Campeão Moral – Epílogo

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Muitos campeonatos tiveram confrontos tensos e empolgantes até a sua prova final. Poucos foram tão eletrizantes quanto o de 2008. As voltas finais do GP Brasil tiveram um sabor bem diferente para seus dois protagonistas: o brasileiro Felipe Massa e o britânico Lewis Hamilton.

Duas perguntas que trago à tona nessa coluna:

  1. Quem, de fato, merecia ser campeão naquele ano? Hamilton, que conquistou o título, ou Massa, que ficou com o vice?
  2. Será que um dia veremos algo parecido à última volta em Interlagos, com Massa campeão por 20 segundos e Hamilton levando o caneco ao conquistar o quinto posto a 800 metros da chegada?

Para a primeira pergunta, levantamos a participação dos dois postulantes durante as 18 etapas que foram disputadas em 2008:

Pelos resultados, o que levou Hamilton a conquista do título foi ter obtido dois 4os e um 3º lugar a mais do que Massa, que, por sua vez, obteve uma vitória a mais que o britânico.

Se na matemática a diferença foi tão tênue, nas pistas também houve uma variação pequena entre ambos, com uma variável que ajudou Hamilton até a disputa na etapa da França, a oitava do Mundial. Na McLaren, a prioridade foi dada a Hamilton desde a prova de abertura. O mesmo não aconteceu na Ferrari. Tanto Räikkönen quanto Massa estavam bem fortes na disputa até a prova francesa e é compreensível que a Ferrari não estava adotasse a velha politica de priorizar um piloto. Isso só aconteceu na segunda metade do campeonato.

 

 

Foi um campeonato interessante no aspecto climático. Muitas das 18 provas foram disputadas na chuva e isso acabou sendo também um fator que pendeu nas disputas. Habilidade e sorte fizeram a diferença para alguns resultados e vale lembrar que os carros não tinham controle de tração.

A prova de abertura foi na Austrália, com vitória de Hamilton, enquanto Massa abandonaria com motor quebrado, deixando a impressão que, um pouco mais maduro e com a equipe concentrada nele, o inglês era o favorito, até porque havia o sentimento que perdera em 2007 de forma injusta.

A vitória da McLaren na Austrália acabou ofuscando o fato de que, em termos de carro, a Ferrari apresentava um melhor conjunto.

Confirmando esta impressão, na Malásia Massa foi o pole, mas se atrapalhou ao longo da prova com uma estratégia errada de combustível, e Räikkönen venceu. Hamilton, numa prova apagada, foi 5º.

A etapa seguinte foi no Bahrein, onde a Ferrari confirmava sua competitividade fazendo uma dobradinha, com Massa à frente. Hamilton bateu em Alonso e terminou em 13º. No Mundial, Räikkönen liderava com pequena margem.

Na Espanha, nova dobradinha da Ferrari, dessa vez com Räikkönen ganhando. Hamilton terminou em 3º. O campeonato já se desenhava como sendo uma disputa entre esses três, ainda que Robert Kubica, com BMW, também se mantinha perto dos líderes.

Na Turquia, nova supremacia da Ferrari: Massa volta a vencer com Hamilton em 2º ao adotar uma estratégia mais ousada de pneus e fazer uma troca menos que a Ferrari. Räikkönen fechou o pódio, a menos de um segundo de Hamilton

O sexto GP, em Mônaco, foi um divisor de águas na disputa. A Ferrari, até então com o melhor conjunto, se perdeu na estratégia de pneus, numa prova disputada com chuva. Numa mistura de habilidade e sorte, Hamilton conquistou a vitória.

O ponto é que com um carro superior e uma dupla muito forte, a Ferrari começava a perder a chance de repetir a conquista do ano anterior por pequenos erros estratégicos.

O GP do Canadá marca a primeira vitória de Robert Kubica na F1 e com a sua regularidade até ali, assume a liderança do Mundial, com 42 pontos, seguido por Hamilton e Massa, empatados com 38, e Räikkönen, com 35. Esse GP marcou a pior atuação de Hamilton no ano. Ele quando, no retorno do pit stop, bate em Räikkönen na saída do pit – muito bizarro.

Vem o GP da França e, em novo domínio, a Ferrari faz a dobradinha, com Räikkönen perdendo vitória certa por um problema no escapamento. Massa vence e assume também a liderança do Mundial. Hamilton, penalizado pelo acidente no Canadá, perde dez posições no grid e faz uma prova apagada, sem marcar pontos.

A redenção do piloto inglês vem na corrida na Inglaterra, debaixo de uma chuva tipicamente inglesa. Ele vence de forma soberba, enquanto a Ferrari naufraga, com seus dois pilotos numa errática estratégia de pneus. Foram erros que tiraram deles pontos preciosos. Massa, em especial, fez uma prova horrível, rodando várias vezes e terminando em último. Foi sua pior atuação do ano.

 

 

O campeonato estava em sua metade e a partir daí, os protagonistas se tornaram Massa e Hamilton.

Na Alemanha, nova vitória do inglês, que aproveitou as condições climáticas instáveis. Massa terminou em 3º, se redimindo do desastre na Inglaterra.

Na Hungria, novo domínio da Ferrari, com Massa soberbo em 67 das 70 voltas programadas. Aí, uma biela resolve estragar tudo, numa triste cena para os torcedores do brasileiro. Pelo menos, Hamilton estava num dia apagado, terminando em 5º.

A 12ª etapa é em Valência, Espanha, disputado como GP da Europa, num circuito de rua que parecia feito sob medida para o carro da Ferrari. Com isso, novo domínio de Massa, que venceu de forma categórica, tendo Hamilton aproveitado a quebra de Räikkönen para terminar em 2º.

A prova seguinte, na Bélgica, foi marcada por chuva. Räikkönen dominou boa parte da corrida, em disputa com Hamilton e Massa. Faltando duas voltas, porém, o finlandês roda e bate, depois de uma polêmica envolvendo ele e Hamilton na volta anterior. Hamilton vence na pista, mas é punido com 30 segundos e, assim, Massa é declarado vencedor enquanto Hamilton fica com o 3º posto.

A corrida em Monza mostrou o quanto o clima estava sendo um fator de peso em 2008. Choveu todo o final de semana e, aproveitando essas condições, vimos Sebastian Vettel com uma Toro Rosso vencer de forma categórica. Massa e Hamilton fizeram corridas discretas e terminaram em 6º e 7º.

As duas provas seguintes, em Cingapura e Japão tiveram vitória de Fernando Alonso. A prova de Cingapura, a primeira da F1 disputa à noite, foi marcada pela enorme trapalhada da Ferrari no pit stop de Massa e Räikkönen, que dominavam o GP. Massa terminou sem pontuar. Meses depois, estourou o escândalo que fiou conhecido como Cingapuragate: Nelson Piquet Jr., da Renault, bateu de forma deliberada para favorecer seu companheiro Alonso. Após essa revelação, ficou a impressão que Massa perdeu ali o título de 2008.

Vem o GP da China, com vitória de Hamilton com Massa em 2º. Resta, então, apenas a prova em Interlagos. Para se sagrar campeão, Massa precisa vencer e torcer para Hamilton terminar abaixo da 5ª posição.

Numa corrida marcada pela chuva, Massa domina com categoria o GP Brasil desde a largada, enquanto Hamilton faz uma prova cheia de altos e baixos.

Hamilton, ao abrir a última volta, está em 6º. Massa recebe a bandeirada e, durante uns 20 segundos, a torcida brasileira presente a Interlagos, eu incluso, comemora o título, sem perceber que, na Subida do Café, um Timo Glock lutando com pneus slicks gastos, era ultrapassado por Hamilton. Assim, a menos de 800 metros da chegada, o inglês consegue recuperar a posição mínima e vence o título de 2008.

 

 

Hamilton fez exatamente o que tinha que fazer na final brasileira, derrotando Massa por um único ponto.  Foi um excelente segundo ano do inglês, que se recuperou da amarga decepção do ano anterior e emergiu como um piloto mais forte e maduro, capaz de lidar com os altos e baixos de uma longa temporada.

Quanto a Massa, tendo se tornado um candidato a vitórias a partir de 2006, ele amadureceu ainda mais em 2008. O brasileiro terminou o ano com seis vitórias, sendo o maior vencedor da temporada, tendo como companheiro Räikkönen, que era o campeão vigente e muito competitivo. Massa obteve sucessos sólidos. Fazendo um balanço do todo em comparação com Hamilton, a temporada de Massa em 2008 merecia ter sido coroada com o título.

Em 70 anos de disputas, houve muitos confrontos no Mundial de F1, mas nada igualou o que testemunhamos nas últimas voltas no GP Brasil de 2008. Veremos algo parecido novamente?  A nossa torcida é que sim. Esperamos que um dia tenhamos sorte de ver outra disputa como essa.

Boa semana a todos

Mário Salustiano

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

6 Comments

  1. Leandro disse:

    Sendo honesto, qualquer um deles merecia. Hamilton vinha de um ótimo ano de estreia (2007) e Massa se mostrou um bom piloto em 2008. Olhando pelas corridas e resultados, pendo mais a pensar que Massa deveria levar o campeonato, suas corridas na Hungria e Cingapura eram ótimas até o abandono e problema nos boxes respectivamente.

    2008 foi um sopro de esperança não apenas pela chance de título nacional como por campeonatos com corridas mais disputadas.

  2. Fernando Marques disse:

    Mario,

    seu resumo de como foi a temporada de 2008 está perfeito … se caso o Hamilton não passasse o Glock naqueles ultimos 800 metros do GP do Brasil, o Massa teria sido um merecido campeão da Formula 1 … em 2008 ninguém mais que Hamilton e Massa mereciam o titulo … o ingles foi mais feliz .
    Agora penso eu que, apesar de erros e/ou falhas que acontecem em corridas, a própria Ferrari digamos assim foi a maior culpada pelo Massa não ter sido campeão … primeiro na Hungria após Massa perder uma corrida mais que ganha e certa por causa da quebra do motor … a segunda por causa daquele pit stop pessimamente mal sucedido em Singapura pois ao contrário certamente Massa teria ido ao menos subido ao podio, independentemente da falcatrua da Renault… esses pontos perdidos tiraram o campeonato do Massa que a meu ver fez uma temporada melhor que o Hamilton …

    Fernando Marques
    Niter´poi RJ

    • Mário disse:

      bem pensado Leandro, vale lembrar que 2008 foi o único campeonato desde 1991 que um brasileiro disputou com total liberdade e apoio por parte da equipe, existem muitos méritos nos vices do Barrichelo só que infelizmente ele tinha travas da equipe e não chegou de fato a disputar no mano a mano

  3. Ótimo artigo, como sempre Dom Mário. Parabéns.

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