Azares, trapaças e uma sensação estranha – parte II

Azares, trapaças e uma sensação estranha
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Nas primeiras seis etapas do Mundial de 2008, Felipe Massa não conseguiu assumir a ponta do Campeonato por conta de seus próprios erros: o piloto jogou pela janela um segundo lugar na Malásia, enquanto que na Austrália e em Mônaco pode atribuir a perda de pontos a outros fatores — porém, nos DOIS casos Massa cometeu falhas bastante importantes.

Nesse sentido, é possível afirmar que os 4 pontos que o separavam do líder Kimi Räikkönen poderiam tranquilamente representar 4 (ou mais!) pontos a seu favor. Kimi e Hamilton, por outro lado, sofreram com falhas de equipamento/erros de equipe mais claros, perdendo pontos importantes embora não estando em posição de vitória quando das mesmas. Também cometeram erros, mas não lutando pela ponta, também.

[É importante frisar essas passagens quando formos fazer um balanço geral daquele Campeonato, seja nesta coluna ou em qualquer discussão que você, leitor, venha a ter futuramente sobre a trajetória de Felipe na Fórmula 1.]

A Fórmula 1 chega ao GP do Canadá, pista onde um ano antes Lewis Hamilton havia vencido pela primeira vez, e onde Robert Kubica sofreu um acidente absolutamente terrível. E seriam justamente os dois (o inglês na ponta, o polonês em segundo) a formar a primeira fila. Kimi, logo atrás, vinha na terceira posição. Massa surgia numa distante sexta colocação, com um tempo quase 1,2 segundo (!) acima da pole.

No início da corrida, as posições se mantêm todas. Após a quebra de Adrian Sutil, o Safety Car é acionado, e aí surge a grande reviravolta no quadro da corrida e do campeonato: muitos pilotos vão aos boxes, e Felipe Massa parece azarado: em uma falha de comunicação (erro primário dos italianos), o brasileiro vai fazer sua parada junto com Kimi; obviamente, ele não poderia realizar sua troca corretamente, precisando retornar aos boxes na volta seguinte.

Mas o azar se revela sorte: Hamilton e Kimi fazem suas trocas sem problemas e se dirigem à saída dos boxes. O sinal estava vermelho e era preciso esperar. Lewis comete um erro bizarro, acertando o finlandês por trás. Os dois abandonam.

Massa cai para último após sua segunda passagem pelos boxes, mas protagoniza uma boa corrida de recuperação — ótima ultrapassagem sobre Rubinho e Kovalainen — e termina no quinto lugar.

Não fosse o erro da equipe, poderia chegar ao pódio, mas onde poderia terminar Räikkönen?

A Fórmula 1 viaja da colônia para os colonizadores. No GP da França, Massa mais uma vez fica atrás de Kimi nos treinos: dessa vez, formaria a primeira fila ao lado do finlandês. Um ano antes, Kimi havia vencido em Magny-Cours com Felipe na segunda colocação. Tudo indicava que o resultado se manteria igual.

A ordem se mantinha e a Ferrari dominava. Até a 30ª volta, a vantagem de Kimi vinha na casa dos 6 segundos, mas de repente começa a desaparecer. Na volta 34, Räikkönen lidera com 3.2s de vantagem; na volta 36, 2.2s; na 37, 1.7s; na 39ª, Massa passa Räikkönen, e no giro seguinte já abre 3.8s.

O finlandês teve o escapamento arrebentado (!), perdendo em torno de 40 cavalos de potência.

O brasileiro não voltaria a ser ameaçado em nenhum momento, obtendo uma vitória tranquila. Räikkönen por alguns momentos teve sua segunda colocação sob risco, quando Jarno Trulli girava mais rápido (em dado momento o italiano tirava quase 1s por volta). Com a chuva fina tudo se normalizou. Massa era líder do mundial pela primeira (e única) vez no ano, o primeiro brasileiro a liderar desde Maio de 1993.

O outro personagem da nossa coluna, Hamilton, teve um dia de cão: tendo marcado o terceiro tempo nos treinos, o britânico largou apenas em 13º, punido com dez posições pelo incidente no Canadá. Terminou a corrida fora dos pontos, depois de muitas tentativas de avançar.

Aliás, punido antes da prova, punido durante ela: Hamilton teve de cumprir um drive through por ter “levado vantagem” sobre Vettel. Segundo os comissários, Hamilton cortou a chicane para ficar à frente do alemão.

Punição BASTANTE questionável, uma vez que Hamilton já havia ganhado a posição de seu futuro grande rival. Muito mais que qualquer ganho, Lewis conseguiu evitar perder toda a corrida.

Da França para a Inglaterra. Lá, Massa teria sua performance mais constrangedora do ano, trazendo à memória sua performance naquela mesma pista seis anos antes, quando ficou decidido que não seria piloto titular da Sauber no ano seguinte.

Na sexta-feira, Massa teve um acidente; no sábado, problemas na classificação contribuíram para que o piloto conseguisse apenas o nono tempo no grid — Kimi foi terceiro e Hamilton quarto. E no domingo, uma corrida para esquecer.

Com chuva, Massa rodou já na primeira volta, e tornaria a fazê-lo pelo menos mais quatro vezes. O piloto conseguiu terminar a prova (foi o último dos que completariam a corrida), duas voltas atrás do vencedor, seu rival Lewis Hamilton, que teve uma de suas grandes corridas na carreira até hoje.

Mas Massa levou sorte novamente, pois seu companheiro de equipe ficou fora do pódio: a equipe manteve o jogo de pneus de Kimi Räikkönen no primeiro pitstop, mas se viu obrigada a fazer mais uma parada com a chuva aumentando e os tempos do finlandês caindo dramaticamente.

No final, os três estavam triplamente empatados na liderança com 48 pontos cada um, mas Lewis era primeiro nos critérios de desempate.

A Fórmula 1 viaja para a Alemanha, e na terra da Mercedes Hamilton trata de dominar de forma inquestionável: o britânico marcou o melhor tempo nos testes coletivos, repetiu o feito nos treinos livres e por fim anotaria a pole-position. Felipe Massa conseguiria ”marcar” o rival, completando a primeira fila.

Mas o domínio de Hamilton seguiu. Ele partiu na ponta e lá seguiu tranquilamente. Foi o primeiro a fazer pitstop, três voltas antes de Massa, que assumiu a liderança provisoriamente. Feitas as paradas, a ordem se mantinha, até que veio o acidente de Timo Glock.

Com a maioria dos pilotos fazendo suas paradas nos boxes, Felipe Massa aparece em quarto, atrás do surpreendente terceiro colocado, Nelsinho Piquet — e aqui estaria implantada a ideia dos acontecimentos de Singapura, setenta dias depois.

Porém, é aí que a história da corrida quase muda por completo, e todo o trabalho de Hamilton quase vai pelo ralo.

A McLaren decide mantê-lo na pista, pois seu desempenho estava muito bom e os pneus correspondiam. A partir da volta 46, no entanto, Lewis começa a girar tempos mais baixos que seus adversários, permitindo boa aproximação de Heidfeld. É hora de ir aos boxes. Hamilton faz uma parada perfeita, mas volta na quinta posição, faltando apenas 16 voltas.

O inglês ultrapassa seu companheiro de equipe, Heikki Kovalainen, que obviamente facilitou a manobra. Em seguida, Heidfeld, que estava na liderança, vai aos boxes.

Sobram dois adversários para Lewis, os dois brasileiros: superaria ambos na pista, em manobras bastante arrojadas.

Destaque principalmente para sua ultrapassagem sobre Felipe e a posterior defesa de posição (clique aqui para rever em vários lances).

Hamilton superou Nelsinho na volta 60 e conseguiria abrir boa vantagem ao final: terminou mais de 5 segundos à frente. Massa não superou o compatriota e ainda viu a aproximação perigosa de Heidfeld (terminou menos de meio segundo à sua frente, Nick tendo marcado a volta mais rápida do dia).

Räikkönen não teve um bom dia, terminando em sexto, mesma posição de largada, mas foi levemente prejudicado pela Ferrari: nas paradas nos boxes durante o Safety Car, Kimi entrou junto com Felipe, tendo de esperar o brasileiro.

Agora o campeonato tinha Hamilton líder com 58 pontos, 4 a mais que Massa, e Felipe 3 de vantagem para Kimi. Ainda que próximo do líder e com vantagem “em casa”, Massa novamente se via por baixo em termos de performance, tendo sido inapelavelmente batido por Hamilton nas últimas duas corridas.

Como dito de início, esse é o grande mérito de Massa ao longo de sua carreira: em momentos quando é mais questionado, Felipe consegue dar respostas na pista: e na Hungria ele realizaria sua melhor corrida na Fórmula 1.

“O azar”

Já escrevi (aqui) sobre aquelas que foram as maiores injustiças da história da Fórmula 1: entre pneus estourados e títulos perdidos, elenquei duas corridas na Hungria como os maiores azares de pilotos em todos os tempos: Damon Hill, em 1997, e Felipe Massa, em 2008.

Nos treinos, Massa conseguiu a terceira colocação enquanto Hamilton foi pole. Tudo ia indicando que o britânico começaria a ampliar sua liderança no mundial, dadas as características da pista de Hungaroring — pista bastante travada, assemelhando-se a pistas de rua — e o breve mas bem sucedido histórico de Hamilton na pista (pole e vitória um ano antes), em contraponto aos até então desempenhos limitados de Massa (nenhum pódio e desempenhos bastante ruins nos dois anos anteriores).

Mas a largada mudou tudo: Massa emulou Piquet em 1986 e ultrapassou Hamilton por fora, retardando a freada ao máximo.

Uma vez líder, Massa jamais seria ameaçado, só perdendo a ponta brevemente quando foi aos boxes. Comandava a corrida com autoridade, e só não ficou com a volta mais rápida do dia porque seu companheiro de equipe conseguiu o melhor giro na reta final da prova.

Massa completa a volta 67, faltam apenas três giros para o fim. E aí acontece: o motor Ferrari abre o bico, como aconteceu com ambos os ferraristas na Austrália, mas agora a situação era diferente.

Menos mal para Felipe porque Hamilton, que vinha em segundo, também teve um grande azar: o pneu do britânico furou, e ele caiu para o meio do pelotão, tendo de ir aos boxes às pressas. Conseguiu chegar à sexta colocação, e depois do abandono de Massa acabou em quinto. Assim, somou 4 pontos dos 8 que teria; Massa ficou somente com o 0 dos 10. Kimi, que não tinha nada a ver com isso, subiu ao pódio num silencioso terceiro lugar, também passando Massa na classificação.

Agora, no campeonato, Lewis tinha 62, Kimi 57 e Felipe 54: da forma errada e na hora errada, a classificação parecia estar mais adequada à realidade daquele mundial.

Na próxima coluna, a reta final e a decisão do Mundial.

Abraços!

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

2 Comments

  1. Geraldo Flávio Chaves disse:

    Massa sempre culpa os incidentes de Cingapura, como os culpados pela perca do título mundial de 2.008. Mas ele se esquece do monte de cagadas que ele fez durante o ano! A conclusão que chego hoje é a seguinte: Massa como Barrichello foi um bom piloto. Mas não tinha o talento necessário para ser campeão mundial!

  2. Fernando marques disse:

    Marcel,

    Eu penso que o azar do massa na Hungria somado a barbeiragem da equipe fez com ele em Singapura foram cruciais para não permitir que ele fosse campeão em 2008.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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