O ano dourado de Alex

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O recado havia sido dado no ano anterior!

Laguna Seca recebia a última corrida da temporada de 1996 da Indy com o esforçado Jimmy Vasser, da ascendente equipe Ganassi, tentando conquistar seu primeiro título da Indy e também da sua equipe, mas para isso Vasser teria que derrotar duas lendas do automobilismo americano: Al Unser Jr e Michael Andretti, das não menos lendárias equipes Penske e Newman-Haas. Unser não se encontrou em Laguna Seca, enquanto Michael teve um toque no começo da prova que desequilibrou seu carro e ele não pôde lutar pela necessária vitória. Sem seus maiores adversários em condições de ataque, Vasser só precisou de um quarto lugar para se sagrar o primeiro campeão da equipe Ganassi, iniciando uma sequência que transformou na equipe numa gigante do automobilismo americano. Contudo, Vasser nem de longe era o piloto mais festejado daquele domingo.

Segundos antes da bandeirada, aconteceu algo que ficou na história do automobilismo e que ficou conhecido como The Pass. Apesar da força de Jimmy Vasser no início daquela temporada, que o levou ao título, seu companheiro de equipe já chamava mais atenção do que o americano. Alex Zanardi chegou praticamente do nada nos Estados Unidos e após uma efêmera passagem na F1, o italiano que já contava com 30 anos foi uma aposta da equipe Ganassi e já tinha garantido o valoroso título de Novato do Ano, desbancando o Darling da Indy na época, Greg Moore. Zanardi mostrava uma velocidade exuberante e em Laguna Seca tentava ultrapassar Bryan Herta, um especialista na pista californiana e que ainda corria atrás de sua primeira vitória na Indy. Quando ambos se aproximaram da famosa curva Saca Rolha, Zanardi fez uma das manobras mais impressionantes do automobilismo, ganhando a posição de Herta faltando poucas curvas para a bandeirada. Costumo comparar esta manobra com a ultrapassagem de Piquet sobre Senna na Hungria em 1986. Só que mais plástica. Zanardi ganhava o coração dos americanos com aquela manobra e impressionava a todos que acompanhavam as corridas no final dos anos 1990.

Para 1997, Zanardi se tornava o grande favorito ao título, praticamente eclipsando Vasser, mesmo sendo ele o atual campeão e companheiro de equipe na Ganassi. Mas como Zanardi atravessou o Atlântico praticamente incógnito e se tornou uma lenda? Após encerrar a temporada de 1994 de F1 como o último piloto da história da verdadeira Lotus, Zanardi ficou 1995 praticamente parado e sem patrocínio, até pensou em parar. No final daquele ano, Zanardi foi convidado pelo diretor comercial da Reynard, Rick Gorne, para ir assistir aos treinos de pré-temporada da CART em Homestead, que vivia seu auge no momento. Chip Ganassi, usuário do chassi Reynard, procurava um companheiro de equipe para Jimmy Vasser em 1996 e deu uma chance para Zanardi. Morris Nunn, antigo chefe de equipe de F1 e engenheiro chefe da Ganassi, se impressionou com Zanardi e o indica para Chip Ganassi. Um ano depois Zanardi iniciava o seu segundo ano da Indy já como uma aposta paga, mas ele não teria vida fácil.

A Indy estava dividida e mesmo não participando das 500 Milhas de Indianápolis, a CART ainda tinha as principais equipes e pilotos de monopostos da América. Zanardi conseguiu a pole nas duas primeiras etapas do ano, que junto com as quatro poles do final de 1996 e onze aparições na primeira fila consecutivas, era um recorde da CART. Porém, Zanardi não concluiu as suas poles em vitórias nas etapas iniciais de 1997, sendo batido por Michael Andretti e Scott Pruett em Homestead e Surfer’s Paradise respectivamente. Para quem não lembra, Pruett corria pela equipe Brahma, num dos mais belos lay-outs dos anos 1990. Na terceira etapa em Long Beach, Zanardi perdeu a pole para Gil de Ferran, mas o piloto da Ganassi tem uma empolgante batalha com o brasileiro, que parecia ter um conjunto melhor, mas nos pit-stops, a Ganassi sempre colocava Zanardi na frente de Gil. Tentando recuperar a ponta, De Ferran acabou no muro e Zanardi conquistava sua primeira vitória do ano.

Contudo, após essa vitória em Long Beach Zanardi teve um período de baixa na temporada, onde os canadenses Paul Tracy e Greg Moore venceram as cinco corridas seguintes, enquanto Zanardi não conseguiu sequer um pódio nessa sequência. Após uma décima primeira posição decepcionante em Portland, Zanardi via seu sonho do título indo para o vinagre, mas na pista de aeroporto de Cleveland, Alex inicia a arrancada para o título. A Ganassi tenta uma estratégia diferente e pelo rádio, Ganassi chega a dizer para Zanardi que ‘vamos esquecer o campeonato, tentaremos ou vencer aqui ou ficaremos nas últimas posições!’ Zanardi fez a estratégia acontecer e vence em Cleveland, voltando à contenda do campeonato. Quando cruzou a linha de chegada, Zanardi começou a dar seguidos ‘cavalos de pau’ em comemoração, iniciando uma de suas marcas registradas, que depois seria imitado por vários pilotos até os dias de hoje. Era a chegada do Mr Donut.

Era mais um apelido que Zanardi ganhava nos Estados Unidos. Além de ser um piloto muito rápido, Alex também era uma pessoa cativante e todos o adoravam. Porém, ainda faltava um campeonato para conquistar e a vitória em Cleveland foi o impulso que fez Zanardi superar Moore e Tracy, que após suas vitórias caíram de rendimento de forma assustadora, e liderar o campeonato com três vitórias dominantes em Michigan, Mid-Ohio e Elkhart Lake. Àquela altura, o desafiante de Zanardi era Gil de Ferran, piloto único da equipe Walker e que utilizava a consistência para combater a exuberância de Zanardi a ponto de Gil não ter conquistado uma vitória sequer em 1997. Contudo, o italiano da Ganassi vivia uma ótima fase e na penúltima etapa do campeonato, novamente em Laguna Seca, Zanardi só precisou de um terceiro lugar para assegurar com antecedência o seu primeiro título internacional desde 1987, quando fora campeão europeu de kart! Por coincidência, Vasser venceu aquela corrida, porém, ao contrário do ano anterior, o campeão não fora deixado de lado. Todos pareciam felizes com o título de Zanardi, que conquistava a América.

Zanardi conquistaria o bicampeonato da Indy em 1998 e suas atuações o colocavam como o piloto do momento no automobilismo daquela época. Afirmações de que ‘Zanardi era o europeu mais importante no automobilismo americano desde que colocaram um motor traseiro num carro de corrida em Indianápolis’ dava a noção exata do impacto que o italiano tinha conseguido no automobilismo americano, no entanto, Zanardi sabia que os grandes pilotos e equipes não estavam no lado de cá do Atlântico, mesmo o nível da CART ainda ser muito forte naqueles tempos. A F1 era e ainda é o olimpo do automobilismo e Zanardi tinha contas a acertar com a categoria por onde passou de forma tão discreta. O sucesso de Zanardi era tanto, que até mesmo a Ferrari entrou em contato com ele, mas em julho de 1998, no auge da popularidade do italiano, a Williams contratou Zanardi como piloto principal em 1999, um ano de transição antes da chegada da BMW no ano 2000, onde Zanardi seria o piloto principal. Zanardi começou a testar com a Williams ainda em 1998 ao lado de Juan Pablo Montoya, que substituiria o italiano na Ganassi na CART. A Williams tinha um projeto de fazer com Zanardi o mesmo que fez com Villeneuve e no final o canadense acabou campeão do mundo. Porém, já nesses primeiros testes Zanardi não vinha se adaptando ao carro e quando Ralf Schumacher, teoricamente segundo piloto da equipe em 1999, chegou à equipe, a diferença entre os dois pilotos foi ficando clara. Mesmo tendo corrido apenas cinco anos antes, a F1 estava bem diferente do que Zanardi havia visto em 1994. Os carros eram mais estreitos e os pneus eram sulcados. Foi um choque para o italiano e os resultados se provariam horrorosos. Logo nas primeiras corridas a diferença entre Zanardi e Ralf Schumacher era até mesmo constrangedora. Zanardi estava fora dos planos da Williams para 2000 e 2001 e sem marcar nenhum ponto, Zanardi e a Williams se separaram amigavelmente. Várias versões surgiram para que o piloto arrasador do biênio 1997-98 na CART tivesse atuações tão fracas na F1 em 1999. Freios diferentes, ambiente ruim da F1 e até mesmo a fraqueza da CART em comparação a F1 foram algumas das explicações, mas a verdade é que Zanardi saiu da F1 novamente pelas portas dos fundos.

Zanardi retornaria à CART em 2001 pela equipe de Morris Nunn, que apostou nele em 1995. Porém, a temporada de regresso não foi a esperada e Zanardi já tinha anunciado a aposentadoria quando ocorreu a trágica corrida em Lausitzring, onde Zanardi, que fazia sua melhor corrida naquele ano, foi acertado em cheio por Alexandre Tagliani. Alex perdeu as pernas na hora e por pouco perdeu a vida. Após semanas de luta no hospital, Zanardi precisou se reinventar e como fizera em 1995, Alex deu a volta por cima de forma emocionante, retornando às pistas e ganhando inúmeras medalhas paraolímpicas. Em junho de 2020, Zanardi se envolveu em um grave acidente rodoviário enquanto competia na corrida de ciclismo Obiettivo tricolore. Novamente Alex lutaria pela vida. E novamente ele venceu, retornando para casa em dezembro de 2021 para continuar sua reabilitação.

Vinte e cinco anos após ter conquistado a América com uma pilotagem emocionante e cativante, se tornando uma lenda do automobilismo, Alessandro Zanardi se tornou um herói da vida e fica a torcida eterna para que ele volte ainda melhor!

Abraços!

João Carlos Viana

 

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

2 Comments

  1. Carlos disse:

    Fiquei muito emocionado por esse relato maravilhoso de um dos pilotos que acompanhei desde sua estreia na indy e que conforme o tempo passa prova pelos seus feitos ser um dos melhores de todos os tempos.

  2. Fernando Marques disse:

    J.C. Viana,

    Alex Zanardi tem história de vida incrível.
    A Formula 1 não foi legal com ele.
    A Formula Indy foi. Lá ele pode mostrar o seu talento. Ser campeão.
    Dar a volta por cima … se querem um exemplo nada melhor que o Alex Zanardi.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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