Oscilações barenitas

Outra vez, Bahrain!
01/04/2016
Replay – parte I
06/04/2016

Nico vence mais uma, mas ainda não enfrentou um Lewis 'trouble-free' este ano.

Desde 2014, quando foi introduzida a regra dos carros com propulsores turbo-híbridos em substituição aos V8 2.4 aspirados, fiquei pensando se havíamos mudado de Era, ou se estávamos diante de uma continuidade da Era dos Pneus, que havia se iniciado no momento em que a F1 começou voltou a adotar os slicks (2009) e proibiu o reabastecimento (2010).

Em diversas situações, para chegarmos a uma conclusão sobre algo analítico, temos que esperar um pouquinho o passar do tempo.

A corrida de ontem no Bahrein (país não-democrático que viola direitos individuais e que nunca deveria ter recebido a F1) vencida por Nico Rosberg serviu para eu tirar essa minha dúvida: estamos diante de uma continuidade, pois a premissa da Era dos Pneus é justamente a de que os compostos são os grandes responsáveis pela dinâmica da corrida. (Pra quem quer saber mais sobre minha proposta de separação de Eras da F1, leia o começo desta coluna)

Isso porque o resultado da corrida pode ser basicamente explicado por dois fatores: primeiro pela largada, e em segundo pela estratégia de pneus que cada piloto seguiu. Neste ano, isso se evidenciou com a possibilidade de opção dos pilotos por mais de dois compostos para a corrida. O ideal seria liberar geral, sem obrigatoriedade de mudança de composto durante a corrida. Ainda assim, o formato vigente garantiu mais diversidade de desempenhos na pista e isso (pasmem!) é positivo no regulamento deste ano.

Ainda antes de falarmos da corrida em si, vale a menção sobre o melancólico fim do outrora “super excitante novo formato de qualificação”. Se a ideia era colocar mais carros na pista, o efeito foi o exato contrário, com todo mundo dando suas voltinhas e retornando rapidinho pra garagem para poupar pneus. Parecia os planos de estímulo à economia do Guido Mantega. O símbolo maior do fracasso do formato foi o diretor de prova agitando bandeira quadriculada para carro algum ao final da Q3.

Quando o novo formato foi aprovado, pensei que ele teria um fôlego de uns três GPs até que o cheirinho de novidade se esvaísse e as equipes já compreendessem como se joga esse novo jogo, transformando tudo num imenso marasmo que, pior, não ajudava a embaralhar o grid. Pois bem, nem o mais pessimista ia crer que em apenas duas corridas o fracasso seria tão grande. O formato precisa ser sepultado imediatamente, em cova rasa, para não perdermos tempo.

Penso que a única maneira de termos uma sessão de qualificação excitante seria o de dar pneus supergrudentos para os pilotos e boost extra no turbo (pressão de combustível irrestrita nos treinos). Não importa se com 12 voltas ou com sessões separadas em Q1, Q2 e Q3. O que importa é a característica do carro.

Teríamos, finalmente, bólidos transformados em cavalos xucros, e o retorno daquilo que podemos chamar de voltas voadoras. Nem todo conjunto de treino vai render o mesmo na corrida e finalmente teríamos um embaralhamento natural do grid. Mas isso é simples demais para os dirigentes entenderem. Eles gostam mesmo é de coisas complicadas e soluções que só trazem novos problemas.

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Por mais ridículo que seja, o sistema nos deu o grid, e ainda antes na volta de apresentação, tivemos o estouro do motor de Sebastian Vettel, que em muito lembrou o abandono de Michael Schumacher no GP da França de 1996. Nas duas ocasiões, separadas por 20 anos, “o motor do alemão da Ferrari fumou, foi pelos ares e ele não alinhou no grid”. Esperemos até 2036 para saber se isso vai acontecer novamente…

httpv://www.youtube.com/watch?v=xkdgXaRzy-4

A largada, como eu mencionei, foi determinante. Com Vettel fora, meu olhar para a largada foi exatamente em Kimi Räikkönen, já que a Ferrari havia arrancado tão bem em Melbourne. As Mercedes pularam do mesmo jeito que na Austrália. A diferença é que Kimi largou mal e quem partiu pra briga rumo à primeira curva foi a dupla da Williams. A manobra de Valtteri Bottas foi à la Wesley Safadão: 99% correta, mas aquele 1%… esbarrou em Lewis Hamilton. Posso dizer que o finlandês errou a manobra em não mais que 25 centímetros.

Diante desse primeiro esbarrão, Nico se safou ileso para (outra) vitória certeira. Kimi fez um burocrático segundo lugar, jamais em condição de ameaçar o líder. Ainda assim, provocou uma pontinha de preocupação na Mercedes, que para Nico realizou tática idêntica ao do finlandês da Ferrari, alternando pneus supermacios e macios a cada pit stop – três ao todo. Era apenas uma questão de “marcar” o adversário para não ser surpreendido. Deu muito certo, pois a corrida de ambos foi à parte do resto e sem sustos. Fica a sensação de que Vettel incomodaria mais caso tivesse corrido.

Após cair para 9º na largada, Lewis fez a opção pelos pneus médios em seu primeiro pit. Supostamente, a Mercedes quis dar a ele uma tática de uma parada a menos, mas quando perceberam que era furada, chamaram o inglês mais cedo, e os dois últimos stints foram de supermacio e macio, respectivamente, o que foi suficiente para garantir o pódio em terceiro.

Os danos sofridos na primeira curva provavelmente custaram performance a Lewis, mas não de 1 segundo por volta, como exagerou Toto Wolff. Fosse assim, tomaria um minuto inteiro de Nico, e não o meio minuto no final, com a bandeirada. Não obstante, a melhor volta de Lewis (na 43) na corrida foi apenas 2 décimos mais lenta que a de Nico (na 41). A de Kimi, terceira melhor (na 39), foi 6 décimos mais lenta,o que dá dimensão de quanto a Ferrari está atrás em desempenho ao menos em corrida.

Se a Mercedes entendeu que pneus médios não eram uma boa opção, a Williams não teve a mesma sensibilidade. Felipe Massa curtiu as primeiras na segunda posição até embarcar na furadíssima opção de duas paradas e uso severo de compostos médios, pra ficar sendo ultrapassado basicamente a corrida toda e terminar numa frustrante oitava posição. Por mais que a tática tenha sido absolutamente errada, meu questionamento é de saber se o carro 2016 da Williams é um potencial destruidor de pneus.

Daniel Ricciardo fez um bom 4º lugar, o mesmo de Melbourne, mesmo com o bico consideravelmente danificado na largada ao ficar encaixotado atrás de Bottas na primeira curva. E festa, muita festa para Romain Grosjean e mais uma excelente corrida pela estreante Haas.

A equipe dá mostras de competência logo de cara e ganhou minha simpatia. Que eles continuem vivendo o sonho americano. Grosjean basicamente puxou o ritmo o tempo todo, com três stints de supermacios e um macio pra fechar a prova.

Dois top-6 para um time que começou do zero é fantástico. Os americanos estão em quinto entre os construtores, mesmo com Esteban Gutiérrez zerando nos pontos. E a apenas dois pontos da Williams – 18 a 20.

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A situação do campeonato ganha contornos interessantes. Por mais que Nico tenha vencido as duas, e agora acumule cinco vitórias seguidas (uma vez que tenha vencido as três últimas de 2015), ainda não tivemos um Lewis ‘trouble-free’ nesta temporada. Quando ele finalmente tiver uma largada sem problemas, e isso é algo que a Mercedes está tentando resolver, teremos a real dimensão de como será o terceiro ano da batalha Lewis x Nico pelo título.

Por enquanto o placar é de 50 a 33. Parece muito, mas basta Nico não completar uma prova para não apenas zerar, como provavelmente reverter essa diferença. O terceiro do campeonato é Ricciardo, com dois quartos lugares. Isso porque os dois pilotos da Ferrari já enfrentaram problema de motor – a confiabilidade, por enquanto, é o maior inimigo por lá.

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Daqui em diante, poderemos apostar fichas em dois novatos que desde já mostram que são excelentes: Stoffel Vandoorne e Pascal Wehrlein.

O primeiro, campeão da GP2 e substituto ocasional do lesionado Fernando Alonso, largou e andou à frente de Jenson Button, mesmo com tão pouca quilometragem com a McLaren. Ao fim da corrida, foi brindado com um pontinho pelo 10º lugar – o único ponto da McLaren neste ano.

Pascal, campeão do DTM e protegido da Mercedes, está claramente andando mais do que sua Manor entrega na pista. O fato de ter largado num espantoso 16º lugar num carro que supostamente sempre fecha a última fila do grid, e de ter dado trabalho na corrida a carros melhores como Sauber, Force India (os dois pilotos tiveram pits emergenciais) e Renault, dá dimensão de seu potencial. Não duvido que pontue, e mais de uma vez, nesta temporada.

São pilotos que certamente merecem oportunidades futuras em carros melhores.

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Gostaria também de dedicar algumas palavras sobre a situação de Emerson Fittipaldi. Na noite de ontem, uma longa reportagem de 14 minutos da TV Record revelou que nosso campeão está à beira da falência, com uma dívida milionária. Credores pediram a penhora de praticamente todos os seus bens como garantia de pagamento, incluindo os carros de corrida que ele possui (Copersucar FD-04 e Patrick Penske PC-18), miniaturas, capacetes e troféus.

Todo homem de negócios pode, por diversas circunstâncias, passar por tempos difíceis. Que os credores recebam aquilo que é devido, mas que fique bem claro que é uma absoluta insensibilidade pedir penhora (para futura venda) dos carros e dos troféus. Isso certamente é o que Emerson mais preza, é o seu grande legado. As fazendas de laranja e os imóveis na Flórida não são nada perto do troféu do GP da Itália de 1972.

Ficamos na torcida para que ele se recupere. Em 1982, ele quebrou e deu a volta por cima nos Estados Unidos. Talvez seja hora no nosso Rato se reinventar novamente.

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No domingo também tivemos a MotoGP na Argentina, corrida sensacional em Termas do Río Hondo do começo ao fim. Mas o departamento de duas rodas eu deixo para outros colegas colunistas.

Abração!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. MarcioD disse:

    Caro Lucas,
    Concordo com você, que ainda não tivemos uma oportunidade de ver um confronto direto Nico x Lewis,em igualdade de condições, devido aos problemas de largada enfrentados pelo ultimo.
    A questão toda é que Rosberg vai se fortalecendo psicologicamente, apesar de Lewis ser mais rápido(continua fazendo as poles).Acho que o embate dos dois este ano promete ser empolgante.
    Quanto ao Emerson, ele sempre teve este lado empreendedor desde jovem; Lembro-me da construção de volantes,Karts, Vw de 2 motores, Fitti-porsche, Super -Vê entre outros, sempre ao lado do irmão.
    E também quando sendo um bi-campeão novo ainda, tendo chances de um tri,cometeu a loucura de embarcar no projjeto ainda incipiente da Copersucar.
    O fracasso foi tanto que chegaram a criar um personagem humorístico na TV só para goza-lo.
    Na época conseguiram se recuperar financeiramente e deram a volta por cima, espero que consiga o mesmo agora.
    Me parece que é um empreendedor ousado e inovador, mas que tem problemas de gerenciamento administrativo e ou financeiro e dificuldade na avaliação de riscos de negócios.

    Abraços,
    Márcio

  2. Rodrigo Felix de Souza disse:

    Fala amigo Lucas
    Como sempre preciso no texto!
    Às vezes faço um exercício de imaginar como seria se a F1 utilizasse de regulamentos de eras anteriores, um setback mesmo, por exemplo voltando a 1997, que na minha opinião foi o último ano de sobriedade da categoria…
    O curioso é que Todt é um homem vindo do Endurance, e lá as regras garantiram um bom campeonato ano passado, ainda que com domínio da minha querida Porsche. Não seria o caso dar um bota fora no francês e colocar alguém com mais cabeça de corredor na gestão da bagaça? Pode ser que o problema seja ele, e não Bernie.
    Sei lá. Apenas acho.
    E boa sorte para nosso Emerson. Realmente as relíquias das pistas não deveriam sair das mãos dele. Falando nisso, ainda tens a jaqueta da copersucar, né?

    Grande abraço, e a todos os gepetos também!

  3. Mauro Santana disse:

    Belo texto Lucas!

    Ao meu ver o Massa mais uma vez foi o “bum bum bum” da corrida, e como bem descreveu o Fernando, ele não tem poder de decisão nenhuma, o que é cada vez mais ridículo nestes pilotos de F1.

    Estou torcendo e muito pra Haas e pro Romain Grosjean, pois esta bonito de ver o que ambos estão fazendo.

    A respeito da situação do Emerson, nem sei o que dizer, pois foi uma tremenda surpresa saber desta situação, uma tristeza.

    E realmente, tirar estas peças que ele conquistou, por mais que estejas dentro da lei, é muito triste, principalmente sabendo que tem muitos políticos que são bandidos, roubam, e não acontece nada.

    Tomara que ele se recupere desta situação.

    E a Motogp foi demais, mas deixarei pra comentar com o pessoal das 2Rodas!

    Abraço e uma excelente semana a todos!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  4. Fernando Marques disse:

    Amigos do gepeto,

    Gostei da corrida.
    Não resta duvidas que Hamilton precisa reagir o quanto antes. O ponto fraco da Mercedes está na largada …
    Quanto a Ferrari, uma pena o motor do Vettel ter berrado. Ele é o único que pode fazer frente a trinca Hamilton/Rosberg/Mercedes. o Raikkonen andou bem e fez a sua parte mas em momento algum ameaçou a soberania alemã.
    Quando eu citei no decorrer da semana que o piloto deveria ter mais poder de decisão, o Flavis não concordou comigo. Pois bem será que o Felipe Massa não percebeu que sua Willians parecia uma carroça com aqueles pneus médios? Será que ele não percebeu isso mais cedo? Claro que sim, só que sem poder de decisão ele não pode fazer nada, como exigir que a equipe colocasse pneus macios ou supermacios e não ficar esperando alguma nova ordem da equipe. . Resumo foi uma decepção seu rendimento na pista ainda mais depois da largada, quando pulou de3 7º para 2º lugar e deu esperanaçãs de fazer uma boa carrera no Baheein…
    Quanto a situação do Emerson, é de se lamentar esta triste situação de falência, mais uma, em sua vida. Fica a impressão de que como administrador de empresas ele é melhor como piloto de corridas.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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