Questão de casca

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Antes de qualquer coisa, podemos chamar essa corrida de “GP de San Marino”? Topam?

[Sei que isso parece uma reivindicação de um velho rabugento de 80 anos, mas eu não tenho muita paciência pra essa história de renomear coisas que não precisam ser renomeadas. Lembram-se dos ossos rótula, perônio e omoplata? O que havia de errado com eles? Algum médico pode me dizer por que mudaram de nome? Bom, melhor parar de divagar…]

O fim de semana em Imola foi a confirmação de que a Red Bull tem um carro vencedor. De fato, eles ficaram a apenas 1 ponto de fazer 100% do que é possível uma equipe fazer em fim de semana de corrida Sprint. Max Verstappen venceu a corrida partindo da pole, marcou a melhor volta e liderou todas as voltas. Sergio Pérez completou a dobradinha no domingo e foi terceiro na Sprint – e foi só por isso que o time não ganhou nota 10 com estrelinha.

Ainda sobre a Sprint do sábado, esta revelou que a Ferrari teve desgaste mais acentuado de pneus macios nas voltas finais (algo que parece ter surpreendido o time de alguma forma), naquilo que foi a chance para Verstappen ultrapassar Leclerc e vencer.

E ao fim do domingo de corrida molhada, com a convincente vitória de Verstappen, saímos com o pensamento de que a temporada pode se desenvolver em um duelo Red Bull x Ferrari, Verstappen x Leclerc. A Ferrari pode até ter começado melhor a temporada, mas definitivamente terá uma rival pesada pelos dois títulos em jogo.

Sergio Pérez tem um papel claro de escudeiro e é grato pela oportunidade dada pela Red Bull. Ainda toma tempo regularmente de Verstappen, mas está mais próximo e mais eficiente. Adaptou-se bem ao regulamento.

Já Carlos Sainz, aquele que fez mais pontos pela Ferrari ano passado, vai se transformando em um segundo piloto involuntário na Ferrari diante de uma somatória de fatores. Mostrou-se menos adaptável que Leclerc ao novo carro, andou passando dos limites do carro em algumas situações e, para coroar a má fase, a horrorosa falta de sorte que teve durante os primeiros minutos da corrida de Imola, em que foi jogado para fora pela McLaren de Daniel Ricciardo.

A Ferrari viveu seu próprio Efeito Borboleta durante a corrida.

Interessante como é preciso realmente saber blefar e ter cuidado com o que se deseja. No giro 19, a Ferrari executou um blefe em que seus mecânicos se colocaram falsamente de prontidão para trocar os pneus de Leclerc, no melhor estilo rá-iéié-gluglu. A Red Bull mordeu a isca e chamou Sérgio Pérez, que estava de marcação.

Só que aquele realmente revelou-se o momento ideal de trocar os pneus intermediários da largada para slicks. Leclerc fez seu pit só na volta seguinte. Até saiu na frente, mas com pneus frios, não teve como segurar Pérez já em ritmo avassalador rumo ao segundo lugar.

Em último caso, foi isso que levou Leclerc a exagerar na volta 53 em sua caçada ao mexicano pela P2 e perder um pódio certo. O monegasco admitiu que exagerou, que cobiçou demais a segunda posição sem medir as consequências de uma pilotagem exagerada. Acabou atacando a chicane como se fosse um Philippe Alliot qualquer, rodando bestamente.

Acabou tendo tripla sorte: primeiro, não ficou atolado como Sainz (que segurou muito bem uma risada diante das câmeras quando viu a cena de dentro dos boxes da Ferrari, hehe), não danificou o carro de maneira séria e ainda teve tempo de escalar o pelotão do 9º para o 6º lugar.

Mesmo assim, é um resultado geral foi péssimo para uma Ferrari que corria em casa e com torcida toda a favor. Os 7 pontos perdidos nessa rodada podem assombrar Leclerc daqui em diante. Ele vive uma situação inédita de vida em que é a de ser um sólido líder da tabela.

E é basicamente agora que testemunharemos do que Charles Leclerc é feito. Apenas os grandes campeões são capazes de ter nervos de aço para vencer quando podem e acumularem o máximo de pontos que o equipamento permitir em situações menos favoráveis. Tal tarefa é tão difícil que, reitero, apenas grandes campeões o conseguem.

Neste momento, o que podemos destacar é que seu maior rival pelo título é, de fato, Max Verstappen e por sua luta muito dura com Lewis Hamilton ano passado já provou ter “casca”. Está vacinado, já tem calos nas mãos. Já lidou com esse tipo de pressão, já quebrou a barreira da vitória, já assumiu um compromisso de pilotagem de excelência sem errar – sobretudo diante de um regulamento de pontos tão punitivo aos abandonos.

Leclerc vai criar casca durante o ano? Essa parece ser a melhor pergunta de momento.

Há algo no ar, uma afirmação que faz sentido, que sugere que Lewis Hamilton não sabe mais guiar carros problemáticos – algo que o novo carro da Mercedes certamente é. Faz ainda mais sentido quando olhamos para seu novo companheiro de equipe, Gorge Russell, que desde que chegou na F1 só havia guiado carros problemáticos e tem conseguido mais e melhores resultados, não apenas em corrida como em qualificações.

A lembrar: em Imola, Russel [foto] foi quarto. Hamilton foi péssimo-terceiro, digo, décimo-terceiro. Uma volta atrás.

Por falar em carro problemático, a McLaren, que estava fechando o grid da primeira corrida, conseguiu um tremendo salto competitivo, a ponto de colocar Lando Norris no pódio. Mas por enquanto só ele, Norris, conseguiu transformar essa evolução em resultado. Daniel Ricciardo ainda está com bastante dificuldade para se mostrar competitivo.

Em meio a tantas figuras assistindo ao pódio, deparei-me com a do Adrian Newey. Ele ultrapassou a condição humana, é um druida, um bruxo, um mago. Sou a favor de erguer uma estátua, com uma placa escrita “”Homenagem a Adrian Newey: projetando carros sensacionais na F1 desde 1988”.

Precisamos falar sobre o DRS.

Em suas primeiras 35 voltas, devido ao asfalto úmido, a corrida não teve habilitado o dispositivo. E não fez a menor falta. O regulamento técnico deste ano foi pensado para que carros pudessem andar mais próximos uns dos outros com a introdução de desenhos que geravam menos ar turbulento para quem vai atrás.

Os números são interessantes: até 2021, a perda de downforce para quem ia atrás era de 35% andando a 20m de distância, problema que se elevava para 46% andando a 10m. Para 2022, a projeção é que carros perdem apenas 4% andando a 20m e 18% andando a 10m. Deste modo, o DRS parece estar com efeito muito amplificado para os carros deste ano.

Sempre fui contra o dispositivo, por considerá-lo injusto, algo artificial que vai contra a isonomia do esporte. E está muito “protuberante” agora.

Ou a F1 pensa seriamente em diminuir seus efeitos, ou corta logo de uma vez. Eu ficaria bem feliz…

Hora de fazer a matemática. O cenário de dois abandonos nos três primeiros GPs do ano parecia bem custoso para Verstappen. Eles chegaram a Imola com 71 x 25 no placar – isso mesmo, Leclerc tinha quase o triplo e Max era apenas o sexto colocado.

Mas houve um considerável desconto dessa distância neste fim de semana. Era um abismo de 46 pontos e, como num estalar de dedos de Angelo Snaps Provolone (Google it), foi enxugado para 27 pontos. O placar agora é de 86 x 59

Ainda é uma distância considerável e saberemos como será a gangorra competitiva entre as equipes a partir de Barcelona (próximo assunto).

Para quem esperava grandes atualizações neste que foi o primeiro GP europeu do ano, ficou surpreso. Equipes não vieram com novidades dignas de nota. E o motivo é muito simples: o fim de semana de Imola ficou totalmente comprometido pelo formato Sprint – essa “solução” que não consertou problema algum.

Equipes sabiam que teriam pouco tempo de pista para avaliar e ajustar novos componentes para o carro, dada a limitação dos treinos. Pra piorar, todo mundo sabia que Imola teria uma meteorologia instável.

Então, as atualizações mais importantes ficarão para a chatésima Barcelona, pista que todo mundo conhece e que terá fim de semana comum. Não sem antes irem a Miami, em uma corrida que eu crio zero de expectativa.

Checo Pérez semana passada deu uma volta no que será a pista, ainda não finalizada, usando um carro 2011, pré era híbrida. Não é um bando de curvas a 90º como Phoenix, mas nada pareceu empolgante. E o asfalto estava absurdamente sujo. Era nítido o trabalho do piloto para manter o carro estável e minimamente conseguir tração.

Já sei por que Leclerc errou clamorosamente e jogou fora o pódio. Foi porque passou muito tempo deste fim de semana em companhia de Jean Alesi.

 

Sim, piadinha maldosa, foi mal, hehe.

 

Abração!

 

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

1 Comments

  1. MarcioD disse:

    Que reação da Red Bull!! Acho que o Binotto não esperava nesse nível …… E curiosamente veio numa das “casas” do adversário principal desse ano. Isso é bom para apimentar o campeonato, tornar as coisas menos previsíveis e nisso está a emoção maior do esporte. Agora temos 2 vitórias para cada lado e se computarmos a corrida Sprint o placar está em 3×2 para a Red Bull, virada no jogo que estava em 1×2.

    Acho muito difícil uma reação desse nível na Mercedes, o carro é muito mal nascido e temos as limitações orçamentárias.

    E o que faz uma mudança de regulamento hem? Quem poderia imaginar ano passado que em 2022 Leclerc lideraria o campeonato de pilotos e a Ferrari o de construtores, a Mercedes se daria mal, Hamilton chegando a tomar volta de Max , perdendo feio para o companheiro de equipe(a idade está começando a pesar hem….) e suando para tentar passar uma Red Bull B. Bottas se dando bem na Alfa e a invasão da Ucrânia pela Rússia dando oportunidade para o Mick levar uma surra do Magnussen? Se ele não reverter o jogo dificilmente será chamado a pilotar por uma equipe grande.

    E tanto Russell quanto Norris estão guiando fino.

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