A olimpíada de 1972 em Munique se apresentava, uma vez mais, como um cenário perfeito para que os países do bloco do leste e do mundo livre exibissem seu potencial em pleno auge da guerra fria. Na especialidade de atletismo, a prova dos 100 metros lisos sempre foi a que se espera com mais interesse e, nesta ocasião, o bloco socialista parecia ter a ocasião de conseguir a sua ansiada primeira vitória, e acabar com o domínio que vinham exercendo os atletas norte americanos, ainda que estes, uma vez mais, partiam como favoritos.
Em representação da União Soviética se apresentava o ucraniano Valeryi Borzov, popularmente conhecido como a “grande esperança branca”, pois parecia ser o único capaz de derrotar os representantes negros dos EUA, Eddy Hart e Rey Robinson, que haviam batido o recorde mundial nas series classificatórias nacionais prévias aos jogos, com um tempo de 9,9 segundos. A esperada prova teria lugar no dia primeiro de setembro e Valeryi Borzov seria quem acabaria com a medalha de ouro pendurada do pescoço. Deste modo, é Borzov quem figura nas tabelas de ganhadores daqueles jogos, contudo estas não nos apresentam o contexto em que os acontecimentos se desenvolveram.
Nas primeiras eliminatórias para determinar os atletas finalistas, tanto Borzov quanto Hart e Robinson, as superam sem problemas e se classificam para as seguintes. No entanto, quando se celebram as segundas eliminatórias, nem Hart nem Robinson se apresentam, sendo eliminados por sua não presença. Segundo se soube depois, o treinador da equipe americana, Stan Wright, estava usando um programa de horários das eliminatórias antigo, onde constava que as suas começariam às 17:30 horas, assim, com tempo de sobra, Wright, Hart, Robinson e Taylor (o terceiro velocista da equipe) haviam ido aos estúdios que a televisão ABC tinha perto da vila olímpica, na crença de que tinham tempo de sobra para uma entrevista antes de disputar as eliminatórias.
Ao ver nos monitores que suas eliminatórias estavam prestes a começar, todos se dirigem ao estádio a toda pressa, mas apenas Taylor chegaria a tempo de disputar a sua. Assim, essa circunstância da eliminação de Hart e de Robinson, acabou propiciando as condições mais favoráveis possíveis para uma vitória de Borzov. Nesse contexto, Borzov não teve rival.
Nos campeonatos da formula um tampouco foi raro que se apresentassem condições e circunstâncias que resultaram mais favoráveis para uns pilotos do que para outros na hora da vitória final. Sendo assim, tratei de ver um jeito de estabelecer quais haviam sido os campeões cujos títulos lhes haviam sido mais propícios, em virtude das diferentes condições e circunstâncias favoráveis sob as quais haviam competido.
Deste modo, me concentrei nos campeões com mais de três títulos e em base a cinco quesitos que, ao meu entender, definem bem o contexto das temporadas em que todos eles foram campeões. Estes são os quesitos que escolhi para analisar tal contexto em que os multi campeões conquistaram seus títulos e, ainda que, possivelmente, algum outro poderia ter sido levado em conta, creio que estes são bastante significativos e suficientes:
Antes de apresentar os resultados desta análise, devo dizer que Juan Manuel Fangio não esta nesta lista de multi campeões. Seus títulos foram conseguidos numa época em que o campeonato de construtores ainda não se havia instaurado e quando era frequente a presença de vários pilotos na mesma equipe, sendo que alguns apenas competiam de forma ocasional, assim como outros de forma esporádica. Também havia pilotos privados que alugavam ou compravam carros de alguma equipe.
Houve até casos em que o piloto mudou de equipe durante a temporada, como o próprio Fangio que, em 1954, começou o campeonato com Maserati para terminar com Mercedes. Assim, resulta impossível determinar qual carro era o melhor e se algum piloto desfrutava ou não de primazia na equipe. Portanto, preferi deixar Fangio fora para não incorrer em algum erro de apreciação e distorcer os resultados finais da análise. Como veremos, os resultados se apresentam sempre de maneira proporcional e em forma de percentagens em base às temporadas de seus títulos e das vitórias conseguidas nesses anos.
Em ordem cronológica, nossos primeiros multi campeões foram Jack Brabham, Jackie Stewart e Niki Lauda, todos com três títulos cada um, e o gráfico adjunto nos mostra suas percentagens nos diferentes quesitos:
O australiano, seria o campeão em 1959, 1960 e 1966, disputando 26 GPs e conseguindo 11 vitórias. Em todas essas temporadas, Brabham teve o melhor carro ainda que nunca desfrutasse de primazia na equipe, deixando as percentagens destes quesitos em 100% e 0% respectivamente. De fato, primazia é algo que ele nem quis quando competia com sua própria equipe e disputava o campeonato de 1967 com seu próprio companheiro Denny Hulme.
Então, teria sido muito fácil para Brabham impor sua jerarquia e condição de dono da equipe, mas ele deixou que fosse a pista a que determinasse quem seria o campeão, numa atitude que lhe honrou. No que se refere às vitórias sobre um piloto que não fosse o rival pelo titulo, Jack a conseguiu em seis de suas 11 vitórias (55%). Nessas temporadas, não houve disputas nas equipes rivais e a ajuda que lhe prestou seu companheiro foi insignificante, pois em apenas uma ocasião das 26 provas disputadas, este acabou à frente do rival (4%).
Jackie Stewart é nosso seguinte piloto, com títulos conseguidos nas temporadas de 1969, 1971 e 1973. Ao todo, o escocês disputaria 36 GPs, vencendo em 17 deles. Alem de desfrutar sempre de um tratamento preferencial, Stewart teve nas mãos o melhor carro em duas dessas temporadas (66%) pois, em 1973 o titulo de construtores seria para a Lotus. Contudo o escocês se beneficiou da disputa interna que mantiveram esse ano Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson, ainda que, mais do que uma disputa, até poderíamos dizer que o que houve foi uma má administração de Chapman de seus recursos. Também destaca Stewart em que doze de suas vitórias foram sobre um piloto que não era seu rival pelo titulo (71%). Enquanto à ajuda do companheiro, esta não teve influencia no resultado dos campeonatos, ainda que chegasse a ser de 17%.
Por último temos a Niki Lauda, cujos títulos vieram em 1975, 1977 e 1984. O austríaco, com 45 GPs disputados naquelas temporadas, teria o melhor carro em todas elas, ainda que a disputa interna que manteve pelo titulo com Alain Prost em 1984, anularia essa vantagem, deixando este percentagem em 66%. Enquanto à primazia, Lauda desfrutou dela apenas em 1975, pois em 1977, havia perdido o favor do comendador e aquela era sua última temporada na Ferrari, ficando a percentagem neste quesito em 33%.
Lauda não se beneficiou de nenhuma disputa nas equipes do rival e a ajuda que recebeu do companheiro foi escassa (apenas um 4%) e sem incidência no resultado do campeonato. No entanto, de suas 13 vitórias, oito foram sobre pilotos que não eram rivais pelo titulo, o que deixa uma percentagem de 69%.
Na próxima coluna, falaremos dos outros campeões com três ou mais títulos: Nelson Piquet, Alain Prost, Ayrton Senna, Schumacher Vettel e Hamilton.
3 Comments
Your article helped me a lot, is there any more related content? Thanks!
Belo tema,
que pode também mostrar de forma comparativa como funcionava a Formula 1 nos ano 60, 70, 80 até os dais de hoje
Fernando Marques
Niterói RJ
Grande Tema, Manuel!
No caso, de abrirmos uma exceção, eu acrescentaria Hakkinen e Alonso, que mesmo com dois títulos cada um, desfrutavam do bom e do melhor dentro de suas equipes.
Até a próxima parte.
Grande abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR