Os pilotos daquela foto – parte 5

Contraproducente
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O resto… veio depois – parte 2
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Confira as partes anteriores clicando aqui.

O ano de 1989 terminou após o dilúvio de Adelaide e o ambiente da Fórmula 1 estava estranho após os acontecimentos em Suzuka, em decorrência da disputa que acabou em batida entre Prost e Senna, e a consequente desclassificação do brasileiro por “cortar caminho” e ser auxiliado no retorno à pista.

Alain Prost havia sido coroado campeão e Ayrton Senna criticou violentamente o presidente da FISA Jean-Marie Balestre, acusando-o de manipular o campeonato mundial em favor do francês.

Durante o período do inverno, ambas as partes se envolvem em uma guerra aberta com troca de farpas. Balestre e seu estilo autoritário ameaça cassar a superlicença do brasileiro se ele não enviar uma carta de desculpas.

Senna por sua vez volta ao Brasil se abrigando no refúgio familiar e recusa-se a se curvar e ameaça não voltar para a Europa. Diz que, se a decisão de Balestre permanecesse, ele abandonaria as pistas. Nunca um piloto do naipe de um campeão em sua melhor forma havia refutado um dirigente, ainda por cima um tão autoritário

Ron Dennis busca convencer Senna a voltar atrás e tentar encontrar uma forma de fazer o brasileiro ceder sem se humilhar, para isso ele conta com o apoio de Bernie Ecclestone, que jamais deixaria o caldo entornar, já que isso seria péssimo para os negócios.

Em 2 de fevereiro de 1990, Ron Dennis paga a multa de US$ 100.000 que Senna devia à FISA desde que o Conselho Mundial havia julgado o comportamento do brasileiro após Suzuka.

Mas Balestre não recua e ainda espera que a carta de retratação seja enviada. O francês mantém a ameaça e estipula o prazo de 15 de fevereiro, que coincidia com a data final das inscrições de pilotos para a temporada de 1990.

Temendo que seu campeão fosse excluído, Dennis nos bastidores faz a seguinte jogada: promove o piloto reserva, Jonathan Palmer, ao posto de segundo piloto oficial, junto ao recém-chegado Gerhard Berger. Caso o assunto não se resolvesse até a prova de abertura em Phoenix nos EUA, ele alegaria que Palmer estaria “doente” e seu substituto seria… Senna

Mesmo no alto de seu autoritarismo Balestre não é estúpido e nos bastidores oferece a opção que evitaria privar a Fórmula 1 de um ídolo que já contava um grande fã clube no mundo: ele concorda em trocar a carta por um telefonema.

No entanto, como Senna teimosamente nega a opção e é atingido pela cartada de Balestre: em 16 de fevereiro, FISA publica a lista oficial de inscrições para a temporada de 1990 e… surpresa! O McLaren número 27 é concedido a Jonathan Palmer.

O mundo é pego de surpresa e Balestre, sabendo que acabou de vencer a batalha, oferece mais uma provocação ao declarar: “Seis meses sem Senna, e ninguém vai mais falar sobre isso. No passado, quando Jim Clark morreu a Fórmula 1 continuou sem ele”.

Uma força-tarefa foi montada por Dennis, envolvendo o presidente da Honda, Nobuhito Kawamoto, e após 8 horas de pressão, chegaram a uma carta assinada a ser enviada via fax em que Senna dizia em poucas palavras (construídas uma por uma) concluir que não havia acontecido manipulação no resultado do GP do Japão, embora saibamos que foram contra a sua vontade, e não havia sinceridade naquele jogo de palavras.

Balestre se dá por satisfeito e algumas horas depois a McLaren-Honda número 27 retorna ao seu detentor natural: Ayrton Senna.

No início de 1990, a movimentação dos pilotos foi bem intensa, Prost se juntava a Nigel Mansell na Ferrari, Gerard Berger substituía o francês na McLaren e era tido como um jovem promissor que seria um páreo duro ao brasileiro. Nelson Piquet mudou-se para a Benetton, e tudo levava a crer que, passadas as ações extrapista, haveria um campeonato muito disputado pelo melhor quarteto da história, todos em carros bem competitivos

O campeonato acabou sendo pelo terceiro ano seguido polarizado na disputa do título entre Senna e Prost, que conseguiu puxar o desenvolvimento da Ferrari em relação ao ano anterior, em que a McLaren havia sobrado mais uma vez. Ao final da temporada o brasileiro havia ganho 6 GPs, apenas um a mais que o eterno rival francês.

Algumas marcas expressivas aconteceram em 1990, houve a disputa da corrida de número 500, vencida por Nelson Piquet. Na disputa com seu novo e promissor companheiro, Senna trucidou Berger nos resultados na pista. Fora dela, ambos se tornaram bons amigos. Com o austríaco reconhecendo a superioridade do brasileiro, ele começou a brincar dizendo que em dias normais era quase impossível bater Senna num carro igual.

Na primeira metade da temporada de 16 GPs, a Ferrari sob a batuta de Prost se mostra bem competitiva e obtém 4 vitórias (Brasil, México, França, Grã-Bretanha) sendo que a vitória em Silverstone é a de número 100 para a Ferrari, primeira equipe a quebrar essa barreira. Enquanto isso, Senna acumulou com 3 vitórias (EUA-Phoenix, Mônaco, Canada). O campeonato, apertadíssimo, tem na tabela Prost com 41 pontos, contra 39 de Senna.

Enquanto isso, Nelson Piquet, com um carro que não está no nível de Ferrari e McLaren, vai obtendo pontuações regulares em quase todas as provas, com destaque para um segundo lugar no GP do Canada. Já Nigel Mansell é afetado politicamente por Prost no alto comando da Ferrari, e, de quebra, sofre vários abandonos, o mais cruel quando liderava com folga o GP da Grã-Bretanha. Após esse revés, ele anuncia uma chocante e precoce aposentadoria. No final do ano, porém, ele volta atrás e resolve ficar na categoria, retornando para a Williams, onde tinha tido seus melhores dias.

Na segunda metade da temporada Senna se impõe com 3 vitórias nas 4 primeiras corridas: Alemanha, Bélgica e na Itália. Esta última, em Monza, terra da Ferrari, tem um gosto especial por derrotar Prost na pista, ao mesmo tempo em que saía com boa vantagem de 72 a 56.

O GP seguinte é o de Portugal, em que Mansell mostrou ótima performance ao volante. Com o carro aguentando sua tocada viril, vence com Senna em segundo e Prost não passando de terceiro.

Prost então assume novamente a postura. Político como sempre, puxa para si a imprensa para falar de seus problemas. Mas calcula mal a tática ao reclamar da Ferrari, por não adotar o jogo de equipe, e que seu companheiro estando fora da luta pelo título havia prejudicado sua corrida.

A imprensa italiana não gostou de ver um piloto criticando a Ferrari; a imprensa inglesa não admitiu um francês falando mal do piloto querido dos ingleses, e a partir daí Prost perderia esses aliados, tendo suas críticas rebatidas pesadamente pelo chefe da Ferrari Cesare Fiorio (que não tinha a paciência de um Ron Dennis), e, claro, dos italianos e dos ingleses. Pela primeira vez em dois anos, Senna ficava fora dessas celeumas criadas por Prost e ampliava sua liderança no campeonato: o placar era de 78 a 60.

Na corrida seguinte, na Espanha, as Ferraris sobram na pista e fazem uma dobradinha, com Prost seguido de Mansell. Senna abandona a prova, mas mantém estratégicos 9 pontos de vantagem quando eles partem para a corrida no Japão. Lá, o titulo já poderia ser decidido caso o brasileiro chagasse a frente do francês.

Se nenhum dos dois terminasse, Senna levaria o campeonato. Para mantê-lo a disputa até Adelaide, a próxima e última corrida Prost deveria marcar pelo menos mais um ponto que Senna. Para Prost ainda havia o trunfo de contar com seu aliado, Jean-Marie Balestre e mais uma vez o dirigente francês se mete no caminho do brasileiro.

Todos os acontecimentos na relação dos dois desde a corrida anterior em Suzuka 1989 estavam novamente aflorando no fim de semana do GP em 1990.

Meses antes, na coletiva de imprensa pós-corrida em Monza, quando um jornalista perguntou por quanto tempo essa tensão duraria, com Prost e Senna sempre se ignorando calculadamente. De repente eles acabaram apertando as mãos e Senna declarou: “somos ambos profissionais e ambos estamos fazendo o mesmo trabalho. Talvez não tenhamos muitas outras coisas em comum, mas compartilhamos a mesma paixão e isso é muito importante para nós”.

Aparentemente a paz estava assegurada em Suzuka. Nos treinos de classificação houve uma verdadeira briga de gato e rato entre eles, com Senna obtendo a pole por uma margem bem apertada, com 1:36.996 contra 1:37.228 de Prost.

Na coletiva Senna falou palavras bem previsíveis:

Toda a equipe realmente contribuiu para o meu desempenho, homens e máquinas trabalhando extremamente bem, mas a corrida é longa e tudo pode acontecer. Tenho certeza que será a corrida mais emocionante da temporada. Nós e a Ferrari estamos muito próximos agora. Apesar da pressão que eu tenho, sinto realmente que estou em boa forma e naturalmente estou pensando no campeonato e este vai significar mais para mim do que em 1988”.

Um drama amargo e decisivo estava sendo encenado nos bastidores. Senna sentiu-se profundamente insatisfeito com o fato de a pole position estar à direita. Ele julgou que a pista tinha mais aderência à esquerda ocupada por Prost. Senna insistiu que a pole deveria conferir a vantagem que ela implicava e queria que a posição fosse invertida. Jean-Marie Balestre, que não compareceu a esse GP, ligou e proibiu a mudança.

Posteriormente, na verdade, um ano depois, Senna explicaria: “Antes de começarmos a classificação, Gerhard e eu fomos até os oficiais e pedimos a eles que mudassem a posição do pole porque estavam no lugar errado. Os oficiais concordaram e disseram que não haveria problema. E então o que aconteceu? Balestre deu uma ordem para que não houvesse a mudança. Nós dissemos que tinha sido combinado, os comissários voltaram atrás falando que eles disseram que não, nós não achamos isso”.

Senna continuou o desabafo: “Eu disse para mim mesmo: “OK, você tenta trabalhar de forma limpa e fazer o trabalho corretamente e então você fica com pessoas estúpidas. Tudo bem, se amanhã o Prost me vencer na primeira curva, eu irei para cima dele e é melhor ele não vir, porque ele não vai conseguir”.

Na formação, quando os carros vieram para alinhar no grid, só Senna sabia disso. Enquanto isso, Prost revelou a John Watson, agora fazendo comentários na televisão, de que a Ferrari poderia fazer uma boa largada até a quinta marcha. Watson sentiu que Prost estava bem confiante que largaria melhor e ficou completamente concentrado nisso.

Bem, o restante da história teve o desfecho mais polemico até então numa disputa direta entre dois postulantes a um título. Se em 1989 Prost havia fechado a porta numa chicane a uma velocidade relativamente baixa, dessa vez Senna, como previra largando do lado que ele não queria, sai mais lento e perde a ponta para Prost. Metros à frente, eles batem numa velocidade bem maior.

Revendo toda a cena e muito do que se comentou depois, foi um desfecho até previsível ante tudo o que aconteceu durante os dois GPs do Japão, em 1989 e 1990.

Senna: “É difícil, é arriscado, mas na minha posição eu tive que fazer isso. Eu acho que ele cometeu um grande erro ao fechar a porta porque ele teve uma chance que deu errado. Na posição dele, era a tática errada na primeira curva, apenas ignorando que eu estava apertando por dentro. Se ele não tivesse fechado a porta, nada teria acontecido porque teríamos passado pela curva, não posso ser responsável por suas ações. Ele está sempre tentando destruir as pessoas. Ele tentou me destruir no passado em diferentes ocasiões e ele não conseguiu e ele não vai conseguir porque eu sei quem eu sou e onde eu quero ir”.

Para o mundo da Fórmula 1 muitos destroços aconteceram nesse período e cada um tinha uma posição muito própria sobre esses acontecimentos, muitos pontos de vista. Para uns, a noção de que a batida de 1990 foi um resultado direto do que acontecera em 1989 na chicane; para outros, a alegação que o carro moderno tinha se tornado tão forte e seguro que os pilotos estavam começando a ignorar a noção de preservar a vida.

Novamente nas palavras de Senna: “Eu não me importo se eu perturbar Balestre. Acho que de uma vez por todas devemos dizer o que sentimos. É assim que deve ser. Existem regras que dizem que você não pode falar o que está pensando, não pode dizer que alguém cometeu um erro. Estamos em um mundo moderno, somos profissionais de corrida. Há muito dinheiro envolvido em muita imagem e não podemos dizer o que sentimos? Se você disser o que sente pode ser banido, você recebe penalidades, paga em dinheiro, desclassifica-se, perde sua licença. Isso é uma maneira justa de trabalhar? Eu disse que o que eu pensava e o que acontecia depois era teatro puro. Se você se baixa toda vez que você está tentando fazer o seu trabalho de forma limpa e apropriada, pelo sistema, por outras pessoas se aproveitando disso, o que você deveria fazer? Ficar atrás e dizer ‘obrigado, sim, obrigado’? Não, você deve lutar pelo que acha que é certo. E eu realmente senti que estava lutando por algo que estava correto. Eu lhe digo: se a pole estivesse do lado bom, nada teria acontecido. Eu teria um começo melhor. Foi o resultado de uma má decisão. E todos nós sabemos por que essa decisão foi tomada e o resultado foi o acidente na curva. Eu contribuí para isso, sim, mas não era minha responsabilidade”.

Senna obtém uma vingança implacável, na dupla Prost e Balestre, é aclamado o campeão de 1990. Olhando em perspectiva, foi um título merecido, mesmo para quem possa fazer reservas ante o acontecido em Suzuka.

E você caro leitor, qual sua opinião sobre esses acontecimentos?

Vamos concluir a saga desse período tão especial na próxima coluna falando dos campeonatos de 1991 e 1992.

Até lá!

Mario

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

2 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mario,

    eu continuo com o pensamento que tudo isso que aconteceu nas temporadas de 1989 e 1990 foi o climax da anti esportividade … foram momentosa históricos mas foram dias que mostrou ao mundo tudo o que de mais podre existia na Formula 1 como já disse aqui, deixou um legado perigoso para o futuro da categoria …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Mauro Santana disse:

    Grande coluna Salu!

    Eu no lugar do Senna, provavelmente, teria feito o mesmo, pois não é fácil lutar contra o sistema, e por isso que desde lá de 1990, eu entendo e compreendo a atitude dele.

    E a virtude Mansell na Hungria, foi incrível!

    Que venham as próximas!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

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