Ninguém é profeta em sua terra – Parte 1

Resposta
08/05/2023
Ninguém é profeta em sua terra – Final
15/05/2023

Segundo o evangelho de São Lucas, Jesus de Nazaré quem, depois de se preparar durante quarenta dias no deserto, retorna para ler as escrituras na sinagoga e anunciar o eu cumprimento. Porem, após a inicial atenção que lhe prestava a multidão, Jesus foi logo vitima da desconfiança daqueles que não podiam acreditar que alguém que era o filho de um simples carpinteiro e que haviam conhecido desde sempre, pudesse ser o profeta que tanto esperavam. Assim, Jesus seria acusado de heresia e inclusive teve de fugir da turba enfurecida para não ser linchado.

Decepcionado pela falta de fé de seus vizinhos, Jesus logo compreende que ali lhe seria impossível que o tomassem pelo Filho de Deus e abandona o lugar a caminho de Cafarnaum, onde teria a atenção e admiração que não teve em Nazaré.

Não é raro que alguém em seu próprio ambiente e entre a sua própria gente não seja valorizada devidamente, e o respeito e reconhecimento que se lhe nega o tenha de buscar longe de casa.

Como disse o próprio Jesus quando fugia de Nazaré: “ Ninguém é profeta em sua terra !

Em setembro de 1969, um grupo de quatro amigos entusiastas do automobilismo, decidem fundar a March Engineering, com o propósito de operar no estilo de equipes como a Brabham, que conseguiam boa parte de sua receita vendendo carros para pequenas equipes independentes conhecidas como “ clientes “.

 

Robin Herd era o engenheiro e quem logo se ocupou de projetar o primeiro carro da equipe para a formula 3 ( o March 693 ). Pouco depois, Max Mosley o diretor da equipe, anuncia que construiriam um carro para competir na Formula 1 já em 1970. Herd havia trabalhado nos três anos anteriores na McLaren como Diretor Técnico, ainda que ele mesmo confessasse depois não contar com os conhecimentos e condições para ocupar tal cargo. Assim, Herd recorre a Peter Wright para que lhe ajude na tarefa de desenhar o carro que se apresentaria com o codinome 701, e que teve vários compradores, entre eles a equipe Tyrrell.

No fim da temporada a March ocuparia a terceira posição no campeonato de construtores, ainda que se tratasse de uma posição ilusória, pois a Tyrrell introduziu profundas modificações no carro e até acabou conseguindo mais pontos do que a própria March ( 25 dos 48 totais ), apesar de deixar de usar o carro nos últimos três GPs da temporada. O resto de equipes que também competiram com o 701 não conseguiram nenhum ponto, mesmo contando com pilotos como Mario Andretti ou Ronnie Peterson

Assim, Herd, logo no principio da temporada já percebe que precisavam de outro modelo para 1971 e, uma vez mais, recorre à ajuda de um engenheiro mais experiente. Nesta ocasião o escolhido foi Geoff Ferris, da Lotus. Ferris havia sido nos últimos anos o ajudante de Maurice Philippe, e era quem havia preparado os planos de construção segundo os desenhos e sugestões de Philippe para os modelos 49 e 72, portanto sabia bem o que era um bom carro de Formula 1. Segundo dizia Ferris: “ Maurice era muito bom e eu aprendi muito com ele ! “

Como qualquer profissional de talento, a possibilidade de fazer algo por si mesmo resulta irresistível e, perante a oportunidade de desenhar um carro sem a tutela de outros, representava um desafio ao que Ferris não se podia resistir, incorporando-se à March no fim de abril de 1970, para logo se por mãos à obra.

O carro, cujo codinome seria 711, logicamente, esteve inspirado no vitorioso Lotus 72 que Ferris tão bem conhecia e, como naquele, os radiadores se situavam nos flancos do carro. Mesmo assim, Ferris não se furtou de incluir ideias próprias no modelo, como a suspensão dianteira com o conjunto mola/amortecedor “Inboard”, quando o habitual na época era que se situasse fora do chassi, entre os braços da suspensão ( como no Lotus 72 ).

Isto permitia que o fluxo de ar que se dirigia aos radiadores fosse muito mais limpo e dava a Frank Costin, quem se ocupava da aerodinâmica, a possibilidade de conseguir reduzir a resistência ao avanço do carro. Como diria Ferris falando ao respeito do projeto e dos objetivos buscados: “ Queríamos um carro esguio e com máxima penetração aerodinâmica para compensar a falta de potência do motor Cosworth em relação aos 12 cilindros da Ferrari, BRM e Matra. “

 

A March chegaria a um acordo com A Alfa Romeo para equipar seu motor V8 como possível alternativa ao Cosworth, mas este não representou nenhuma melhora e seria apenas equipado nos carros de Andre de Adamich e Nanni Galli. Ronnie Peterson, então o primeiro piloto da March e apesar do seu excelente segundo lugar em Mônaco e o quarto na Holanda com o Cosworth, prova o motor italiano na França, mas abandonaria quando este quebrou, voltando a usar o Cosworth para o resto da temporada.

O campeonato seria totalmente dominado pela Tyrrel e seu 001, ganhando sete das onze provas da temporada, com Jackie Stewart consagrando-se campeão. Ronnie nos brindaria uma brilhante segunda parte da temporada, com outros três segundos lugares, destacando o conseguido em Monza, onde se manteve na acirrada luta pela vitória durante toda a acorrida com outros quatro pilotos, para ser finalmente batido por Peter Gethin nos últimos metros por apenas 0,01 segundos. No fim, Peterson seria o vice-campeão, enquanto que a March empataria com a Ferrari na terceira posição dentre os construtores. Nunca mais a March conseguiria tão boas classificações.

Para então, Ferris já havia abandonado a March insatisfeito com o ambiente que havia por lá e Alan Rees, um dos fundadores da equipe, que também saiu no final da temporada, devido a desacordos com Mosley e Herd.

No entanto, o bom trabalho de Ferris foi suficiente para chamar a atenção de Ron Tauranac, que o convida a se incorporar à Brabham para se juntar à equipe de engenheiros da escuderia que contava, alem do próprio Tauranac, com Ralph Bellamy, Ray Jessop e um jovem ajudante que atendia ao nome de Gordon Murray.

A Brabham era na época uma grande fornecedora de carros a clientes em diversas categorias e Ferris é designado para desenhar os modelos “customer” da marca. Seu primeiro trabalho foi projetar o BT38 para 1972, que seria o primeiro carro da equipe que Tauranac não havia desenhado. O carro era susceptível de ser adaptado para a Formula 2, 3 e Atlantic, e foi também o primeiro carro com chassi monocoque da Brabham.

No fim de 1971, Tauranac, que havia assumido o controle da Brabham após a retirada de Jack, se encontra com que o trabalho de dirigir uma equipe lhe superava e começando a sentir a pressão financeira da tarefa, acaba fazendo sociedade com Bernie Ecclestone, ao vender-lhe a metade da escuderia, mas, no principio de 1972, por diferenças de critério, terminaria também lhe vendendo a sua parte. Com Tauranac acabam saindo também Bellamy e Jessop, ficando Murray a cargo da formula 1 e Ferris das outras categorias.

O BT38 resultaria bastante competitivo, principalmente no fim da temporada quando em Hockenhein, Tim Schenken cruza a linha de chegada superando a pilotos como Grahan Hill, Ronnie Peterson ou Wilson Fittipaldi, e quatro dos primeiros sete classificados eram BT38. Anteriormente Henri Pescarolo também havia vencido em Pergusa, com Wilson em quarto lugar. Ao todo o BT38 acabaria ganhando em seis provas do campeonato de Formula 2.

Logo depois do BT38, Ferris desenha o BT40 de Formula 2 e o BT41 de Formula 3, para a temporada de 1973, e o carro resultaria bastante bom. John Watson inicia a temporada com o BT40 em Mallory Park, mas abandona com problemas de motor. Para as próximas corridas, Wilson Fittipaldi ocupa seu lugar, chegando a vencer a Copa di Santa Monica disputada em Misano, alem de outros bons resultados. Na formula B, o BT40 também obtém varias vitórias.

No entanto, a meados da temporada, Ecclestone decide se concentrar na Formula 1 e encerra a atividade da MRD ( Motor Racing Developments ) com os clientes, prescindindo de Ferris e reduzindo o pessoal da fabrica. Assim, conforme a temporada avança o rendimento do BT40, sem apoio da fabrica, vai se esvaecendo. O ultimo carro cliente de Ferris na Brabham e da MRD seria o BT43 para a Formula 5000, mas que nunca chegou a participar sob amparo da equipe, pois seria logo vendido e só apareceria na temporada de 1974, passando pelas mãos de vários pilotos.

Pouco depois que Ferris sai da Brabham, Roger Penske, que levava um tempo cogitando com a ideia de participar na Formula 1, se lança à aventura e, no fim do ano, compra a fabrica que o campeão da Formula 5000 Graham McRae tinha na pequena cidade de Poole, ao sul da Inglaterra, com intenção de transformá-la em sua base de operações, e contrata a Ferris para que desenhe seus carros. Desta maneira e incluindo por petição de Ferris o especialista na fabricação de chassis Nick Goozee ( companheiro seu na Brabham ), o trabalho começa com uma equipe que se compunha ao todo por apenas seis membros.

Essa parte da nova jornada de Ferris vamos contar na próxima coluna no dia 15/05

 

até lá

Manuel

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

2 Comments

  1. Marcos Gerson Roodrigues Pascoal disse:

    Sensacional, sempre que leio sua coluna aprendo cada vez mais. Abraço Mané.

  2. Fernando Marques disse:

    Manuel,

    quatro coisas a dizer:

    1) Sua coluna simplesmente sensacional cumprindo a risca a essência do GEPETO em nos proporcionar com as melhores histórias do automobilismo mundial.

    2) Que fotos lindas da March 711.

    3) Final de corrida em Monza 71, jamais pode ser esquecida. A Formula 1 atual jamais permite um final como aquela

    4) Não tenho duvidas que a parte 2 será outro deleite de se ler

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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