Arthur Alberto do Nascimento teve quatro filhos. Por isso, a indústria metalúrgica que fundou se chamava Nascimento & Filhos Ltda. Acurcio, Domingos, Alberto e Arthur Junior trabalhavam com o pai, fabricando cofres, arquivos, prensas e outros artefatos de metal.
Junior, nascido em 1902, cedo desenvolveu interesse por esporte, tornando-se remador do Clube de Regatas Tietê. Para quem conhece São Paulo hoje, convém informar que o trecho desse rio que corta a cidade não foi sempre um depósito de esgoto. Era comum as pessoas nadarem e remarem em suas águas então limpas, junto à Ponte das Bandeiras.
Com a crescente demanda por automóveis, Junior se interessou por domar esse novo animal na selva esportiva.
Como a Nascimento & Filhos ia bem e ele tinha apoio da família, Junior obteve um Buick para participar de sua primeira prova automobilística, aos 24 anos, a II Subida de Rampa – Taça Almeida Filho, disputada na íngreme Av. Brigadeiro Luis Antônio, em São Paulo. Chegou em 10º na categoria e 25º na geral.
Em 3 de agosto, com um poderoso Marmon, correu sua primeira prova de estrada, 160km entre a capital do estado e Tatuí. Foi sua primeira quebra. No dia 15, com o Marmon já consertado, vence a Taça “Rei do Volante”, que consistia em três provas, duas de habilidade e uma de velocidade, conhecidas como “Circuito da Cidade de São Paulo”.
O recém-coroado Rei do Volante participa em duas categorias da prova seguinte, o Quilômetro Lançado, realizada na Av. Paulista no dia 12 de setembro. Vence na categoria Sport e obtém o segundo lugar na categoria Turismo até 6.000cc.
A esta altura, Nascimento Junior estava completamente envolvido com automobilismo. Para 1927, compra uma Bugatti T35 e participa de três provas de velocidade, vencendo uma delas, e uma de habilidade. Em 1928, vence uma prova de marcha a ré logo no início do ano, com a Bugatti. Volta a competir somente em setembro, na II Prova Washington Luís, de 1.200km, percorridos nas estradas que ligavam São Paulo, Rio de Janeiro e Petrópolis, percurso de ida e volta, iniciando e terminando em São Paulo. Obteve o primeiro lugar na categoria Amadores até 25HP, com um Graham Paige 619.
Nascimento Junior era o que hoje se chama gentleman driver, mas no mais amplo sentido. Fora das competições, ele se notabilizava pelo trato afável e gentil com todos os envolvidos, rivais, organizadores, imprensa etc., como veremos mais adiante. Era o mesmo tipo de pessoa como patrão, tendo boa relação com os funcionários da Nascimento & Filhos. Em 1929, talvez pela crise econômica mundial, empresa e família requerem mais sua atenção e ele interrompe esta promissora carreira de piloto.
Volta em 1936, com um Ford V8 Adaptado de Corrida, um carro de passeio comum dotado de um motorzão, depenado de tudo que era supérfluo e re-encarroçado do modo mais competitivo possível.
O Automóvel Clube do Estado de São Paulo tinha sido fundado recentemente e sua primeira prova foi o “Grande Prêmio Thermal de Poços de Caldas” – e não é que Junior vence?
Vai então para o Rio, participar de duas provas. A primeira é a “Rampa do Ascurra”, uma subida de montanha, em que obtém o 6º lugar. A seguinte é para gente grande: o “IV Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro”, no circuito da Gávea, também conhecido como Trampolim do Diabo, que atraia pilotos e carros de ponta europeus, que naturalmente dominavam as principais colocações. Nascimento Junior abandona, com falha mecânica.
A prova seguinte já foi abordada aqui, o Grande Prêmio Cidade de São Paulo.
Sua temporada esportiva de 1937 começa em Porto Alegre, participando do “Grande Prêmio Folha da Tarde”, no chamado Circuito do Cristal. Ele e Norberto Jung, ídolo local, travam um belo duelo até que este tem problemas mecânicos, cedendo a vitória ao paulista.
Surge então a oportunidade de comprar uma das Alfa P3 que dominaram o primeiro Grande Prêmio de São Paulo. Com ela, Junior participa do “V Grande Premio Cidade do Rio de Janeiro” no perigoso Trampolim do Diabo, obtendo o 7º lugar. Em setembro faz sua primeira experiência internacional: vai para a Argentina, participar de duas provas. Abandona na 9a. volta da primeira, “500 milhas de Rafaela”, e obtém o 3o lugar na segunda prova, “Circuito de San Isidro”. Ambas foram vencidas por pilotos locais, Carlos Zatuszek e Carlos Arzani, respectivamente.
Começa a temporada de 38 na Gávea. Em 29 de maio, teve lugar o “I Circuito da Gávea Nacional”, apenas para corredores brasileiros ou residentes aqui, e Junior vence. Em 12 de junho, disputa a 6a. edição do Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, obtendo o 4º lugar, primeiro entre os brasileiros.
Volta a correr em São Paulo em 9 de outubro, “Prova Comercio e Indústria”, nas ruas do bairro do Pacaembu, sua ultima participação com a Alfa Romeo P3. Tendo comprado a Alfa Romeo 8C35 do argentino Carlos Arzani, mais moderna, vende a P3 para o colega carioca Geraldo Avelar.
Mas em 39 só pode participar do “II Circuito da Gávea Nacional”, em 29 de outubro. Com essa Alfa, faz a volta mais rápida, 7’48” 2/10, mas é obrigado a abandonar.
Nos preparativos para a inauguração de Interlagos, como bom cavalheiro, cede uma outra Alfa sua para Manuel de Teffé treinar. Nessa ocasião, 3 de junho, oferece um almoço em um famoso restaurante italiano aos jornalistas cariocas que vieram cobrir o evento.
Dois dias depois, ocorreu um incêndio em sua garagem. Perdeu um carro de passeio e dois caminhões mas, felizmente, a preciosa Alfa escapou ilesa. E deu retorno para o investimento: Nascimento Junior fez a pole, liderou de ponta a ponta e marcou a melhor volta, 4’09” 1/5. A prova foi no dia 12, com foto que ilustra esta coluna. Junior não voltará a competir até 1943.
Com a escalada da 2a. Guerra, tendo como efeito colateral escassez de diversos itens, combustível automotivo entre eles, a partir de 1942 o governo federal proíbe a circulação de todos os veículos movidos a gasolina. Óbvio que corridas de automóvel se tornaram um luxo desnecessário.
Mas foi desenvolvido um recurso tecnológico que contornava o problema: gasogênio. É um produto combustível obtido por meio da queima de carvão ou lenha. Ou seja, equivalia a uma churrasqueira sofisticada. Mas pesava em torno de 100 quilos e o aparelho ia atrelado ao parachoque traseiro ou dianteiro dos carros. Sendo uma indústria metalúrgica, nada mais natural que a Nascimento & Filhos entrar nesse novo negócio. Também nada mais natural que usar o nome do seu mais famoso sócio como marca. Para divulgar o produto Nascimento Junior resolve participar novamente de competições, permitidas exclusivamente para carros de passeio usando esse aparelho.
A primeira prova de que participou foi o “Circuito da Quinta da Boa Vista” (RJ), em 18 de abril de 1943, onde obteve o 2º lugar conduzindo um Chevrolet. Em 18 de julho, na “V Subida da Montanha”, realizada na Estrada Rio-Petrópolis (RJ), novamente 2º lugar. Em 29 de agosto, “Prêmio Interventor Amaral Peixoto”, inaugurando a estrada entre Niterói e Campos (RJ), 3º lugar. Em 24 de outubro, “Prova Interventor Fernando Costa” no autódromo de Interlagos, 7º lugar. Em 12 de dezembro, prova “Circuito da Amendoeira” no bairro do Flamengo, Nascimento Jr. vence, pela última vez.
Termina o ano como vice-campeão, atrás de Vasco Sameiro, que competiu com um Buick igualmente equipado com gasogênio da marca Nascimento Jr.
Falece, prematuramente, em 1945.
Carlos Chiesa
Fonte: http://www.bandeiraquadriculada.com.br/Nascimento%20Junior.htm
2 Comments
Fico feliz que você tenha gostado, Fernando. Há décadas se formou o conceito de que somos um país sem memória. Luto contra isso, com o que está ao meu alcance. Penso que esses pioneiros merecem ser mais conhecidos.
Chiesa
Que sensacional história.
Estou sem palavras só em pensar como era o automobilismo naqueles tempos.
Muito bom demais
Fernando Marques
Niterói RJ