Em 1937, se estreia o filme titulado “A star is born” (no Brasil “Nasce uma estrela”). A película contava como uma garota que ansiava se converter numa famosa atriz do cinema, vai para Hollywood em busca de seu sonho. Mas a fortuna se mostrava remissa a lhe sorrir e esse sonho parecia estar cada vez mais e mais longe de se tornar realidade, até que um dia, casualmente, ela conhece um rapaz envolvido no mundo do cinema que a apresenta a um famoso ator do momento. Este ator seria quem, finalmente, lhe daria o impulso necessário à sua sonhada carreira e, a partir de então, a Ascensão daquela garota à fama seria meteórica.
Em dezembro de 1969, um jovem engenheiro de 22 anos, que sonhava com trabalhar na Lotus, abandona sua África do Sul natal toma um navio rumo à fria Inglaterra, para atender uma entrevista que havia conseguido com Colin Chapman, seu ídolo. Sua intenção era trabalhar na fábrica onde se produziam os carros esportivos da marca, pois o rapaz ainda não se considerava capacitado para a equipe de Fórmula Um. Porém, para sua surpresa, ao chegar lá, lhe dizem que não estavam mais precisando de pessoal (inclusive já haviam despedido vários empregados).
Desiludido, o rapaz passa vários meses morando num lúgubre quarto que havia alugado nos subúrbios de Londres, até que um dia, quando já estava ficando sem dinheiro, impulsivamente, decide fazer uma visita à equipe Brabham sem saber que, casualmente, Ron Tauranac, então engenheiro chefe e coproprietário da equipe, estava procurando pessoal para a sua oficina de desenho. Por equivocaçao, Ron assume que o rapaz era um pretendente ao trabalho, pois quem devia se apresentar para a entrevista, não apareceu. Assim, Tauranac lhe acaba oferecendo um emprego como projetista júnior, para trabalhar junto a ele mesmo, seu ajudante Geoff Ferris e dois assistentes. Não era grande coisa, mas sem alternativas, o rapaz… aceita.
Ao finalizar a temporada de 1970, Jack Brabham decide se retirar e vende sua parte do negócio a Tauranac, porém 1971, com apenas 5 pontos conseguidos, resultaría uma pobre temporada e a equipe logo se enfrenta a problemas econômicos que a deixam à beira da falência.
Então, no principio de 1972 e de maneira providencial, um tal de Bernard Ecclestone, frustrado piloto e manager de pilotos (eg. Jochen Rindt) aparece com 100.000 libras disposto a comprar a equipe, mantendo a Ron Tauranac como empregado. Mas logo seus fortes temperamentos resultariam incompatíveis, e Ron abandona a equipe pouco depois. Ecclestone, contrata Ralph Bellamy para desenhar o carro para 1972, mas as coisas não melhoram e a Brabham acaba em penúltimo lugar no campeonato de construtores com escassos 7 pontos.
Durante todo esse tempo, aquele alto rapaz magrinho e desajeitado, cujo nome era Gordon Murray, vinha desempenhando um bom trabalho e aprendendo quanto de recôndito e útil pudesse ser para sua carreira, até que, no fim de 1972, Ecclestone toma a que seria, possivelmente, a melhor decisão de sua vida: convoca Murray e com toda naturalidade lhe diz: “Gordon: acabo de despedir os outros quatro engenheiros e agora você é o chefe”.
Com o jovem Murray ainda surpreendido e, atônito pela inesperada notícia, Ecclestone lhe pede que desenhe um carro completamente novo para 1973. Gordon, ainda titubeante e com voz trêmula, lhe diz que se havia comprometido a desenhar um carro para Alain de Cadenet disputar as próximas 24 horas de LeMans, mas Bernie insiste: “Quero que você desenhe o carro, e o que você faça em seu tempo livre não é assunto meu!”.
Anos mais tarde, quando perguntado sobre tão surpreendente e atrevida decisão, Ecclestone diria que, naquele momento, recordou uma conversa que teve com Tauranac, quem lhe havia dito que se tinha de prescindir de alguém, que fosse de Gordon Murray e conservasse os outros. Então foi quando Bernie decidiu fazer justo o contrário: ficar com Murray e despedir os outros.
Gordon, com a grande ilusão e entusiasmo típicos e próprios de um rapaz de apenas 26 anos, se dedicaria de cheio à tarefa encomendada. Assim, com total liberdade e sem ninguém que lhe dissesse o que tinha que fazer, o enorme talento de Murray logo esteve livre para se mostrar em toda a sua plenitude, e em apenas três meses o carro estava pronto.
A temporada de 1973 começa na Argentina, mas o carro só se apresentaría na primeira das provas européias: o GP da Espanha, a ser disputado no dificil circuito de Montjuic.
httpv://youtu.be/uuvluun3CzU
O carro, que recebeu o código BT42, logo chamou a atenção por sua beleza e original forma piramidal. No que se refere à beleza, esta não resultava nada surpreendente num desenho de Murray, pois Gordon havia estudado arte quando ainda era um adolescente, e sempre cultivou sua paixão pelo desenho artístico e a pintura.
Enquanto à forma, isso já foi fruto de seu ousado talento e apenas a mais visível das varias inovações presentes no carro. Aquela forma piramidal, não apenas resultava agradável à vista, mas também dotava o chassi de grande rigidez torcional. Seria, precisamente, essa busca de rigidez o que levou Murray a desenhar a suspensão traseira de maneira que esta fosse fixada diretamente ao motor e à caixa de câmbio.
Para isso, Murray mandou fundir uma nova tampa do cabeçote e cárter com as correspondentes fixações para a suspensão. Os motores de competição, desde princípios dos anos 60, eram construídos com o chamado cárter seco, o que reduzia sua altura e, logicamente, se conseguia um centro de gravidade mais baixo.
Porém, Murray sería o primeiro que usou essa mesma técnica na caixa de câmbio, conseguindo, como no motor, reduzir sua altura. Também mandou fundir uma nova carcaça da caixa com fixações para a suspensão. Assim, com a suspensão, motor e caixa de câmbio integrados num conjunto solidário, Murray conseguiu uma maior rigidez.
Mas… havia outras coisas a destacar no BT42: Murray, para conseguir uma boa distribuição de peso com uma curta distância entre eixos, colocou parte do depósito de combustível (cerca de 30% de sua capacidade) entre o piloto e o motor, situando o piloto mais à frente do que era habitual. Finalmente, outro ponto destacável era o bico com seu plano inferior projetando-se para a frente e que se constituía num verdadeiro “splitter”. Até então, apenas se haviam visto bicos com tímidos planos desse tipo (eg. BRM ou March) Quando um carro avança, comprime o ar à sua frente causando um fenômeno chamado “estancamento”.
Esse ar acumulado gera uma zona de maior pressão e o splitter, como seu nome indica em inglês, separa essa massa de ar de maneira que a pequena porção que vai para embaixo do carro, segundo o principio de Bernoulli, se acelera ao ter que passar pela estreita ranhura formada entre o splitter e a pista, aumentando assim sua velocidade de circulação e reduzindo sua pressão, enquanto que o resto da massa de ar atúa sobre a superfície superior do splitter. Portanto a diferença de pressão entre o ar que vai por cima do carro (alta) e o que vai por embaixo (baixa), gera downforce. Murray sería o primeiro que soube aproveitar isso, explorando o efeito solo para melhorar o rendimento do carro.
Nos treinamentos daquele GP da Espanha, Carlos Reutemann se situa num modesto 15º lugar no grid, mas na corrida seu rendimento seria muito diferente. No último quarto da corrida, Reutemann já estava em segundo lugar e aproximando-se com passo firme a Emerson Fittipaldi, que liderava a prova. Porém, faltando apenas 9 das 75 voltas programadas, um inusitado problema, lhe privaria de uma vitória da quem ninguém então já duvidava. O carro… era bom!
Na segunda-feira, você vê o final dessa maravilhosa história.
Bom fim-de-semana a todos.
3 Comments
Belo texto Manuel, e também já estou esperando a segunda parte.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Vou aguardar anciosamente pela 2ª parte …
Fernando Marques
Niterói RJ
Espero que na segunda parte mencione o Brabham bt46 “ventilador”, uma das maiores criações de Murray. Que injustamente passou para a história como fracasso por conta das patifarias de Ecclestone, que traiu a própria equipe para conseguir poder político na F1! Aquele bólido era espetacular, só não humilhou as Lotus 79 porque Nikki Lauda recebeu ordem para abrandar o ritmo nos treinos para o gp da Suécia de 1978. Será que não havia tempo para Chapman e Bellamy modificarem o carro da Lotus ao invés de ficarem na choradeira? E a Ferrari? Outro bando de chorões que foram reclamar com Ecclestone e fazer chantagens igual a criancinhas mimadas! Falo tudo isso baseado no artigo “O carro bom demais” de Manuel Blanco, se houve algum exagero de minha parte aceito réplica de outros leitores e se possível dos colunistas. Grato pela atenção.