Entrevista com Stefan Johansson – parte 1

Engenheiros que moldaram a F1 – parte 4
04/11/2025
E Interlagos entregou (coluna + YouTube)
12/11/2025

No dia 27 de setembro, Lucas Giavoni, João Carlos Viana e eu tivemos o enorme privilégio de realizarmos uma longa entrevista exclusiva com o sueco Stefan Johansson, para o canal do GPtotal no YouTube.

O vídeo – mais de duas horas e vinte minutos cobrindo 50 anos de história – contou com as ilustres participações de Raul Boesel, Roberto Pupo Moreno e Maurizio Sandro Sala, compondo um material verdadeiramente imperdível, que pode ser apreciado com legendas em português e em inglês, e que poderá ser acessado diretamente ao fim desta coluna. Ainda assim, aos que preferem simplesmente ler, ou como espécie de aperitivo aos que desejarem ver todo o material, reproduzo abaixo alguma das perguntas e respostas que integram a conversa.

GPto: Você teve a oportunidade de conhecer o Ronnie Peterson ou o Gunnar Nilsson naquela época?

Stefan Johansson: Sim, sim, eu os conheci. O Gunnar… obviamente, eu conheci o Gunnar, e ele tentava me ajudar um pouco, sabe? O Ronnie também, mas, na verdade, no último ano de vida do Ronnie [1978], eu aluguei a garagem dele. Ele transformou a garagem onde morava, em Maidenhead, nos arredores de Londres, num pequeno apartamento de um quarto, então eu alugava aquilo do Ronnie na época, então, sabe, a gente não chegou a ficar tão próximo porque ele estava sempre viajando, eu também estava fora, mas claro, por estar na mesma propriedade, eu encontrava com ele de vez em quando, e ele era ele era um herói enorme para mim naquela época, sabe? Eu quase tinha medo de conhecê-lo, porque ele era um grande herói. Mas, tristemente, teve o acidente dele em 78, que foi no mesmo ano em que comecei a alugar aquele quarto dele, na garagem

GPto: 1980 foi um ano muito especial, porque você venceu o campeonato inglês de Fórmula 3 com o Ron Dennis, com a Project 4, mas logo no começo do ano você já estava na Fórmula 1 com a Shadow. Antes d aquela campanha vitoriosa em 1980 você já estava na Fórmula 1 com a Shadow e você veio aqui para a América do Sul, você veio para a Argentina e teve a oportunidade de guiar um Fórmula 1 no antigo Interlagos. Nós precisamos ouvir isso de você. Como é que esse convite chegou até você, e o que você achou sobre o carro da Shadow e também do antigo Interlagos?

SJ: Sim, bem, foi uma circunstância meio maluca sabe? Eu não tinha… Fórmula 1 nunca esteve nos meus planos para 1980, foi literalmente um amigo meu, um cara que vinha me ajudando bastante ao longo da carreira… ele me levou para visitar a Shadow só para dar um “olá”, meio que uma apresentação mesmo, um cumprimento com o Bert Baldwin, que era o chefe de equipe na época. E foi isso, sabe? Fomos lá, acho que em dezembro, talvez novembro, em algum momento do ano anterior, tipo um mês antes do primeiro Grande Prêmio ou algo assim e… só para dar um “olá”, tomar um café sabe, e “papo vai, papo vem”, e aí, tipo uma semana antes do Grande Prêmio da Argentina eles me ligaram e perguntaram se eu queria correr, fazer a corrida por eles. E eu… “claro, por que não?” Então eu voei direto para a Argentina, para Buenos Aires. Cheguei literalmente na quarta-feira antes do Grande Prêmio, fiz o banco no pit lane e… eu nunca tinha dado uma volta sequer num carro de F1. E, sabe, o carro não era o melhor do mundo, quero dizer… era meio complicado de guiar, então eu passava mais tempo olhando nos retrovisores, porque todos os meus heróis estavam lá. Quer dizer, foi completamente louco, de verdade. Mas, bem, era um assento na F1 de graça, então não dava para recusar aquilo. Então eu fiz as duas corridas, mas obviamente a equipe naquela época estava literalmente à beira de acabar. Eu parei depois do Grande Prêmio do Brasil, porque aí o Ron me ofereceu a chance de guiar o carro de Fórmula 3, e eu achei que era uma opção melhor do que tentar seguir em frente com uma equipe que parecia que ia fechar a qualquer minuto. E de fato eles fizeram mais uma corrida e depois saíram do negócio. Então…

GPto: Mas e quanto às pistas? A pista da Argentina e a pista de Interlagos, qual foi a sua impressão?

SJ: Bem, Interlagos em particular era… sabe aquela curva à esquerda depois dos boxes, que agora eles fizeram a chicane descendo a colina ali? Naquela época era uma longa curva à esquerda que deslizava, castigava, e eram carros de efeito solo também. Mas aquela Shadow… eu lembro claramente, porque era de pé cravado mesmo naquele carro, mas o carro flexionava tanto que no meio da curva a direção simplesmente travava, você não conseguia mexer o volante, então se você não acertasse o raio na entrada sabe, você ia seguir na mesma trajetória e no mesmo raio com o mesmo ângulo com a direção travada. Você quase tinha que frear para corrigir o carro de novo, então foi um verdadeiro pesadelo. E aí o tanto de aderência, eu me lembro, sabe, a cabeça, os olhos eram empurrados para fora, sabe, você nem conseguia ver a parte de dentro da curva, os olhos eram jogados assim para o lado direito desse jeito. Era, quero dizer, aqueles carros eram insanos, era realmente o limite físico do que o corpo aguentava, era assim que você determinava a velocidade de curva, era impressionante

GPto: Você, nos seus últimos dias na Fórmula 1, ou talvez na CART, chegou a guiar algum carro com tanta carga aerodinâmica quanto aqueles carros de 1980?

SJ: Não, não, nada nem perto disso. Porque depois a ênfase mudou, a aderência aerodinâmica depois disso foi significativamente menor. Tipo, na era turbo era realmente tudo sobre os motores, porque os motores eram tão potentes, mas os carros… era muito mais aderência mecânica do que aero, os pneus eram bem cruciais naquela época, mas… a aerodinâmica não era tão importante.

GPto: Stefan, e quanto às suas primeiras impressões dos carros do Grupo C e do circuito de Le Mans, em particular com a Mulsanne, a reta inteira da Mulsanne sem chicanes?

SJ: Foi imponente, claro. Quero dizer, acho que Le Mans, até hoje, é uma das pistas mais impressionantes do mundo. E a história do lugar, sabe? E o fato de ser tão assustadora a torna incrivelmente especial. Mas no primeiro ano em que corri lá não havia chicanes e foi bem imponente, tenho que dizer. Quero dizer, sabe, você descer aquela reta e passar, sei lá, mais de um minuto só na reta… você fica ali esperando alguma coisa quebrar no carro, sabe? E o carro fica “passeando” porque é muito… a superfície, mesmo hoje, é muito estranha porque tem uma “coroa” no meio, então o carro está sempre andando, atravessando. Nunca, mesmo sendo reta, você simplesmente não fica lá segurando o volante, você está sempre “caçando” o carro, sabe? E é muito sensível, qualquer ondinha, pedrinhas, qualquer coisa, sabe? O carro fica se mexendo para todo lado, então te deixa tenso quando você está a quase 400 quilômetros por hora, porque obviamente se alguma coisa dá errado… você vira passageiro antes mesmo de entender o que aconteceu. E, sabe, em alguns anos choveu por 24 horas e com neblina à noite, e eles continuavam, eles nunca davam bandeira vermelha na corrida naquela época sabe, ela só seguia. Quer dizer, às vezes você não conseguia ver 20 metros à sua frente, era bem louco.

GPto: O que você achava da pista de Jacarepaguá, que infelizmente não existe mais, e do clima do Rio?

SJ: Olha, toda a experiência foi fantástica. Eu amo o Rio, sabe? Digo, é uma cidade tão bonita, é incrível, a energia de lá é elétrica o tempo todo, e a pista também era uma das minhas favoritas. Era tipo, só puro prazer de guiar, quando você pegava o ritmo era simplesmente fantástico, tinha de tudo, era uma pista legal, fluida, muito boa.

GPto: Como surgiu o convite para que você pilotasse pela Ferrari?

SJ: Eu vinha em contato com a Ferrari antes, sabe, anteriormente, porque eles meio que checavam de tempos em tempos sabe, e então falamos sobre talvez fazer um teste ou algo assim mais adiante no ano. Isso foi, sabe, quando tudo estava em aberto com a Toleman [que estava sem pneus para disputar o início da temporada de 1985] e tudo mais. E aí recebi um telefonema literalmente do nada, do Marco Piccinini, cerca de uma semana ou talvez, sete, oito dias antes do GP de Portugal que era a corrida seguinte após o Rio. E ele disse: “ah… estou em Londres…”, porque eu morava em Londres na época, “você está na cidade? Você tem tempo pra nos encontrarmos?” E eu disse: “sim, sim, estou aqui mesmo”. E ele respondeu: “estou no Hotel Savoy, então por que você não vem aqui esta tarde e a gente conversa?” Então eu fui ao Savoy, tomamos um café e ele disse: “bem, gostaríamos de te oferecer o volante pelo resto do ano.” “O quê!?” Sabe, literalmente do nada, eu não fazia ideia de que que algo assim fosse acontecer, claro. Então eu disse: “adoraria aproveitar a oportunidade, mas eu tenho contrato com a Toleman, e preciso garantir que posso me liberar com eles primeiro.” Então entrei em contato com o Alex Hawkridge, o chefe da Toleman, expliquei a situação para ele, e ele muito gentilmente, claro, me liberou do contrato com eles, acho que na segunda-feira antes de Portugal. E então, resumindo a coisa toda, nós meio que acertamos de forma informal os termos e tudo, então eu voei, top secret, sabe, para Modena no dia seguinte, na terça, e nos encontramos na antiga fábrica em Modena, que está mais ou menos adormecida hoje, não tem nada lá, mas o escritório do “Velho” ainda estava lá, havia alguns carros antigos cobertos por lençóis, e o Pierpaolo Gardella, que era meio que um gerente júnior da equipe, me buscou no aeroporto de Bolonha e me levou a Modena. Não para a fábrica em Maranello, porque eles não queriam que ninguém nos visse lá. Sabe, e o “Velho” [Enzo Ferrari] está no escritório dele, e o Piccinini lá, Piero Ferrari… e era tipo cinco da tarde, algo assim, porque o sol já começava a se pôr, e isso é muito “típico Ferrari” sabe? Nada muito combinado, é só como as coisas acontecem lá. Então estou andando por esse corredor com nenhuma luz acesa em lugar nenhum e aquele pôr do sol, a iluminação parecia um filme do Fellini sabe? Com todas as fotos, Stirling Moss, Fangio, Nuvolari, todos os grandes heróis… digo, fiquei arrepiado caminhando naquele corredor, sabe? A sala do Enzo Ferrari, sabe? Ele sentado lá no fundo, ainda sem luz alguma, tudo que você vê é a silhueta dele, e é tudo surreal. Então acabamos sentando ali e eles conversam, sabe, em italiano para lá e para cá um pouco, fazem algumas perguntas e tal, e então ele me pergunta e o Piccinini precisa traduzir: “o senhor Ferrari está perguntando se você está com fome”. Eu não tinha comido a manhã toda, porque tinha voado da Inglaterra, sabe? Mas pensei que provavelmente não era isso que ele queria saber. Então eu disse: “nunca estive tão faminto na minha vida”. E ele estendeu a mão e disse: “Ok, você está contratado”

Na próxima semana voltaremos com mais trechos dessa entrevista incrível. Aos que puderem, fica o convite para que confiram, curtam, comentem, compartilhem, porque vocês são a razão disso tudo.

Um ótimo fim de semana a todos.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    GP Total mais uma vez dando um show de bola …

    Parabéns amigo Márcio
    Parabéns Lucas

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Leandro disse:

    Que jóia! Vocês estão de parabéns!

  3. Stephano Zerlottini Isaac disse:

    “Você está com fome?”
    Era fome de pilotar, vencer pela Ferrari! (E ora, por que não, de una bella pasta!)Sensacional!
    Grande abraço, Marcio, Lucas e Speedway!!

Deixe um comentário para Fernando Marques Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *