A velha Damasco era um importante centro comercial no oriente, aonde acudiam ricos comerciantes em busca dos mais variados produtos trazidos pelas caravanas vindas de todas partes. Em certa ocasião, Ahmed, um desses comerciantes que havia chegado à noite na cidade, vai a uma uma pousada em busca de um quarto. Aquela era a última pousada à que se dirigia pois as outras já estavam lotadas.
Ao chegar lá, outro homem acabava de ocupar o último quarto disponível, porem, este, amavelmente lhe oferece compartilhar o quarto, que dispunha de duas camas. Cansado de sua longa viagem e sem alternativa, nosso comerciante aceita a proposta, ainda que, apesar da amabilidade daquele homem, Ahmed percebe algo suspeitoso nele. Os homens se dirigem ao quarto, deixam sua bagagem e penduram suas casacas e roupas no cabide, dispondo-se a dormir.
Ahmed, muito cansado, logo cai num profundo sono. O outro hospede realmente era um ladrão, que aproveitava o mercado para roubar as bolsas de dinheiro dos comerciantes. Assim, aproveitando a ocasião, o sujeito se dedica a registrar a bagagem de Ahmed e suas roupas em busca da prezada bolsa. Porem, por muito que a buscou… não a encontrou ! Decepcionado, também acaba dormindo.
Pela manhã, Ahmed, paga sua conta e se dispõe a sair. O ladrão, ao ver a bolsa cheia de moedas de ouro, intrigado, lhe confessa sua condição e lhe pergunta onde havia escondido aquela grande bolsa. Ahmed, com um sorriso lhe responde: “Quando pendurávamos nossas roupas no cabide, eu coloquei a bolsa em sua casaca pois sabia que ali você não a procuraria!”.
No fim de 1982 e de maneira inesperada, Jean Marie Ballestre, presidente da FIA, anuncia a imposição de um fundo plano nos carros para 1983. Desta maneira, Ballestre, que mantinha dura pugna com Ecclestone e as equipes inglesas, pretendia privá-las do benefício do efeito solo que tao bem vinham desenvolvendo e, assim, favorecer as grandes montadoras Renault e Ferrari. Na Brabham, Bernie lhe havia dito a Murray que Ballestre não se atreveria a tal medida, mas… se enganou!
Para desespero de Murray, todo o trabalho que haviam feito no carro para 1983, o BT51, subitamente, ficava obsoleto. Com a experiência nos reabastecimentos obtida durante 1982, o BT51 havia sido desenhado, e já estava sendo construído, em torno a essa estratégia. Assim, para permitir uma rápida operação de reabastecimento e troca de pneus, uma nova tomada para a mangueira de combustível, assim como engates e parafusos para as rodas haviam sido desenhados.
Porém, com a imposição do fundo plano, segundo Murray, o centro de gravidade e de pressão do carro mudavam completamente e o enorme torque do motor turbo não se converteria em tração. Apesar de que faltavam apenas três meses para o inicio da temporada, Murray toma a drástica decisão de descartar o BT51 e se dedica à improba tarefa de desenhar um novo modelo: o BT52.
Como no BT51, seu depósito de combustível seria pequeno e ajustado à estratégia dos reabastecimentos (não era necessário um depósito com combustível para toda a corrida ), e o resto de itens desenvolvidos para essa estratégia, também estavam presentes neste modelo. No entanto, o mais significativo era sua peculiar forma. Para conseguir a máxima tração, Murray deslocou todo o peso possível para a zona do eixo traseiro, conseguindo, assim, que 70% do peso total do carro estivesse sobre as rodas motrizes, deixando apenas 30% na frente.
Essa foi uma decisão bastante radical, pois o habitual era uma distribuição de peso de 60 / 40. O carro ficaria pronto apenas alguns dias antes do GP do Brasil, o primeiro da temporada, e só haviam podido dar algumas voltas de prova em Brands-Hatch. Porém, o pessoal da Brabham era famoso por sua profissionalidade e habilidades ( recordemos que a Brahbam, no fim dos anos 60 e princípios dos 70s era a maior fabricante de carros de corrida do mundo) e o trabalho feito no BT52 dava boa prova disso.
Quando o carro se apresenta em Jacarepaguá, logo chama a atenção de todos por sua esbelta forma de flecha e atenção aos detalhes, ainda que Bernie não gostava das protuberâncias sobre a suspensão dianteira. Com o pouco tempo que tiveram para construir o carro, essas protuberâncias eram necessárias para cobrir os amortecedores da pioneira suspensão Push-Rod que Murray havia introduzido no carro.
O chassi original estava construído sobre uma robusta plataforma base de alumínio, ou subchassi, complementado com uma parte superior de fibra de carbono. O BT52 também era o único carro que equipava freios de carbono, o que poupavam uns 12 Kg respeito aos de aço. Assim, além de simples, o BT52 era o mais ligeiro de todos pois seu peso declarado de 540 Kg. estava justo no mínimo que exigia o regulamento para os carros turbo. Contudo, e por muito que o carro impressionasse a todos, Murray ainda estava mais impressionado com os outros carros. Murray lhe havia dito a Bernie que não se devia surpreender se as outras equipes apresentavam carros similares ao BT52.
No entanto e para surpresa de Murray, as outras equipes se haviam limitado a adaptar seus carros de 1982 à nova norma do fundo plano. Renault havia estado trabalhando em melhorar a fiabilidade do seu motor sem se preocupar do chassi, enquanto que Ferrari começava a temporada com seu 126C2 com um fundo plano. As outras equipes, também haviam adaptado seus carros de 1982 ao novo regulamento. Assim, o BT52 era realmente o único carro desenhado especificamente de acordo à nova norma e com um depósito de combustível pequeno.
Segundo diria Murray: ” O carro pode ser muito bom… ou muito ruim, não sabemos!” Logo comprovaríamos isso durante aquele GP do Brasil. O carro foi desenhado para a estratégia dos reabastecimentos, pois Murray havia calculado que, se podiam conseguir uma vantagem de 26 segundos antes do pit stop, a vitória não se lhes podia escapar. Nelson Piquet, com seu BT52, partia da 4ª posiçao do grid, tendo à sua frente a Rosberg ( Williams) Prost (Renault) e Tambay (Ferrari). Na largada, Rosberg assume a liderança, seguido por Prost e Piquet.
Na primeira volta, Rosberg já tinha 2,5″ de vantagem sobre Prost, mas Piquet não estava disposto a permitir que o Finlandês se escapasse e logo na segunda volta deixa a Prost para atrás, superando o Williams na volta 7, com um ritmo que ninguém podia seguir. Na volta 28, a 12″ de Piquet, Rosberg entra no box para reabastecer e trocar pneus. A Williams éra a única equipe, além da Brabham, que havia previsto essa estrategia.
Porém, sem a experiência de seus colegas da equipe de Bernie, a manobra resulta desastrosa e, inclusive, com um contato de incêndio no carro, Rosberg tem de ser empurrado por seus mecânicos para sair do pit, regressando à pista na 9ª posição (depois seria desclassificado por aquele empurrão). Para então, Piquet já liderava com 35″ de vantagem, o que lhe permite reabastecer e trocar os pneus na volta 40 sem perder tão privilegiada posição até o fim. Agora todos já sabiam que o BT52… era um bom carro!
http://www.youtube.com/watch?v=ROyzeYFsk-A
Vendo o excelente resultado da Brabham, logo depois do GP em Long Beach (ali a saída do pit lane era tão complicada que ninguém, nem a Brabham, havia planificado recorrer às paradas no box), todas as equipes adotam a estratégia dos pit stop e tudo fica mais nivelado. Nesse GP teríamos a surpreendente vitória de Watson, que havia partido desde a 22ª posição! Piquet, abandonaria.
Nas seguintes 6 corridas, Piquet se retira em outras duas ocasiões mas consegue ser segundo na França e em Mônaco, e 4º na Bélgica e Detroit. Neste último GP, teve a vitória ao seu alcance até que um pneu furado, a apenas nove voltas da bandeirada, o impediu. Para Prost, as coisas foram um pouco melhores e saia de Detroit com 3 pontos mais do que Piquet na classificação pelo campeonato, 4 mais do que Tambay, 7 mais do que Rosberg e 14 mais do que Arnoux. O Renault RE40 de Prost parecia estar em plena forma.
Porém, algo parecia intrigar o pessoal da Renault: em todas as corridas, Piquet era o último em entrar nos boxes para reabastecer e trocar pneus. Logicamente, isso só podia ser feito se o carro partisse com mais combustível do que os seus rivais. Porém, carregar mais combustível representa um peso extra que penaliza os tempos por volta. Se você parte com 20 Kg a mais de combustível, isso custa uns 0,6 segundos por volta, o que representa uma perda de 18″ em 30 voltas. Contudo isso não parecia afetar o BT52, que se mantinha no ritmo dos outros. Inclusive, era durante essas voltas extras respeito aos outros que Piquet abria a maior vantagem.
Alguns anos depois, quando perguntado ao respeito, Charlie Whiting, dubitativo e lacônico diria : “Tudo o que posso dizer é que… bom… nós sempre procurávamos que o carro pesasse o menos possível.”
Essa história termina na próxima segunda-feira.
2 Comments
Estratégias e segredos eram as maiores especialidade da dupla Murray/Piquet
Em 1983 só pude estar presente em Jacarepaguá nos treinos que definia o grid de largada. Mas valeu a pena.
Fernando Marques
Niterói
Grande Manuel!!!
Sou suspeito em falar quando o assunto são os anos 80.
Hoje vamos ver o desfecho desta incrível história.
Abraço!!
Mauro Santana
Curitiba PR