Primeiras respostas

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Finalmente Fórmula 1 2017! Tão ou mais importante do que saciar nossa vontade de ver carros na pista, toda primeira corrida do ano traz para nós, os entusiastas, as primeiras respostas do que podemos esperar para o restante da temporada.

Essa sede por respostas é amplificada porque sabemos que nos testes coletivos de pré-temporada as equipes fazem de tudo para mascarar o real ritmo e velocidade dos novos carros, que ora andam de mais, ora de menos. É um jogo de esconde-esconde e de blefes sem tamanho; afirmações categóricas do dia anterior viram piada no dia seguinte. Ter um só GP para analisar, apesar de significar tão pouca amostragem, nos traz pistas muito mais consistentes.

Ao resumo desse GP da Austrália de 2017:

Lewis Hamilton fez a pole, manteve a ponta, mas com um Sebastian Vettel sempre em seus calcanhares. Pressionado, Lewis derreteu seus pneus antes do esperado, fez seu pit no giro 18 e quando voltou, deu de cara com Max Verstappen, de uma Red Bull que ainda tem o que crescer. Sem chances de passar o jovem holandês, o inglês da Mercedes assistiu Vettel e sua Ferrari voltarem na frente dos dois após colocar pneus novos no giro 24, para não mais perderem a ponta.

Podemos ter a dimensão do tempo que Hamilton perdeu atrás de Max partindo de sua primeira volta completa após a saída de pits, ainda com trânsito livre, que foi de 1:27.5 no giro 19. Ao dar de cara com Verstappen, jamais fez abaixo de 1:28, chegando a terríveis 1:31. Se somarmos as “gorduras” acima de 1:27.5 até a volta 25, teremos Lewis a perder nada menos que 13.2s.

Mesmo considerando uma pequena decaída dos pneus nas voltas seguintes, naturais desses compostos Pirelli, numa estimativa mais pessimista possível pode-se dizer que o tempo perdido por Hamilton foi certamente superior a 10 segundos. Ficou até fácil a Ferrari conseguir colocar Vettel na frente.

O lance é claro pra mim: foi muito mais demérito da Mercedes do que mérito da Ferrari ter conseguido a ponta nessas circunstâncias. Mas claro, isso não justifica o chiliquinho do Toto Wolff esmurrando a mesa. Faniquito feioso.

A Mercedes perdeu este ano uma importante arma de seu arsenal: a FIA proibiu a suspensão comunicativa que equalizava a altura dos dois eixos em curva. Os carros prateados já se mostraram menos gentis que os da Ferrari no trato com os pneus, o que escancara o velho Calcanhar de Aquiles de Hamilton: sua voracidade por borracha.

Nestes três últimos anos, a Mercedes sempre foi o carro mais gentil nesse aspecto, mas parece não ser mais. Eu me sinto até um pouco idiota de não ter pensado nesse fator de desgaste dos pneus na pré-temporada. A Mercedes parece ter, de fato, mais velocidade, como demonstrou nos treinos livres e na qualificação. Mas a Ferrari dá mostras que possui um ritmo de prova vencedor justamente porque o decaimento dos pneus ocorre de maneira mais suave.

Podemos imaginar que, se Hamilton tivesse mantido na frente, Vettel iria cozinhá-lo por voltas e voltas até o final, e a grande pergunta que fica é se Lewis iria desgastar seus pneus a ponto de termos uma definição pela vitória na pista, e não nos boxes como acabou acontecendo.

Este é um cenário em que poderemos ter esperanças para as provas seguintes.

Nossas esperanças de uma boa temporada, entretanto, se resumem a torcer para que a Ferrari tenha finalmente chegado ao mesmo nível de competitividade da Mercedes. Porque de resto, a temporada promete ser de sofrível para enfadonha.

Quem resumiu isso de forma mais perfeita o novo cenário é o nosso colega colunista JC Viana. Em seu blog, a corrida australiana ganhou o seguinte título, primoroso por sua precisão: “Mais equilíbrio, menos emoção”. Caramba, que tacada certeira, queria ter pensado nisso primeiro!

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Como eu já havia previsto, essa nova Fórmula 1 dificultou as ultrapassagens. Só os tapados do grupo estratégico não constataram o óbvio de que não adianta dar mais aderência mecânica se o aumento de downforce disponível teve ganho igual ou superior. Não apenas as forças se anulam, como agora esses F1 freiam ainda melhor, o que dificulta as ultrapassagens em pontos de tangência, como também as asas mais baixas e largas praticamente anularam a atuação do famigerado DRS para ultrapassagens em reta.

Pra piorar, como os carros e pneus são mais largos, geram mais turbulência na asa traseira dos perseguidores, que simplesmente não conseguem ficar colados. Não sou engenheiro, não tenho estudos em mecânica de fluidos, não sou aerodinamicista, mas digo: esses caras fizeram uma burrice sem tamanho.

Os novos carros ficaram nitidamente mais rápidos. Mas as carreatas coloridas devem dar o tom da temporada, que terá muito mais ultrapassagens nos boxes do que na pista. Vão ser raros os momentos como aquele belo lance na volta 52 envolvendo a Renault de Nico Hülkenberg, a rósea Force India do novato Esteban Ocon e Fernando Alonso, aquele que vai ficar mais um ano no purgatório da McLaren.

Prevejo o aumento do consumo de café e de energético entre os entusiastas diante do sofá…

Valtteri Bottas, em sua estreia pela Mercedes, largou em chegou em terceiro. Fez uma exibição sóbria, e ainda teve a chance de mostrar no fim da prova que podia se aproximar de Hamilton. Não mostrou a velocidade do companheiro, mas ficou longe de fazer feio.

Outro que ficou na mesma foi Kimi Räikkönen, que não deu mostras de poder atacar pelo pódio, enquanto seu companheiro seguia para a vitória. Será que o ‘gap’ entre Seb e Kimi vai voltar a ficar grande este ano? De fato, a pergunta é se os finlandeses estarão a altura de seus respectivos companheiros ao longo do ano…

Se Mercedes e Ferrari prometem disputar o título, parece nítido colocar a Red Bull como terceira força, e a Williams como quarta. Max Verstappen fez um discreto 5º lugar, só sendo mostrado mesmo quando segurou Hamilton antes de sua parada. E Felipe Massa fez um 6º lugar praticamente sem ser notado. Seus companheiros tiveram problemas. Lance Stroll ficou sem freios, e Ricciardo, que havia moído o câmbio no qualify, largou com 1 volta de atraso, para ter um colapso no carro, que falhou no meio da corrida, para tristeza dos australianos.

Ainda nos pontos, dois carros da Toro Rosso, ensanduichados pelos carros da Force India – equipes que parecem ter poder de fogo parecidos. Estes podem ser incomodados pela Renault, e, em maior intensidade, pela Haas. Fiquei chateado quando o Romain Grosjean abandonou tão cedo, andando num convincente 7º lugar após ter marcado um delirante 6º tempo no grid.

Não se enganem: O motor Mercedes continua sendo o mais potente da praça. Todos os speed traps tiveram carros com propulsores na marca nas três primeiras posições. Na intermediária 1: Hamilton, Bottas e Massa. Intermediária 2: Bottas, Hamilton e Massa. Linha de chegada: Massa, Hülkenberg e Bottas. E na qualificação, outro banho em velocidades máximas: Stroll (328,6 km/h), Pérez, Hülk e Hamilton.

E não se enganem, parte 2: O motor Honda continua sendo o pior da praça. Stoffel Vandoorne estreou registrando sempre as piores velocidades em reta em todas as quatro marcações, enquanto Alonso, com faca nos dentes, conseguiu no máximo três posições acima disso, mas fez dobradinha com o novo companheiro de equipe na intermediária 2.

Em suma: um belíssimo motor de moer cana pra fazer garapa. Alonso lutou na zona de pontos até o fundo do carro quebrar (!) e Vandooorne arrastou-se para a última posição, dois giros atrás e último entre os que receberam a quadriculada.

Cuidado, Sauber! Desse jeito, a McLaren rouba de vocês o título de menor equipe do grid…

Abração!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

7 Comments

  1. MarcioD disse:

    Lucas,

    Concordo plenamente com você que esses caras fizeram uma burrice sem tamanho. Sempre achei ser muito mais interessante e mais barato para a categoria investir num maior aumento da aderência mecânica em vez de em aumentos substanciais de downforce. Isto que vimos acontecer neste GP já havia sido previsto por vários especialistas e pilotos ao analisarem o novo regulamento. Não adiantou o aumento da asa dianteira e nem mesmo o DRS fez efeito.

    Este investimento caro que a F1 tem feito no aumento de downforce tem mais prejudicado que ajudado ao longo dos anos.Isto até mesmo influenciou no surgimento dos Tilkódromos com suas longas retas, chicanes, estreitamentos, esquinas e grampos. Em termos aerodinâmicos teria sido muito mais negócio uma busca por maior diminuição do arrasto. Gasta-se menos combustível e as velocidades obtidas são maiores.

    Com a aderência mecânica ocorreu o contrario, ao longo dos anos diminuíram a largura dos pneus e até mesmo surgiram os pneus sulcados. Pelo menos corrigiram este ano aumentando a largura.

    Se no Tilkódromo chinês ocorrer uma repetição do que houve na Austrália as emoções da temporada toda se resumirão a uma disputa de boxes e de estratégias de pneus entre Ferrari e Mercedes.

    Gosto de ver o Totó Lobo se transformando em Lobo Totó, mostrando os dentes, resmungando e esmurrando a mesa. Se não me engano isto aconteceu 2 vezes ano passado. Eu acho bem divertido.

    Márcio

    • Allan Guimaraes disse:

      Marcio, talvez pela minha acidez e falta de meias-palavras tão em voga no politicamente correto (embora todos se achem mais espertos a ponto de dizer ao inimigo que conhece sua paternidade ao invés de ofender diretamente a mãe do mesmo), ninguém tenha me dado “bola” ao longo dos anos. Afinal, também sou saudosista, e ainda que a F1 de antigamente (70 até meados dos anos 90) não seja tão espetacular como muitos imaginam (corridas roda-a-roda a todo instante, em todas as provas), ainda assim pela ignorância da tal da aderência aerodinâmica, um carro vencedor numa prova não necessariamente iria vencer na outra… Some-se a isso pilotos com características bem distintas e tinhamos diversos vencedores em um ano.
      Dei volta para dizer que é esse o ponto. Concordo 100% com o Lucas e contigo. Porra, custava deixar a asa dianteira na largura da parte interna dos pneus da frente? Ok, há argumentos que tal peça hoje inibe o toque entre pneus, mas prefiro o arranjo da F-E do que essa peça cheia de pinduricalhos, mais parecendo a frente de um Peterbilt aplicado a uma Ford F-250… Por mim, nem asa na frente teria. Não sei se resolveria por completo, mas dou um dedo da mão esquerda em garantia de que a pressão na frene cairia, e obviamente a aderência aerodinâmica também. Os bólidos seriam mais traseiros, mas mais lentos no contorno da curva. Como a lentidão iria se dever a falta de aderencia na frente, quem vem atrás estaria no mesmo ritmo do da frente (haveria a aderencia mecanica). Enfim…

  2. Lucas disse:

    A única coisa que consegui pensar foi: Hamilton, de Mercedes e pneus novos, não conseguiu fazer absolutamente nada contra Verstappen, de Red Bull e pneus velhos. Tá cedo, eu sei, mas se isso é indicativo do que vai ser o resto da temporada, nem café nem energético ajudam… O fato de haver “duas equipes brigando” é completamente irrelevante se essa briga se resumir às “ultrapassagens de pit stop”.

    Espero sinceramente estar enganado, mas se continuar assim vai ser uma das temporadas mais chatas da história. E tinha quem reclamasse das anteriores…

    • Allan Guimaraes disse:

      Mauro, se o da frente não for bem, mas BEM mais lento, o de trás não vai conseguir fazer nada mesmo – independente do bólido e/ou piloto. No caso do Alonso, o mesmo falou que era 1s mais lento para economizar combustível (?????????), ou seja, esse tempo somado ao que o bólido já é pior em uma volta lançada…

  3. Mauro Santana disse:

    Grande Lucas!

    Então, eu gostei da corrida, mas, prefiro aguardar até o meio da temporada, pra daí poder ter uma melhor opinião destas novas regras.

    Só esperava mais do Raikkonen, porem, acredito que ele vai voltar a vencer, e, ser o campeão, pois afinal de contas, minha aposta foi nele.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  4. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    assisti apenas aos melhores momentos do GP da Austrália … e seu relato sobre a corrida foi bem parecido com aquilo que o video mostrou de melhor …


    Mas acho cedo para dizer se a Ferrari está realmente no mesmo nível da Mercedes ou não … isto por que Meubourne é uma pista meio que travada … é um circuito de rua com cara de autódromo … e acho que isso nivela as equipes “por baixo” … e isso pode ter sido bom para a Ferrari … e ruim para a Mercedes …


    Com relação a esta questão da Formula 1 estar mais difícil de se realizar ultrapassagens, acho que o grande piloto é que vai fazer a diferença … e isso pode ser muito bom vide a manobra do Alonso na corrida …


    No mais, só pelo fato da Mercedes não começar vencendo, já deixa um maior de expectativa no ar do que pode ser a temporada de 2017 … ver dois pilotos do mesmo time brigando por vitórias e/ou títulos da margem pra muita marmelada … se este ano for uma briga entre Hamilton/Mercedes x Vettel/Ferrari já será o bastante para dizer que a temporada de 2017 será melhor que a de 2014, 2015 2 2016 …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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