez resquícios da luta do ano passado, Hamilton perturbou um pouco Verstappen quando este chegou em Lewis com pneus melhores, mas a batalha só durou alguns metros. Após uma primeira volta alvoroçada, Russell acabou punido de forma esperada e caiu para as últimas posições, tendo ainda que trocar o bico pelo toque com Checo. Tudo levava a crer numa corrida opaca de George, mas o inglês teve a sorte da corrida ter tido como padrão a tática de duas paradas e assim Russell acabou não tendo tanta desvantagem pelas atribulações das primeiras voltas, efetuando uma bela recuperação, ultrapassando muita gente e Ocon no final para ficar com um excelente quarto lugar, mesmo que bem longe de Hamilton. Após uma classificação onde viu seus dois pilotos baterem, dando muito trabalho aos mecânicos no sábado, a Mercedes conseguiu ótimos pontos no domingo, mesmo que o desempenho tenha ficado abaixo do esperado. A Alpine esperava brigar com a Mercedes, mas a forma como Russell saiu lá de trás e ainda chegou à frente de Ocon mostra que os franceses ainda tem que comer muita baguete para chegar nos tedescos, mas isso não ofuscou a bela corrida dos seus pilotos. Ocon fez uma prova sólida em sua centésima corrida na F1 e foi quinto, com Alonso saindo da última fila, após nem largar na Sprint Race, para os pontos, mesmo parando igual vezes que seus adversários mais próximos.
A confiança é a base de qualquer esportista e Mick Schumacher deu a prova disso hoje. Após finalmente marcar seus primeiros pontos na F1 em Silverstone, o jovem alemão fez uma ótima corrida na Áustria e levou à Haas ao sexto lugar, andando constantemente na frente de Kevin Magnussen, que chegou em oitavo, dando importantes pontos à Haas. Num final de semana complicado, a McLaren ainda salvou alguns pontos com seus dois pilotos (aleluia Ricciardo!), mas vendo a Alpine empatar no Mundial de Construtores. Albon fez um ótimo trabalho e quase pontuou, ultrapassado por Bottas e Alonso quando estava em décimo já nas voltas derradeiras. Gasly parece atarantado por ver sua carreira estagnada em ficar mais um ano na Alpha Tauri, sem maiores perspectivas de crescer dentro do seio da Red Bull e sem ter para onde ir nas outras equipes. Gasly foi punido duas vezes hoje, incluindo um toque evitável com Vettel. O alemão da Aston Martin foi tocado na Sprint e na corrida principal, ficando em último entre os que chegaram e como é Vettel quem carrega a Aston Martin nas costas, sem surpresas o time ficou sem pontos.
Mesmo a Ferrari caçando emoções, o time ainda se permite ficar no papel de caçador em ambos os campeonatos. Os erros estratégicos e a confiabilidade claudicante jogaram contra a Ferrari nas últimas corridas e até mesmo hoje, mas dessa vez deu tudo certo bem no quintal da Red Bull, que viu os italianos vencerem as duas últimas corridas. Leclerc lavou a alma com a vitória de hoje, mantendo aceso a chance de lutar pelo título após três meses de jejum, mas Charles precisará de corridas menos emocionantes, se quiser derrotar Max Verstappen. Principalmente de emoções vindo da própria trincheira.
Abraços!
João Carlos Viana
1 Comments
JC,
sem duvidas algumas mais uma bela corrida, assim como foi Silverstone. Não tivemos tantos imprevistos , mas tivemos uma corrida super bem animada … aquela disputa por posições entre os carros da Haas, Mclaren de Noris , se não me falha a memoria da Austin do Strol e Alonso é algo raro mas muito raro de se ver na Formula 1.
A vitoria do Leclerck foi a lá quando um jogador marca 3 gols numa partida … pra ganhar a corrida precisou e passou por 3 vezes o Verstappen, que volto a dizer está muito comportadinho …
Até a corrida de Silverstone, a reação da RBR, ante ao seu inicio ruim e de muitas quebras, deixava a crer que eles iam levantar poeira … estas duas ultimas etapas tentam ao menos dizer que não, ou melhor a Ferrari ainda mostra que está viva …
Agora eu não sei de as quebras de motores, em numeros maiores do que visto na temporada passada nesse meio de temporada, pode estar fazendo com que a RBR tenha tirado um pouco o pé nessa altura do campeonato guardando gorduras mais pro final … acho que as punições por estourar o uso de 3 motores durante a temporada ainda vai interferir muita coisa no campeonato … este papo de pneus ontem, sei não pode ter sido blefe do Verstappen … o circuito de Spielberg é lizinho e tem poucas curvas …
O Leclerck é um excelente piloto mas ainda continuo achando ele com uma soberba sem tamanho e que só ele pode se dar bem na Ferrari
Fernando Marques
Niterói RJ