O stress na conquista de 1963

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Há pouco tempo em conversa com o meu amigo Marcel Pilatti , abaixo o vídeo desse bate papo

falamos bastante das temporadas perfeitas, e uma que foi objeto de nosso papo foi a conquista de Jim Clark em 1965, achei legal continuar minhas pesquisas sobre o genial escocês e suas conquistas, acabei encontrando algo acerca sua personalidade e que nos remete a um lado pouco falado do escocês, ele tinha parâmetros de cobranças próprias dele mesmo, e que o deixavam bem estressado consigo.

Estou trazendo um fato pouco comentado que envolveu Jim Clark ao disputar o GP da Itália em 1963, a mesma Monza que fora palco do Grande Prêmio da Itália disputado em 1961 ainda estava na memória e a lembrança do horror causado pela colisão entre Wolfgang Von Trips pilotando pela Ferrari e Jim Clark pilotando pela Lotus e a sequência do terrível acidente em vitimou 16 pessoas, incluindo Von Trips, era um quadro de uma memória de apenas dois anos atrás.

Clark não se machucou e como envolvido tinha muito receio em 1962 em seu retorno a Monza para disputar novamente o GP da Itália, na avaliação dele e da equipe Lotus a polícia não representava nenhum problema, afinal um inquérito oficial tinha ocorrido e não o apontava como culpado, a conclusão era que havia sido uma fatalidade.

Em 1962 ele tinha muito mais em mente depois de uma temporada de grande evolução dele como piloto, conquistara suas 3 primeiras vitórias na Fórmula 1 e perdeu por muito pouco o campeonato para o inglês Graham Hill que disputou com a BRM

A temporada de 1963 estava sendo até antes de Monza dominada pelo escocês, e ele numa entrevista pouco depois da disputa em Monza dera a seguinte declaração, para surpresa de alguns, Clark declarou: “É terrivelmente fácil ficar deprimido quando você está pilotando um carro, até mesmo uma reunião pode te desanimar. Antes da corrida crucial em Monza em 1963, eu estava muito deprimido. Eu estava realmente começando a duvidar da minha própria habilidade e lembro de pensar: Caramba, o que acontece se eu não conseguir fazer esse carro andar mais rápido? Eu tinha o carro com motor Climax mais rápido, mas ele era meio segundo mais lento que o BRM de Hill e cerca de dois segundos mais lento que a Ferrari de Surtees, e normalmente eu era tão rápido quanto eles”

Essa briga consigo mesmo faz com que a maioria dos pilotos tenha uma insegurança básica sobre os carros que estão sendo preparados para eles. Essa é uma das razões pelas quais você vê pilotos se preocupando com seus carros e o nível de competitividade, bem eu consigo imaginar tantos pilotos tendo esse tipo de stress, mas puxa vida, para mim Jim Clark não é um deles

Entretanto antes de Monza, houve uma corrida não-campeonato em Enna. Clark não foi, mas seu companheiro de equipe na Lotus, Trevor Taylor, foi e voltou com a informação de que a Ferrari de Surtees era muito mais rápida, isso acendeu o lado mais tímido e estressado do escocês.

Restavam três rodadas depois de Monza, e pelo regulamento da época com seus descartes, em 1963 apenas 6 das 10 corridas disputadas contariam pontos, matematicamente antes de Monza, tanto John Surtees da Ferrari como Graham Hill da BRM ainda podiam tirar de Clark o título de pilotos, apesar de seu franco favoritismo, até então ele ganhara 4 de 6 corridas disputadas

Na cabeça de Clark se seus rivais fossem decisivamente mais rápidos, isso deixaria um Clark ainda mais vulnerável e estressado

“As coisas”, ele se lembraria, “não pareciam nada boas

Nem eles pareciam bem em Monza. A princípio os organizadores italianos decidiram usar o circuito completo com o anel externo de inclinação elevada junto com o circuito normal, medida descarada para favorecer a Ferrari.

Bob Anderson, um britânico, bateu sua Lola nas irregularidades da parte inclinada e retornou aos boxes com suspensões destruídas pelo concreto irregular. Uma comissão de pilotos e chefes de equipes pressionou os organizadores para usar apenas o circuito comum, sem o anel inclinado e, mesmo antes disso, a Commission Provinciale di Vigilanza, responsável pela segurança, disse aos organizadores que os espectadores não estavam suficientemente protegidos se um carro passasse por cima da inclinação.

A primeira sessão para o grid foi então interrompida na metade e os tempos declarados nulos. A partir da segunda sessão a disputa seria feita no circuito comum. Choveu forte durante a noite, deixando manchas úmidas sob as árvores onde o sol não conseguia alcançá-las. Nessas condições, Surtees rodou no tempo surpreendente de 1m 37,3s, e Hill 1m 38,5s.

Os piores medos de Clark estavam se tornando realidade. Seu 1m 39,0s o colocou na segunda fila.

Ele declarou “O fato de eu ser muito mais lento que Surtees realmente minou minha confiança e me senti tão mal que antes da corrida começar eu tinha instalado um novo motor, caixa de câmbio, relações de marchas e trocado o tamanho dos pneus. Isso significou que comecei a corrida sem saber totalmente como o carro estaria quando chegasse na primeira curva”.

No domingo os milhares de pessoas foram a Monza, atraídos evidente pelo elemento mágico de Surtees na Ferrari na pole. milhares de pessoas presentes deixaram Clark ainda mais estressado, afinal eles estavam lá pela Ferrari e contra qualquer um que fosse derrotar a Ferrari em seu campo

Clark tentou ignorar isso, concentrou-se em esquecer seus problemas e fazer a corrida. “Eu tinha que acompanhar Surtees e Hill a todo custo.”

Quando a bandeira baixou e foi dada a largada, Hill disparou na frente de Surtees, mas quando ambos os pilotos alcançaram a segunda marcha, Clark – mirando diretamente entre eles, passou no meio dos dois e já estava na frente, Clark era notório por suas boas largadas.

Na curva seguinte, Surtees o passou. Antes do final da primeira volta, Hill avançou forte e passou tanto Clark quanto Surtees.

Essa foi a ordem quando eles cruzaram a linha para completar a volta 1. Na volta seguinte, todos os três quebraram o recorde da pista, ficava patente que o trio estava num ritmo muito forte.

Na volta 4, Surtees fez valer a força de seu motor e assumiu a liderança. Clark usou o vácuo de Surtees e ultrapassou Hill, ele estava firmemente determinado a não deixar Surtees escapar.

Em Monza, o vácuo produzia uma menor intensidade aerodinâmica quase uma segunda natureza de potência, produzindo 500 rpm extras, dessa forma um trenzinho de carros era feito, Surtees rebocando Clark, em seguida vinham Hill, Dan Gurney (Brabham), Richie Ginther (BRM) e Lorenzo Bandini (Ferrari).

A guerra era muito tática e cada um precisava levar a inteligência ao limite para melhor se sair na disputa.

Nas dez voltas seguintes, Surtees liderou Clark, Hill e Gurney, mas na volta 17, Clark notou uma nuvem de fumaça “ameaçadora” saindo dos canos de escapamento de Surtees. Alguns metros mais adiante, lá estava ela novamente, então não foi nenhuma surpresa quando Surtees foi parar nos boxes.

O motor da Ferrari havia estourado, Surtees estava fora da disputa, mas isso deixou Clark com um problema: sem o reboque do vácuo, ele ficou vulnerável.

Com sua enorme inteligência nessas situações, ele fez um julgamento de que não valia a pena “forçar” o carro para tentar manter a liderança porque, mais cedo ou mais tarde, Hill e Gurney o ultrapassariam.

Isso era tão inevitável – Hill decisivamente mais rápido na qualificação e Gurney apenas uma fração mais lenta que Clark entendeu que poderia ser melhor ele deixar os dois o passarem para ir poupando o carro enquanto os outros dois o rebocariam.

Gurney quebrou o recorde de volta e ultrapassou Clark na volta 23. Uma volta depois, Hill ultrapassou os dois, Clark ficou em terceiro. Outra prova clássica de Monza se desenrolou, Gurney retomando a liderança, Hill retomando-a, alternaram as ultrapassagens entre si volta após volta. Clark em terceiro apenas observava e esperava.

Em alguns momentos Clark sob a tremenda sucção do vácuo, assumia a liderança, sabendo que não ficaria lá por muito tempo, apenas um teste para quando chegasse o momento apropriado atacar com o carro bem mais inteiro

Na volta 49, a embreagem de Hill começou a patinar e ele levou sua BRM para os boxes, levando suas esperanças de campeonato com ele.

A corrida era entre Gurney e Clark, mas o campeonato com aquele resultado do momento era de Clark.

Até que eles chegam atrás de Innes Ireland (BRM) sendo seu carro muito mais rápido nas retas. Vale lembrar, Ireland era desafeto de Clark, afinal alguns anos antes ele fora dispensado por Colin Chapman da Lotus, e Ireland nos bastidores falava abertamente que a sua demissão fora causada pela chegada de Clark na Lotus

Clark relembrou que nesse momento do GP, e declarou: “Tentei passar por dentro em uma curva, mas Innes me bloqueou, então tentei novamente e a mesma coisa aconteceu. Em minha próxima vez, passei a jogar com astúcia, então esperei até que Gurney chegasse perto de mim e o deixei me passar para em seguida ele passar Innes. Aliviei apenas o suficiente para me manter colado em Gurney. Innes pensou que o carro que vinha por dentro dele era eu e ele se moveu novamente, mas ele descobriu tarde que era Dan e ele não fecharia Dan.

Na batalha de inteligência que se seguiu, Dan teve de aliviar o pé, Innes fez o mesmo e enquanto eles faziam isso de aliviar, Clark passou pelos dois… Jim Clark foi realmente um gênio das pistas.

Clark e Gurney deram voltas muito próximos, Clark manteve a liderança, só que na volta 63 Gurney diminuiu a velocidade, sua bomba de combustível quebrou e ele abandonou a prova. Isso deixou Clark isolado e com uma bela vantagem sobre o segundo colocado. Richie Ginther estava em segundo sem condições de alcançar o escocês. Quando Clark cruzou a linha, ele havia vencido com a vantagem de 1m 35s.

Clark era o novo campeão mundial de Fórmula 1, festas e mais festas haveriam de acontecer, só que ainda havia um stress adicional a ser enfrentado pelo escocês

O pit da Lotus apresentou uma visão que Clark mal podia acreditar, todo tipo de pessoas se aglomerando nele e Chapman, segurando o troféu de prata, lutando para chegar até Clark. Ele subiu na Lotus e eles fizeram uma volta de honra, parando para pegar Mike Spence, também em uma Lotus, que havia quebrado.

A essa altura, os espectadores lotaram a pista em que correram depois que Clark cruzou a linha, mas outros carros ainda estavam correndo e, a volta de honra completada, eles cercaram Clark. A multidão no pit da Lotus havia se tornado tão grande que Clark foi até a área reservada para a Dunlop.

Enquanto ele estava lá, alguém se aproximou e o informou que a polícia italiana queria vê-lo imediatamente no escritório dos organizadores da corrida.

Clark foi até lá, com a multidão gritando ovacionando em seus ouvidos, ele acabara de se sagrar campeão mundial de Fórmula 1

A polícia solicitou que ele assinasse um documento escrito em italiano. Ele não conseguia ler. Eles explicaram que esse documento era um compromisso de que ele compareceria perante o magistrado local na manhã seguinte para responder a perguntas sobre o acidente com Von Trips. Clark naturalmente recusou a assinar um documento que ele não conseguia entender, ele queria um documento traduzido. Os policiais informaram que isso não era possível. Clark não entendia por que estavam fazendo aquilo com ele. Ele havia dado à polícia uma declaração assinada em 1961 e cooperado em um interrogatório de três horas em 1962.

Que novas informações, ele raciocinou, eles poderiam querer que ele se lembrasse dois anos inteiros após o acidente?

Ele negociou um acordo. Ele poderia deixar a Itália desde que deixasse o nome de um advogado italiano para agir em seu nome.

Uma declaração de Clark traduz o estado de animo que ele se encontrava na noite após sua conquista: “Quando percebi o que estava acontecendo, no que deveria ter sido uma noite de celebração triunfante, no meu caso me deprimiu tanto que tudo o que eu queria fazer era sair da Itália e não me importava se nunca mais voltasse ao lugar. Consequentemente, foi uma festa de vitória muito contida, animada apenas por uma briga de pães no hotel entre as equipes Lotus e Cooper. Este foi então o final bastante miserável para o que deveria ter sido o dia mais memorável da minha vida.

Ainda bem que a justiça prevaleceu e que esse stress passado pelo escocês não obscureceu seu tão merecido título.

 

Até próxima

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mário,

    Mais uma sublime culuna fazendo jus ao melhor que o GEPETO nos oferece. A história do automobilismo mundial

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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