O que vi em Interlagos – final

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Concluo, com esta coluna, o relato de (quase) tudo que eu e Lucas Giavoni vivemos em Interlagos durante a cobertura das 6H de São Paulo entre 12 e 14 de julho. O “quase”, nesta frase inicial, fica por conta de algumas histórias envolvendo a legendária jaqueta Copersucar do Lucas, que ele certamente irá contar no futuro, não cabendo a mim estragar as surpresas. Dividir tais experiências com os amigos que dão vida e sentido a este espaço é o mínimo que podemos fazer em agradecimento a todo o apoio, todo o retorno, toda a troca de informações e toda a amizade que escreveu e continua a escrever a bonita história desta página que há 23 anos se tornou sinônimo de análises sérias dedicadas ao esporte a motor em língua portuguesa.

Não havia muito tempo para que pudesse refletir a respeito dos alarmantes sinais de sexta-feira, de que não seria nada fácil, afinal, conseguir alguns minutos com Valentino Rossi, ou fazer algumas perguntas exclusivas a Jenson Button, entre outros objetivos que em maior ou menor grau haviam me motivado a estar em Interlagos durante a etapa do Mundial de Endurance (WEC) em território nacional. Cumprindo, ao longo dos três dias de atividades, nossas próprias 6h de estrada, retornamos a Sorocaba já bem tarde na sexta, cientes de que o sábado começaria bem cedo, com a mesma viagem nos aguardando de volta.

Mas, antes de mergulharmos nas histórias do dia que Lucas iria definir como “aquele em que mais aconteceram coisas relevantes, no somatório”, tanto na minha vida quanto na dele, parece necessário fazer dois apontamentos. O primeiro é que, já no fim da sexta-feira, numa das vezes em que fomos ao Centro de Mídia, Lucas chamou atenção para alguns contêineres enfileirados numa área aparentemente sem atrativos na parte interna do circuito. Fomos lá conferir, e vimos que eram pequenas bases de apoio para as equipes, onde, por exemplo, ficavam os macacões dos pilotos. O de Rossi, especificamente, estava bem visível, dando a senha de que aquele espacinho aparentemente sem expressão deveria ser observado atentamente ao longo do fim de semana. Já o segundo é que no sábado Lucas iria para a pista com sua já citada jaqueta, e se tem algo que já ficou muito claro é que ali, no templo do esporte a motor brasileiro, aquele agasalho faz a um só tempo as vezes de credencial, cartão de visitas e amigo íntimo de diversas personalidades, potencializando absurdamente as experiências de pista à sua volta.

Lucas levou a famosa jaqueta. A cara de surpresa de Alan Mosca e Raí Caldato mostram o quanto ela é rara…

Agora sim, o sábado.

Após estacionarmos mais uma vez no kartódromo seguimos para o Centro de Mídia, desta vez dando a devida atenção aos discretos contêineres perdidos na paisagem. E então, como numa miragem, a visão que no dia anterior havia parecido tão improvável. Cercado de apenas duas ou três pessoas de sua equipe, num canto quase invisível do autódromo, lá estava o maior nome do motociclismo de velocidade em todos os tempos. Não era preciso ser um gênio para compreender que era ali, naquele momento, ou não seria mais.

Perguntei a Lucas se ele estava vendo o mesmo que eu, e caminhando devagar, nos aproximamos da forma mais desinteressada possível, num duplo esforço por não espantarmos Valentino e sua trupe, e também por não chamarmos a atenção de mais ninguém, cientes de que se ele fosse cercado nossa única oportunidade teria sido perdida.

Valentino naturalmente não queria falar com ninguém de fora naquele momento. Sabendo disso, me apresentei brevemente e disse que tinha alguns presentes para ele, e que não precisava de mais do que dois ou três minutos. De imediato ele foi direto, objetivo, ainda que educado, até o momento em que eu disse que meu filho de 9 anos havia feito dois desenhos para ele. Um para que fosse dado de presente, e outro para que Rossi assinasse e devolvesse.

Ao longe, vimos saindo de um capuz de agasalho um inconfundível boné amarelo: “você tá vendo o que eu tô vendo?”

Ah, Valentino… Ao ouvir essas palavras, o eneacampeão mundial não foi capaz de conter um sorriso e de baixar a guarda, perguntando se meu filho estava bem. Respondi que sim e em seguida perguntei sobre Giulietta, Francesca e sobre a menininha que ela traz no ventre, e num instante éramos como dois amigos, dando a impressão de que, noutro contexto, sem a pressa das atividades de pista ou o risco de ser cercado por fãs a qualquer momento, poderíamos dar início a uma conversa leve, longa e descontraída.

Também entreguei a Valentino uma cópia impressa e em italiano do artigo que publiquei aqui mesmo, no GPTotal, por ocasião de sua aposentadoria, um texto muito especial para mim pois ao lê-lo posteriormente vi que minha saudosa mãe o havia comentado – um comentário que eu acabei respondendo, já sem a ter por aqui. E compartilhei as duas biografias que tenho dele para que fossem autografadas. Tive, nesse processo, alguns minutos para falar brevemente com ele, explicar por que o texto que lhe dei era importante para mim, e ele próprio tomou a iniciativa de que fizéssemos algumas fotos, pois sabia que logo nossa pequena aglomeração iria chamar atenção e aquele espaço de refúgio ficaria comprometido. E foi isso… Sabia que não poderia almejar muito tempo para falar com ele, mas, dentro das circunstâncias, o sábado havia começado bem demais. A principal missão do fim de semana já havia sido cumprida.

Encontrar Valentino logo na chegada foi incrível, mas as coisas incríveis daquele sábado só estavam começando

A partir daí, com os ombros mais leves, tivemos vários momentos que, num dia menos cheio, poderiam render colunas próprias. Boas conversas com Geferson Kern e Rodolpho Siqueira; apresentamos a jaqueta a Ingo Hoffman e a Christian Fittipaldi, que perdeu um duelo com Lucas sobre quem trazia mais referências à Copersucar em suas respectivas vestimentas e se emocionou quando compartilhamos com ele algumas histórias a respeito de Wilsinho; Roberval Andrade, muito atencioso, teve uma longa conversa com Lucas e ainda gravou um vídeo para meu pai, seu grande fã…

O dia estava rendendo momentos memoráveis em sequência, assim, naturalmente. Uma conversa ia puxando outra, e logo a jaqueta havia chamado a atenção dos brilhantes Alan Mosca e Raí Caldato, e ali mesmo plantamos a semente para a entrevista com Alan que já está disponível em nosso canal do YouTube, e que recomendo fortemente a todos os amigos.

Tivemos também oportunidade de conversar com o grande Wagner González, e foi ele quem nos indicou o melhor lugar para almoçarmos, algo que não havíamos conseguido fazer no dia anterior. Pouco depois chegou o momento do track walk e da distribuição de autógrafos, e logo ficou claro que, se não tivesse encontrado Valentino pela manhã, definitivamente não seria ali, no meio daquela multidão, que teria conseguido falar com ele. Ainda assim, fiz boas fotos dele, tivemos alguns momentos interessantes no Box da sempre simpática e acessível Isotta-Fraschini ao lado da turma do Graining & Marbles, e também troquei algumas palavras com Nelsinho Piquet a respeito de seu pai, que, ao receber pelo WhatsApp a foto que fizemos juntos, apropriadamente respondeu com uma brincadeira impublicável.

Tivemos vários encontros no corredor de fundo dos boxes; Christian Fittipaldi foi muito simpático e accessível

Não podíamos ficar muito por lá, pois dentro de alguns minutos iria começar nossa entrevista exclusiva com Robert Kubica. Sobre essa entrevista, não posso deixar de registrar a prestatividade do simpático assessor Mattia Tremolada e do próprio Kubica, que atenderam prontamente ao nosso pedido na sexta-feira, e no sábado se deslocaram até o centro de hospitalidade da Ferrari para falar conosco pelos dez minutos que havíamos combinado.

Apesar de rápida, foi uma ótima conversa que aumentou ainda mais o enorme respeito que sempre tive pelo piloto polonês. Tivemos tempo para lembrar, por exemplo, a explosiva e vitoriosa participação de Robert na Fórmula Renault brasileira em 2002, quando, em seu primeiro contato com Interlagos, bateu com autoridade um grid que se provaria muito forte diante do desenrolar das carreiras ali reunidas. Também pudemos o ouvir a respeito do quanto gosta da pista paulistana, do prazer que tem ao guiar os carros do WEC, dos desafios representados pelo tráfego constante, e das perspectivas de resultados enquanto estiver guiando para uma equipe cliente, em alguma medida.

Inevitável observar também a extensão das lesões sofridas em seu terrível acidente de rali, quando tinha um futuro brilhante e potencialmente campeão pela frente na Fórmula 1. Há que se respeitar alguém que tenha superado tudo isso e continue a ser competitivo, sem deixar de ser também acessível. Kubica tem um coração enorme, e encerrou a entrevista surpreso com nosso conhecimento a respeito de sua carreira e seus feitos, dizendo que provavelmente é mais respeitado aqui no Brasil do que na própria Polônia.

Kubica adora Interlagos e gostou de relembrar seu primeiro contato com a pista, na F-Renault em 2002

Acabou? Que nada…

Dali seguimos para a Toyota, onde entrevistei Nyck de Vries e Brendon Hartley, e o mesmo registro que fiz a respeito da AF Corse de Robert Kubica preciso fazer também aqui. A despeito do envolvimento de fábrica e da tensão de estarem brigando diretamente pela vitória (que, por fim, acabaram conquistando) a equipe, sobretudo através dos assessores Yannick Freund e Thomas Heidbrink, foi extremamente acessível, prestativa e atenciosa. Com os pilotos trocamos informações técnicas, comparações entre as linhas adotadas no WEC e na Fórmula 1, perspectivas para a corrida e outros assuntos relacionados à prova. Lucas também teve oportunidade de conversar e tirar foto com o staff da equipe a respeito de outros assuntos, que incluem a própria fábrica da montadora em sua terra natal.

Após tantas atividades era hora de relaxar um pouco e curtir as atividades de pista. Vimos a hyperpole na parte interna do S do Senna, momento que rendeu boas fotos e uma oportunidade preciosa de observar as diferenças de concepções que tornam o grid do WEC tão rico, sendo fácil distinguir a passagem de vários carros tão somente a partir do som de seus motores.

Naturalmente também foi possível apreciar a tocada dos pilotos, ainda que no WEC isso não seja algo tão intuitivo quanto numa categoria de cockpit aberto com um único piloto por carro, posto que frequentemente é preciso recorrer à internet ou a algum telão para saber quem está ao volante. E o destaque aqui fica para a impressionante Sarah Bovy, que levou o Lambo cor-de-rosa da Iron Dames à pole position da categoria GT3 com uma sequência linda de voltas no limite com enorme precisão. Simpática, acessível, humilde e muito talentosa, Bovy inspira e faz um bem tremendo ao esporte ao motor. Torço, de verdade, para que sua história, bem como das Iron Dames, seja conhecida e possa inspirar muitas outras meninas talentosas e com gasolina nas veias a enriquecerem os grids nas mais variadas categorias.

A excelente Sara Bovy conquistou o público, que passou a torcer para as Iron Dames e a Lambo cor-de-rosa

Após tomarmos parte na coletiva com Kamui Kobayashi pudemos entrevistar Sarah Bovy, registrar o quanto ela havia nos impressionado, e ainda houve tempo para que ela assinasse um boné da Lamborghini que Lucas trazia consigo.

Estávamos na zona mista, e as interações iam simplesmente se sucedendo, uma após a outra. Mal havíamos terminado de falar com a piloto belga e eu já estava conversando o lendário Andre Lotterer a respeito da inesquecível edição de Le Mans em 2011, que ele definiu como a corrida de sua vida, e em seguida estava falando com Mick Schumacher, que explicou as diferenças nas linhas adotadas no WEC em relação à Fórmula 1, e também falou a respeito da sensação de que o asfalto estava mais escorregadio – algo que seria ecoado por muitos outros pilotos, justificando o processo de recapeamento pelo qual Interlagos irá passar em breve, em preparação para a Fórmula 1.

Nesse momento também tive minha oportunidade de conversar com Jenson Button, e notar os limites – compreensíveis – que têm sido estabelecidos por tantos pilotos no trato com a imprensa. Da mesma forma como no dia anterior, já na saída da pista, havia se negado a nos dar entrevista, agora o campeão de 2009 estava ali, prestativo, acessível, e simpático o bastante para elogiar, juntamente com sua assessora, as perguntas que eu havia feito a respeito de fatores como clima e administração de pneus e tráfego, considerando seu histórico favorável em meio a algumas das situações que, até então, vinham sendo observadas em Interlagos.

Graças a Thomas e Yannick, assessores da Toyota, fizemos entrevistas com De Vries [foto] e Hartley

Todas as missões estabelecidas para o fim de semana já haviam sido cumpridas com diversos bônus, mas alguma conjuntura astral muito especial não parava de nos brindar com surpresas, uma após a outra.

Ao nosso lado Kubica e o principal engenheiro da AF Corse estavam disponíveis num meet the team, e foi nessa altura que a jaqueta Copersucar acabou sendo determinante para que descobríssemos que aquele engenheiro ao nosso lado era ninguém menos que o legendário Giuseppe Petrotta, designer da Osella e de carros tão emblemáticos como a Ferrari Enzo, rendendo uma história deliciosa que Lucas já registrou aqui mesmo, no GPtotal.

Tendo vivido tantas coisas num único dia, eu e Lucas simplesmente não estávamos em condições de pegar a van de volta ao kartódromo. Em vez disso seguimos a pé, sem pressa. Vimos a farta exposição de carros antigos, apreciamos a enorme pintura em homenagem a Senna e fizemos nossa reverência no busto do Moco. Já próximos de deixar a pista pudemos apreciar estacionados alguns modelos raríssimos no Brasil, como os Toyotas GT86, GR Corolla, GR Yaris e Supra. Tudo isso tendo ao fundo as maravilhosas e saudosas curvas 1 e 2 do traçado antigo.

Para coroar o dia incrível, ainda teríamos a alegria de jantar ao lado de nosso “Chefe”, Eduardo Correa, e do querido amigo Mario Salustiano, mas por um momento eu cheguei a ter medo de que jamais chegaríamos ao nosso encontro. Afinal, tão logo deixamos Interlagos, Lucas – ainda impactado pelo que havia acabado de acontecer – começou a dizer que iria comprar uma das famosas coxinhas de Sorocaba para levar no dia seguinte para Giuseppe Petrotta, e ali eu percebi que meu amigo já não estava mais falando coisa com coisa e não tinha qualquer condição de dirigir.

Felizmente os anjos de Interlagos nos guiaram e de algum modo chegamos bem, e todos juntos pudemos encerrar da melhor forma possível um dia absolutamente inesquecível.

Aos amigos do GPTotal, que nos proporcionaram tudo isso, registro mais uma vez nossa mais profunda gratidão.

Um ótimo fim de semana a todos.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

8 Comments

  1. Rubergil Jr disse:

    Amigo Marcio, ler este texto é como se estivéssemos ali lado de vocês, compartilhando estes momentos e sensações!
    Muito obrigado por esta pérola, legal demais!

    Abraços!

  2. Leandro disse:

    Obrigado por compartilharem isso conosco!

    • Nada mais justo, Leandro.
      Na verdade somos nós que agradecemos pelo privilégio que foi representar a comunidade do GPTotal num evento tão rico em termos esportivos.

  3. Rafael Friedrich Rudolf Brandão Manz disse:

    Não tem como não ficar na expectativa de abrir o site e as matérias e ler: “Já o segundo é que no sábado Lucas iria para a pista com sua já citada jaqueta, e se tem algo que já ficou muito claro é que ali, no tempo do esporte a motor brasileiro, aquele agasalho faz a um só tempo as vezes de credencial, cartão de visitas e amigo íntimo de diversas personalidades, potencializando absurdamente as experiências de pista à sua volta.”. Magnífico, sempre torci para que nossa Equipe Brasileira na F1 tivesse muito sucesso, e até que não foi mal sua participação. Só faltou a foto de Lucas com a jaqueta. Até a próxima.

  4. Fernando Marques disse:

    Marcio,

    Poder ler que vc e Lucas conseguiram cumprir tudo aquilo que queriam neste fim de semana inesquecível em Interlagos me faz apenas registrar uma coisa

    Clap!!!
    Clap!!!
    Clap !!!

    Show de bola é pouco, vocês são demais da conta

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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