Monza, 73

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Um aspecto pouco explorado do histórico GP da Itália de 1973 -- e algumas palavras sobre Massa, Kimi, Alonso, Tony e Hélio.

Nessa semana em que tivemos mais uma edição do GP de Monza, senti vontade de lembrar com os amigos alguma história vivida no famoso templo italiano, que de preferência ainda não tivesse sido contada em detalhes por essas bandas. Tarefa difícil, dada a vastidão de conteúdo publicado ao longo desses 12 anos de GPtotal. Mas creio ter lembrado de uma que, por conta de outros acontecimentos na mesma corrida, acabou tendo menos reconhecimento do que deveria.

A história nos fornece diversos exemplos de corridas brilhantes, nascidas a partir do relaxamento do piloto. Situações em que um título já foi conquistado, ou que os problemas foram tantos que a prova simplesmente já parece perdida. Lembro, assim rapidamente, de Clark na própria Monza em 67; Ickx em Le Mans77 – “a maior recuperação desde Lázaro”, na melhor definição que encontrei; Alain Prost na África do Sul em 1982; Ayrton Senna no Japão em 1991, após o abandono de Nigel Mansell; Jacques Villeneuve em Indy 1995, e por aí vai. Há, no entanto, ao menos mais uma edição em Monza marcada por esse tipo de desempenho, que por razões diversas acabou às margens da história. Falo da atuação de Jackie Stewart na corrida de 1973.

A imensa maioria das pessoas, não apenas no Brasil, irá relacionar aquele dia à mais famosa ordem de equipe que jamais foi dada, garantindo a (merecida) vitória de Ronnie Peterson em detrimento das retóricas chances de título por parte de Emerson Fittipaldi, então 1º piloto da Lotus. O episódio ficaria lembrado como ponto de ruptura da relação entre o bicampeão brasileiro e Colin Chapman, e também como capítulo final da campanha que rendeu o tricampeonato a Jackie Stewart. Também por isso, aliás, um título para sempre relacionado a uma briga fratricida entre companheiros de equipe, nos mesmos moldes do que seria dito a respeito de Nelson Piquet em 1981, Alain Prost em 1986 e Kimi Räikkönen em 2007.

O que pouca gente sabe ou lembra, é que Jackie fez uma das melhores corridas de sua vida exatamente naquele dia, voando entre as últimas posições.

O fim de semana começou mal para o escocês. Gripe forte, garganta inflamada, e apenas uma burocrática sexta posição no grid, a 1,3s do pole Peterson, e atrás até mesmo da limitada Surtees do grande José Carlos Pace. Uma situação que piorou bastante na sétima volta, quando um pneu furado o obrigou a se arrastar até os boxes para uma troca que nem de longe lembrava a agilidade dos dias atuais. Ao voltar à pista, Jackie ocupava uma solitária 19ª posição, quase uma volta atrás dos líderes.

Em condições normais, um piloto acostumado a vencer poderia se deixar levar pelo desânimo, tendo seu desempenho afetado negativamente. Stewart, no entanto, já havia tomado a decisão secreta de se aposentar ao fim do ano, e sabia estar fazendo sua antepenúltima corrida na Fórmula 1 – e a última delas em Monza. O título, por sua vez, estava praticamente assegurado, de forma que, naquele instante, ele tinha a pista de Monza somente para si, e uma boa oportunidade de curtir sem pressões um dos últimos momentos de sua profissão. Jackie compreende o momento, e decide se divertir, sem compromissos.

Sobrevivente de uma infância traumática por conta da dislexia que só seria diagnosticada após os 40 anos de idade, Jackie sempre deu enorme valor ao aprendizado. Correndo sozinho e de forma relaxada, ele se dedica a experimentar novos traçados, a praticar antigas reflexões, e, apesar do tanque praticamente cheio, começa a virar mais rápido do que tinha conseguido na classificação.

Em sua biografia “Winning is not enough”, Stewart dedica palavras especiais a este momento. “Uma grande satisfação que experimentei nessa corrida foi perceber que eu jamais deixei de aprender ao longo dos anos. No início de minha carreira, por exemplo, eu buscava me aprimorar nas três etapas básicas de uma curva, pensando em frenagem, apex e aceleração. Naquele dia em Monza, no entanto, eu já era capaz de identificar oito procedimentos distintos para percorrer uma curva da maneira mais rápida e suave possível. Eu estava no ápice de minha forma, e me deu muita satisfação perceber que em 1973 eu estava guiando muito melhor do que jamais havia guiado antes.”

Numa época em que a comunicação entre piloto e equipe ficava restrita a placas e sinais, a Tyrrell entra no clima e resolve descontrair. Acreditando que a corrida estava perdida, Ken e seus homens divertem-se durante algumas passagens inventando indicações as mais absurdas, sinalizando diferenças de tempo em relação a gente como Fangio ou Alberto Ascari, sem perceber que o iminente tricampeão vinha fazendo uma corrida inacreditável.

Por treze vezes o recorde da pista foi quebrado, e logo as brincadeiras já haviam sido trocadas por informações referentes ao sexto colocado, Mike Hailwood, mais de 30 segundos à frente. Numa perseguição implacável, não apenas Jackie conseguiu voltar à zona de pontos, como terminou numa incrível quarta colocação, a 5s do pódio e meio minuto atrás dos pilotos da Lotus. Sua melhor volta, na 51ª passagem, havia sido 0,8s mais rápida que seu próprio tempo na classificação.

Ignorado pela câmeras durante a maior parte da corrida, o novo tricampeão mundial havia acabado de protagonizar uma das maiores atuações na história da Fórmula 1. E, no entanto, nada disso teria espaço nos lides internacionais, ocupados em anunciar o nome do campeão e a aparente falta de apoio da Lotus a Fittipaldi.

Já estava escrevendo esse texto quando fui surpreendido pelo fim da parceria entre Felipe Massa e a Ferrari, e depois pela confirmação da volta de Kimi Räikkönen a Maranello.

Sobre Felipe, essa acaba sendo uma atitude coerente com seu desempenho nos últimos anos, seja qual for a razão (ou as razões) de sua queda de desempenho. No fim, a Ferrari até que foi bastante complacente, e a continuidade dessa condição estava servindo apenas para desvalorizar o próprio Felipe aos olhos das demais equipes. Agora, na Fórmula 1 ou fora dela, ao menos ele poderá buscar novas motivações e mostrar que continua a ser um piloto competente, por mais que não no mesmo nível de 2007-2009. E, claro, há que se respeitar o piloto que ele chegou a ser, superando Räikkönen regularmente e se fazendo merecedor de um título mundial, até ser golpeado pelo destino em mais de uma maneira.

No papel, Kimi e Alonso formam uma dupla fortíssima, para figurar entre as melhores já compostas na escuderia. Já na prática… Só Deus sabe. De todo modo, podemos apontar imediatamente uma boa e uma má notícia para os amantes do automobilismo. Afinal, de um lado, podemos esperar o velho Kimi modorrento novamente, tolhido em suas idiossincrasias por uma conduta imposta e estéril da qual ninguém sente saudade. Já por outro, finalmente teremos a chance de voltar a ver, sob um mesmo teto, dois dos top drivers dessa fantástica geração, preparando o cenário para uma daquelas temporadas que devem ser recordadas no futuro.

Esperemos, apenas, que Kimi encontre por lá as condições necessárias para uma briga justa.

O Brasil na iminência de não ter piloto na Fórmula 1 é o fruto plantado e cultivado por toda a comunidade automobilística nacional nos últimos vinte anos. Perda de pistas, morte de categorias, falta de apoio em diversas frentes, administração incompetente e sanguessuga, direcionamento informativo equivocado e cobranças irreais compuseram o cenário derrotista que levou, mais uma vez, nosso esporte favorito aos quadros de programas de humor.

Talvez Massa continue, talvez Nasr encontre um cockpit legal, apoiado em algum esquema político-financeiro poderoso. No fim isso não muda o fato de estarmos na periferia do esporte que tomamos de assalto durante duas décadas, nem tampouco alivia a consciência de sermos, nós mesmos, os principais culpados por esse encolhimento. Isso sem jamais deixar de reconhecer a competência do trabalho feito em outros países – em especial a Alemanha -, que merecem o sucesso observado tanto quanto nós merecemos o papel que ora ocupamos.

Panorama difícil para os brasileiros na Europa; ano consagrador na Indy.

Não temos falado muito sobre isso por aqui, mas vale o comentário. Se alguém perguntasse a Tony Kanaan e a Hélio Castro Neves (aqui não precisamos unificar os sobrenomes, correto?) quais seus maiores desejos para a atual temporada – e para as cinco anteriores, para dizer o mínimo –, as respostas certamente seriam, respectivamente: vencer Indianápolis, e conquistar o título da categoria.

Pois bem,em maio Tonyfez a parte dele, num dos capítulos mais justos e cheios de significado na história do Brickyard. E agora, restando apenas três corridas para o fim do campeonato, Hélio tem 49 pontos de vantagem sobre Scott Dixon, e grandes chances de, finalmente, colocar as mãos na taça.

A se confirmar o título, 2013 terá sido o ano dos sonhos de nossos principais representantes do Estados Unidos. E vale dizer que, para ambos, são resultados mais que merecidos por tudo que já fizeram nas pistas.

Um ótimo fim de semana a todos.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

7 Comments

  1. Fernando MArques disse:

    Esta situação ocorrida entre Emerson e R. Perteson na Lotus é bem semelhante ao acontecido entre Piquet e Mansel na Willians, Prost e Senna na Mclaren, Villenueve e Jody Schecketer na Ferrari, possivelmente entre Pace e Reutman na Brabham … entre outras duplas fortes que poderiam ser citadas … a semelhança é que de um lado um piloto é mais tático e mais tecnico e de outro lado um piloto é mais rápido e mais pé do que cabeça … geralmente os pilotos mais tecnicos se sentiam prejudicados em razão da velocidade de seus companheiros de equipe apesar de geralmente a maioria dos títulos acabando por ficar nas mãos deles … este tipo de problema só acontece quando os pilotos possuem estilos de pilotagens diferentes …
    Alonso e Raikkonen a meu ver possuem o mesmo estilo de pilotagem, se houver problemas entre eles na equipe será mais pelo ego e vaidade de cada um e apara tentar se impor dentro da equipe … eu duvido que o Kimi ou o Alonso vão obedecer uma ordem do tipo: ele está mais rapido do que voce. Compreendeu? … e aí a grande expectativa será de como a Ferrari vai administrar esta situação …
    Com relação ao Massa há de ser reconhecer que falta de lealdade nunca existiu entre ele e a equipe e vice e versa … mas se isso foi bom para o Massa ou mesmo para a Ferrari sinceramente eu não sei …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Mário Salustiano disse:

    Márcio

    muito legal essa sua lembrança, imaginem que num longínquo 1973 a transmissão na TV era absolutamente limitada e pelas poucas câmeras na pista o responsável só focou as duas Lotus na maior parte do tempo,talvez até porque muita gente esperou pela ordem de Chapman, assim mesmo essa corrida tendo sido transmitida na época nós ficamos alijados de ver essa aula do mestre Stewart, situação semelhante ocorreu em 1986 na Bélgica com Alain Prost, ele bateu e danificou o bico na largada, parou e voltou no final do pelotão, fez segundo ele uma das melhores corridas de sua vida para terminar em sexto lugar, mas a TV quase não mostrou nada.
    Sobre a corrida de Stewart existe um fato interessante que na minha opinião engrandece ainda mais seu feito, devemos lembrar que Monza é um dos circuitos mais rápidos da temporada e por essa razão a corrida é disputada num curto espaço de tempo, ou seja além de quase uma volta e tempo de disputa mais curto torna a sua recuperação algo incrível mesmo nos dias atuais.
    Outro fato curioso sobre o livro biografia do Stewart que você menciona, essa me envolve, a cerca de seis meses atrás fui a uma livraria procurar um livro que me foi indicado sobre Nelson Mandela, quando o encontrei vi um livro ao lado com o título “Winning is not enough” puxei para dar uma olhada e não acreditei quando vi ser a biografia de Stewart, acredite ao perguntar fiquei sabendo duas coisas, uma que o livro estava lá na prateleira já fazia mais de um ano e por isso estava custando R$ 23,00 , o pessoal da livraria desconhecia quem era Stewart e por isso colocou o livro onde nenhum fã de automobilismo pensa em procurar…rsrs, ao menos para mim isso acabou valendo um livro com preço justo.
    Sobre a relação de Emerson e Chapman ao longo de 73, existe uma versão que o clima azedou por conta do valor do salário pedido por Emerson e que Chapman não queria pagar, segundo consta foi por isso que ele incitou Peterson a ir buscar vitórias, voces sabem de algo diferente sobre o que pode ter ocorrido?
    Sobre a questão Massa e Ferrari, essa será sempre uma situação que vai envolver versões divergentes de nós torcedores, eu concordo com o fato de que ter segurado Massa esses anos deve contribuir para a provável dificuldade que ele vai ter de encontrar uma boa equipe nessa altura da vida, mas ao mesmo tempo a atitude de segura-lo num momento difícil da carreira também me leva a crer que houve um certo reconhecimento por tudo que Massa fez pela equipe e que dispensa-lo a dois anos atrás talvez fosse pior em termos de carreira, confesso não ter ainda uma opinião bem definida quanto a isso.

    uma boa semana a todos
    Mário

    • Mário Salustiano disse:

      sobre as oito etapas, vou ler para saber o que Stewart diz a respeito..rsrs

      abraços

    • Bem lembrado, Mário. Sem falar que Monza também oferece menos curvas para que o piloto possa fazer a diferença. Uma recuperação lá, onde andar no vácuo sempre ofereceu grandes vantagens, é sempre algo a ser observado com atenção.
      Em relação a Emerson, Peterson e Chapman, o ano de 1973 teve momentos muito bem definidos, como você sabe. Emerson começou de forma dominante, vencendo três das quatro primeiras corridas do ano, com direito a uma apresentação monstruosa na Argentina.
      Depois veio a maré de azar, em corridas como França e Áustra, tendo como ápice o forte acidente na Holanda. O título evaporou, e a ótima forma de Peterson era um trunfo nas mãos de Chapman na hora de negociar valores e regalias. Emerson naturalmente tinha outras opções, e com sua saída iminente foi Peterson quem recebeu as melhores atenções, indo vencer três das quatro corridas finais do ano.
      Pessoalmente, no entanto, não tenho receios em afirmar que Emerson vinha sendo mais eficiente, apesar de menos espetacular e rápido em treinos.
      E concordo contigo em tudo o que disse sobre o Massa.
      Abraço!

  3. Será que alguém se arrisca a identificar as oito etapas mencionadas por Stewart?

    • Rubbergil Jr disse:

      Caramba, de onde ele arrumou 8 etapas? Só se ele desmembrou algum dos 3 pontos básicos, tipo, “início de frenagem”, “modulação de frenagem”, “liberação de frenagem”, “limite de apex”, “contorno interno”, etc…. sei lá estou inventando.

      Bela corrida de Stewart, que eu nunca tinha ouvido falar. Bom texto Marcio!

      • Sigo essa mesma linha, Rubbergil.

        Algo mais ou menos assim: início da frenagem a pleno; determinação da trajetória de frenagem; início da frenagem modulada (a partir do momento em que a velocidade já não gera downforce suficiente para a plena utilização dos freios); início do apex; determinação da velocidade mínima; fim do apex; aceleração modulada; trajetória de saída; motor a pleno e volante reto.
        Acabei dividindo em mais do que oito, mas acredito que ele tenha pensado em algo mais ou menos como isso. Infelizmente ele não faz a citação nas mais de 500 páginas do livro, rs.
        Abraço!

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