No princípio… reinava o caos, antes que Zeus pusesse ordem no céu e encarregasse a Prometeu a tarefa de distribuir os bens entre os membros da recém-criada espécie humana. Porém Prometeu, desobedecendo ordens de Zeus, ousa roubar o fogo que portava o deus Sol e o entrega aos homens para que estes pudessem se desenvolver melhor na natureza hostil.
Zeus, muito contrariado, urde um plano para castigar Prometeu e os humanos, de maneira que ordena ao deus Hefesto que molde em argila uma figura de mulher capaz de atrair qualquer homem. A deusa Atenea lhe proporcionaria um elegante vestuário enquanto o deus Hermes lhe outorgaria a capacidade de seduzir e manipular. Assim nascia Pandora.
Zeus, finalmente lhe daria a vida, além de conceder-lhe uma caixinha que continha todos os males que haveriam de afligir o mundo, como a inveja, a fome, a guerra ou as doenças, ainda que sem que a moça soubesse disso. Apesar de ordenar-lhe que não abra a caixa, mas seguro de que Pandora não resistiria à curiosidade de ver o que havia nela, Zeus a envia de presente a Prometeu que, desconfiando de tanta amabilidade, declina o oferecimento. Contudo, seu irmão Epimeteu, sucumbe aos encantos de Pandora e, ainda em pleno idílio, Pandora, como Zeus havia previsto, acaba abrindo a tal caixinha. Nesse instante, os males que ali estavam logo escapam e se propagam pelo mundo. Quando Pandora, assustada, fecha a caixinha, o único que ainda havia nela era a esperança. Desde então, se responsabiliza a Pandora pelas desgraças que sofremos.
O polêmico fim do campeonato de 2021, com seu grotesco epilogo no GP de Abu Dhabi, ainda permanece vivo na memória dos aficionados à Fórmula 1. Desde o princípio, se pedia a demissão de Michael Masi, o diretor da prova, cuja intervenção resultaria decisiva no resultado da corrida e, com isso, na resolução do campeonato a favor de Max Verstappen, em detrimento de Lewis Hamilton.
Recentemente, a FIA anunciou que Masi foi liberado de sua função como diretor de corrida, pois se havia decidido programar um novo sistema pelo qual a direção das provas seria ocupada de maneira alternativa por Niels Wittich e Eduardo Freitas, estando ambos assistidos por Herbie Blash, quem durante muitos anos havia sido a mão direita de Charlie Whiting. Além disso, também contariam com a ajuda de uma “sala de controle virtual da corrida” localizada fora do circuito, mas com conexão direta com o diretor de turno. Porém, se Masi não fez nada errado… Por que não se incorpora como um dos membros desta nova estrutura de direção ?
Como acontece habitualmente, ninguém se responsabiliza de nada nem admite que aquelas voltas finais do GP em Abu Dhabi foram uma verdadeira vergonha, ainda que todas estas mudanças confirmem de maneira tácita que as coisas nunca deveriam ter acontecido como aconteceram. Assim, uma admissão clara e inequívoca implicaria a reparação do dano causado, e isso é o que se pretende evitar, deixando tudo como está e esperar a que “a poeira se assente”, fazendo Masi desaparecer da cena. Como diz o velho adágio: “De vez em quando é preciso que algo mude para que tudo siga igual! “
Após aquele nefasto final de campeonato, Masi tratava de se defender dizendo que, numa reunião prévia com as equipes, haviam acordado que era “altamente recomendável” que o GP terminasse em condições normais de corrida. Contudo, e como acontece com frequência quando alguém trata de justificar o injustificável, estas palavras apenas promoviam ainda mais suspeitas e perguntas sem resposta.
Puxa, para acordar um final de GP em condições normais de corrida… Não era necessária nenhuma reunião!
Ou acaso o que acordaram é que essas condições se deviam alcançar de qualquer maneira e a todo custo… Inclusive a custo de desprezar o regulamento?
Se for assim, estaríamos ante um caso de flagrante corrupção. Se for assim, a Mercedes teria sido vítima de seus próprios cúmplices de confabulação e, no que a mim respeita, até me alegraria disso, pois como sabido é, não se pode confiar em alguém que maquina para violar a lei e a Mercedes teria sido ingênua demais ao pensar que os outros respeitariam o acordo. No entanto, se houve verdadeira intenção de cumprir o regulamento até o fim, o correto em prol da justiça e da credibilidade da categoria, teria sido anular aquelas últimas voltas do GP, pois, havendo acordo ou não, foram disputadas sem cumprir com o regulamento e não constituíam “condições normais de corrida”. Contudo, todos sabemos que isto não vai acontecer!
Também tem sido muito habitual ver como a Masi se lhe tenta desculpar dizendo que a função de diretor está submetida a muita pressão: das equipes, da mídia, dos aficionados etc. Assim até parece que o coitadinho é um verdadeiro mártir digno de pena. No entanto, me resulta curioso ver como muitos dos mais famosos comentaristas sobre F1 estão entre os que exoneram Masi, em base a essa suposta pressão, dizendo que a sua função era muito complicada. Caramba, se fosse uma função fácil qualquer um podia ocupar o seu lugar, portanto se ele foi o designado, devemos entender que era o homem que reunia as condições para a função. Depois de sua inconsistência durante os três anos em que atuou como diretor ficou claro que não era, pois o que para ele num GP era punível… No outro não era! Portanto, Masi devia ter sido removido de sua posição muito antes.
Pergunto-me até se essas atitudes tão condescendentes com Masi se devem a uma verdadeira empatia ou ao fato de que quem as exibe precisa da autorização da FIA para ter acesso aos circuitos e, portanto, para poder trabalhar. Deste modo, não posso deixar de pensar que vivemos num mundo onde a mentira impera e quem diz a verdade corre o risco de ser ostracizado.
Ainda sobre essas supostas pressões, me parece que, precisamente, naquelas últimas voltas em Abu Dhabi, Masi não teve de cumprir a sua função pressionado, pois a corrida estava em suspenso e com os pilotos atrás do carro de segurança… Apenas circulando pela pista e sem disputar nada durante várias voltas. Em outras ocasiões em que um lance exige uma rápida decisão, posso admitir a pressão do momento e um erro nessas condições, ainda que lamentável, não é algo raro, porém neste caso ele não teve de reagir, mas simplesmente agir. Não era sua função decidir nada, pois tudo estava já estipulado pelo regulamento e só lhe cabia aplicá-lo (como já o havia feito anteriormente, como por exemplo, no GP de Eiffel). Deste modo, se o resultado não era satisfatório para alguém… Ninguém poderia culpá-lo de nada!
Malgrado isso, Masi decidiu assumir um protagonismo que não lhe correspondia e que teve graves consequências no desfecho da prova e do campeonato. A decisão de usar o carro de segurança ao seu “bel prazer” acabou sendo crucial para a definição de um campeonato que, até então, seria recordado como um dos mais interessantes dos últimos anos. Contudo, assim, será recordado por sua inglória intervenção.
No entanto, não posso deixar de pensar que, por incompetente que Masi fosse não creio que fosse tão estúpido para tomar uma decisão daquele calibre por sua conta e risco. Qualquer um podia prever que sua decisão de liberar a corrida de forma tão estapafúrdia e irregular não podia resultar em nada bom. Bastava-lhe não ter feito nada e tudo estaria bem feito! Mas Masi decidiu fazer e, apesar das consequências de sua ação sobre a credibilidade da FIA, não foi demitido nem então… Nem depois. Ainda não foi anunciado o papel que se lhe reserva a Masi, mas já foi confirmado que se lhe “designará” para alguma outra função dentro da própria FIA.
Assim, não posso deixar de pensar que Masi apenas foi uma espécie de Pandora, que como esta ao abrir a caixa dos males, se converteria no objeto de todas as críticas, mas que não foi mais do que um simples executor. No fim, como Zeus que por meio de Pandora, acabou satisfazendo seu desejo de vingança, a FIA (e/ou a Liberty ), viu aliviada como terminava a sequência de vitórias do duopólio Mercedes-Hamilton, que para muitos estava já resultando monótona e contraproducente para as audiências, enquanto que a Masi se lhe dedicavam todas as críticas.
Pandora, quando fechou a caixinha, já era tarde demais e nela restou apenas a esperança, e esperança é o único que nos resta também. Porém parece que a FIA se empenha em minar essa esperança que ainda temos, e cada vez resulta mais difícil abrigar alguma confiança em que a credibilidade e a integridade prevalecerão sobre interesses espúrios.
Um abraço e até a próxima!
Manuel Blanco
5 Comments
Só criticam Max, mas esquecem daquela palhaçada que foi o GP de Silverstone, em que Hamilton colocou Max pra fora e levou limpinho 26 pontos para sua conta.
Não fosse aquele episódio vergonhoso, e o Max teria liquidado a fatura bem antes do GP de Abu Dahbi.
Max Campeão Legítimo, Fato!
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Querido amigo Mauro,
não teria sido o Max Verstappen que jogou o carro em cima do Hamilton e assim jogou 26 pontos fora limpinhos na conta dele?
Se não fosse a falta de inteligência dem querer dividir curva com Hamilton, estando ele por fora, talvez quem sabe até acreditaria que ele poderia ter liquidado a fatura antes … aliás ali ele provou do seu próprio veneno ao se deu mal
Fernando Marques
Manuel Blanco,
dificil esquecer tudo o que aconteceu na Formula 1 em 2021 … aquela que pra pra ser a melhor e mais sensacional temporada deste século, simplesmente virou sinônimo possivelmente da maior mentira já vista na Formula 1. Eu não consigo, por exemplo, enxergar o Max Verstappen como campeão depois de tudo que aconteceu no GP de Abu Dhabi e por que não no GP da Belgica onde o Holandes também venceu uma corrida que não aconteceu …
A maior mentira com certeza foi a investigação da FIA e tudo o que foi decidido após …
Adorei a coluna …
Só acho estranho que o Hamilton tenha aceitado muito passivamente a decisão da investigação da FIA … assim também o que realmente aconteceu para a conduta de pilotagem esportiva do Max Verstappen em 2022 …
Fernando Marques
Niterói RJ
Fernando, concordo 100% com o seu comentário. Aquela corrida de Spa foi a maior palhaçada da historia da F1 e essa de Abu Dhabi uma das maiores marmeladas, candidatíssima a ser a maior.
Impressionante a pressão de integrantes das equipes sobre o Masi ao final da corrida, praticamente dando ordens.
Totalmente anti regulamento e anti desportivo esse conchavo para a corrida não terminar em bandeira amarela. Regras são regras.
E no meu entendimento a Mercedes pisou na bola ao retirar seu protesto, isso facilitou demais a vida da FIA e do Masi. Não compreendi até agora quais foram os motivos.
O mínimo que deveria ter acontecido era a anulação da pontuação relativa a essa corrida.
Mas havia todo um interesse para o Max ser o campeão, por causa do publico jovem que eles querem atrair e para ser criada a narrativa de um jovem derrotando um multicampeão mais velho.
Marcio D
” … Mas havia todo um interesse para o Max ser o campeão, por causa do publico jovem que eles querem atrair e para ser criada a narrativa de um jovem derrotando um multicampeão mais velho …”
Será mesmo que só este interesse seria suficiente para a própria FIA não respeitar seu regulamento? … Pensa bem … ainda mais no meio de tanta mentira … coitada da Pandora …
Fernando Marques