Resignados à Esperança

Temporada 2014 – parte III
31/01/2014
Jornalistas têm de ser azedos
05/02/2014

A equipe RedBull vem exercendo um domínio que se prolonga já por 5 anos... Será que em 2014 isso irá se repetir?

Lá pelo ano 480 antes de Cristo, o rei persa Xerxes havia reunido um enorme e poderoso exército que lhe estava permitindo estender seu império, esmagando todo aquele que ousava enfrentar-se lhe. O sonho de Xerxes era conquistar Atenas, todo o território da Grécia, e submeter seus orgulhosos habitantes. Xerxes pretendia, assim, vingar seu pai Dario, que anos antes, já havia tentado conquistar Atenas, mas fracassou ao ser derrotado na batalha de Maratona.

Porém, desta vez, Xerxes estava convencido de que a vitória seria sua. Ao saber do avanço de Xerxes, os helenos iniciam os preparativos para se defender, e o rei espartano Leônidas assume a dura responsabilidade de se constituir na primeira linha de contenção da ofensiva persa. Assim, plenamente decididos, os escassos mas aguerridos espartanos se preparam para a chegada de Xerxes no desfiladeiro conhecido como as Termópilas.

Durante os preparativos, Leônidas recebe um observador que lhe informa sobre o inimigo: – Majestade, o exercito persa é não numeroso que suas tropas ocupam todo o horizonte e avançam de forma imparável!

Leônidas escuta impassível o relatório do observador e este continua: – Majestade, Xerxes conta com milhares de arqueiros que, quando lançam suas rajadas de flechas, estas chegam a ocultar a luz do sol!

Ao ouvir este comentário, Dionece, um fiel general de Leônidas, exclama: Melhor, assim combateremos à sombra! Palavras estas às que Leônidas assente com a cabeça. Contudo, apesar da bravura de Leônidas e do arrojo de seus espartanos, como era de esperar, Xerxes lhes acabaria aniquilando, mas não sem pagar um alto tributo em vidas. Os três dias que Leônidas resistiu nas Termópilas, unido às enormes baixas que causaram ao inimigo, foram decisivos para que os persas fossem, finalmente, derrotados pelo resto de exércitos helenos. O sacrifício dos espartanos não havia sido em vão! 

A temporada de 1962 chegava ao seu fim com o GP da África do Sul, a ser disputado no circuito do príncipe Jorge, em East London no dia 29 de dezembro. Graham Hill e Jim Clark dirimiriam o título pois qualquer um deles que vencesse, seria o campeão.

Clark, uma vez mais, havia conseguido a pole mas Hill partia ao seu lado. Dada a largada, Clark toma a liderança seguido de Hill. Clark, imprime um forte ritmo que só Hill é capaz de seguir mas, com a maior parte do GP já transcorrido e com vantagem de alguns segundos para Clark, Hill percebe que a agulha do indicador de temperatura começa a subir vertiginosamente. Não havia dúvida de que naquelas condições o motor não aguentaria até o fim da prova.

No entanto, Hill não se dá por vencido e lança um feroz ataque sobre Clark, mesmo consciente de que se forçava o motor, este não duraria muito tempo. Porém, ao ver Clark como Hill crescia em seus retrovisores, o escocês tenta escapar e, com esse esforço, foi o seu motor o que acabou quebrando. Com Clark fora da corrida, Hill só teve de moderar o seu ritmo para poupar o motor e vencer a prova… e o campeonato.

Em ambos os casos, tanto Leônidas quanto Hill não se resignaram à derrota, por mais evidente que esta se apresentasse. O sacrifício de Leônidas permitiu a posterior vitória dos helenos sobre os persas, e a decidida determinação de Hill lhe foi premiada com o ansiado título.

A equipe RedBull vem exercendo um domínio que se prolonga já por 5 anos. Incluo a temporada de 2009 pois, não fosse o buraco no regulamento sobre os difusores que permitiu à Brawn tomar vantagem no principio do ano, é muito provável que Vettel também tivesse vencido aquele campeonato. Em algumas temporadas sua vitória foi mais clara que em outras, mas sempre foram a equipe a bater e neste passado campeonato seu domínio foi absoluto.

Isto, sem dúvida, é o fruto de um trabalho bem feito e consistente que a ninguém deve molestar… exceto aos seus rivais. Com frequência, perante esse domínio da RedBull e quando desfrutavam de vantagem na classificação, limos e ouvimos comentários no sentido de que seus rivais, nesse contexto desfavorável, preferiam dedicar seus recursos a desenvolver o carro do ano seguinte, antes que continuar lutando por um campeonato que já davam por perdido.

Dito assim, até parecia a opção mais lógica e ninguém apresentou nenhuma objeção ou reticência. No entanto, devo dizer que essa sempre foi uma atitude que me resultava, no mínimo, conformista pois na competição não há alternativa à vitória. O que estavam dizendo com essa atitude é que se resignavam à derrota para preparar o carro da seguinte temporada, e a todos lhes parecia a coisa mais normal do mundo.

Mas, diabos! acaso as equipes que renunciavam a seguir lutando podiam saber que o carro que preparariam para a temporada seguinte seria capaz de lhe disputar a supremacia à RedBull? Acaso contavam com que a RedBull não conseguiria, também, melhorar seu próprio carro? Em base a que fundamentavam suas expectativas de reverter a situação no futuro?

A realidade empírica é que a RedBull, tem progredido com firmeza e seu único ponto débil em todo este tempo tem sido seu KERS. Com muita mais frequência que seus rivais, os carros do touro sofreram falhos em seus KERS ou estes simplesmente deixaram de funcionar em mais de uma ocasião. Contudo, sua superioridade até lhes permitia o luxo de não depender desse item para seguir ganhando.

Porém, conscientes dessa debilidade, RedBull parece haver tomado providências ao respeito e, para o ano que vem, quando os sistemas de recuperação e armazenamento de energia serão ainda mais importantes do que até agora foram, a equipe contará com a inestimável colaboração da Infiniti (uma das empresas lideres nessa tecnologia) para o desenvolvimento de seu sistema. Assim, se a RedBull continuar seu domínio… como justificarão seus rivais haver “renunciado” ao campeonato de 2013?

Outro ponto que entra em conflito com essa politica de “se concentrar no próximo campeonato” é o fato de que ao fazê-lo, logicamente, a RedBull também ficava liberada para se dedicar à mesma tarefa. Ainda pior: isso lhe permitiu conseguir uma quantidade enorme de pontos que, em definitiva, se trata de mais dinheiro que podem gastar em desenvolver seu novo carro.

Enfim, em teoria não vejo motivos para pensar que a RedBull deixe, de repente, de ser a equipe competitiva que vem sendo. Pondo a um lado o aspecto materialista da questão, a parte esportiva e, talvez, até romântica desse assunto é o que mais me chateia. Deixar de buscar a vitória em prol de um futuro incerto, me parece uma atitude bastante discutível e pouco digna do esporte.

A Fórmula 1, supostamente, se trata de uma competição esportiva, portanto renunciar a competir é uma falta de consideração e respeito ao rival. O mérito da vitória depende das dificuldades enfrentadas e da resistência oferecida pelo rival a ser derrotado. A grandeza do ganhador depende da grandeza do perdedor, e deixar de competir equivale a privar o vencedor do mérito da vitória e da glória que isso representa.

E o pior é que essa falta de respeito também é para com os aficionados que pagam, pagamos (de um modo ou outro), por presenciar uma verdadeira competição. Mas, parece que os aficionados aceitam esse comportamento (eu não vi ninguém se queixar). Parecem até assumi-lo como uma alternativa válida de futuro, talvez com a esperança de que no próximo campeonato as coisas melhorem e que nesse ansiado futuro haja a disputa que se deseja ver. Parecem, até, resignar-se à esperança.

Hoje, casos como o de Hill são impensáveis na formula um atual, pois, numa situação como aquela, logo teríamos a algum engenheiro dizendo ao piloto que cuide os pneus, que poupe combustível, que vigie os freios, que mantenha a posição, ou seja lá o que for. Isto coíbe os pilotos, que passaram de decidir o que fazer a fazer o que se lhes diz. Se os engenheiros tivessem sabido que Patrick Depailler, nas voltas finais daquele GP da África do Sul de 1978, andava escasso de combustível, o mais provável é que lhe tivessem dito que o poupasse, privando-nos da bela disputa pela vitória que manteve com Ronnie Peterson.

Se os engenheiros tivessem sabido que o carro de René Arnoux, nas voltas finais daquele GP da França de 1979, tinha problemas com uma das bombas de combustível, o mais provável é que lhe tivessem dito que garantisse o terceiro lugar, privando-nos, também, da disputa que manteve com Gilles Villeneuve pelo segundo lugar, possivelmente, o melhor duelo da história da Fórmula 1.

Leônidas, mesmo sabendo de sua certa derrota, combateu com tudo até o fim e, assim, concedeu aos seus aliados a oportunidade de vencer o inimigo. Hill, ainda perante o provável abandono, não se resignou e sua determinação foi recompensada. Atitudes como as de Leônidas e Hill são as que deveriam prevalecer no esporte. Se a RedBull é a equipe a bater, não se deve deixar de tentar batê-la.

Não se lhe deve “dar quartel” nem conceder nunca nenhuma facilidade, pensando que as coisas serão diferentes no campeonato seguinte, pois não devemos esquecer que, no fim das contas, o futuro não é um recurso confiável Na competição, sempre há vencedores e vencidos, mas não há derrota mais honrosa que aquela brigada ao limite. Para o vencedor fica a glória, mas para o perdedor fica a honra. Assim, como a glória da vitória é fugaz mas a honra é para sempre, que melhor derrota que uma honrosa?

Abraços e até a próxima.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

9 Comments

  1. Outro bom exemplo desse tipo de recompensa nos foi dado por Prost na Itália em 1988.
    Sabendo que não poderia vencer, e que seu motor estava condenado, o francês conseguiu bolar e executar uma estratégia que privou seu rival do triunfo.
    Mais um excelente texto, instigando reflexões para a vida.

    • Manuel disse:

      Oi querido Márcio,

      No fim das contas, a formula um apenas é uma representaçao em escala reduzida do mundo que nos rodeia. Nada do que acontece na formula um, deixa de acontecer lá fora.

      um abraço, Manuel

  2. Mário Salustiano disse:

    Manuel e amigos

    Sabem aquela chamada: “acontece na vida, acontece no…” , infelizmente esse é um reflexo da sociedade, o que eu mais gostei do texto é a alusão que você faz ao não se deixar levar pelo espirito da derrota, antes do final e sim, os exemplos que você traz são emblemáticos, desses só não vi o disputa de Hill e Clark, afinal eu só tinha alguns meses de vida quando isso ocorreu, a disputa entre Villeneuve e Arnoux ainda hoje está bem nítida na memória , eu somaria mais dois exemplos recentes aos que você citou ,de pilotos que não se renderam a derrota eminente e perderam de cabeça erguida, até valorizando a vitória do rival, a primeira foi a postura de Senna no campeonato de 93 , levando a cada prova um espirito de luta naquela que considero sua melhor temporada das 10 que disputou, Prost correu com a Williams do outro mundo como a chamavam na época e diferente de Mansell 92 seu título na minha opinião foi mais valorizado que o do inglês, que sempre é lembrado como tendo sido muito fácil, diferente de Prost. O segundo exemplo que lembro foi Alonso em 2012, ele lutou bravamente até o último GP, quando todos davam como certo uma vitória fácil de Vettel e quase deu certo, por pouco o alemão não perde aquela.
    Mas se olharmos ao nosso redor já faz muito tempo que o mundo está pouco se lixando para os que perdem de cabeça erguida, aliás em tempos que a palavra herói é tão batida, chegando mesmo aos limites da vulgaridade quando fazem alusão a membros de uma casa dita famosa e suas peripécias e pseudos atos de “heroísmo”, tintas e tintas são gastas todos os dias para noticiar o que nossos heróis fazem embaixo do edredom, e esse é um exemplo que é uma gota d’água nesse oceano de banalismo

    Um outro ponto é que com a facilidade que a tecnologia nos trouxe ao nosso cotidiano houve um nivelamento por baixo das habilidades e competências que uma pessoa precisa ter hoje em dia, com certeza muitas coisas boas aconteceram em função da tecnologia, mas na justificativa de somar esforços e habilidades esse compartilhamento de informações é neurastênico,hoje jovens no ambiente profissional tem uma baixa atitude de iniciativa pois é muito fácil ligar ou escrever e-mail pedindo orientação ao chefe, na F1 o o que vemos é rádio em profusão com engenheiros ditando o tempo inteiro o que está acontecendo, como tipos como Raikkonen são singulares, com coragem de peitar e fazer como bem entendem o que prevalece é aquele tipo que morre de medo de perder sua vaga para alguem mais submisso,

    Mas vamos torcer para que esse ano o imponderável dê suas caras e faça dessa ao menos uma temporada menos previsível

  3. Carlos Chiesa disse:

    Belo angulo, Manuel. Essa é uma das razões porque a F1 está menos esporte do que deveria ser.

    • Lucas Giavoni disse:

      O Chiesa expressou todo o que penso. Gosto de textos que me fazem refletir sobre temas dos quais nunca explorei. Realmente mexeu comigo.

      Abração e parabéns, querido amigo Manuel.

  4. Fernando Marques disse:

    Um dia RBR vai perder … quando? … não sabemos ainda …
    Vale lembrar que treino é treino e corridas são corridas
    Por enquanto ninguém pode afirmar nada …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  5. Robinson de Carvalho Araujo disse:

    A volta dos turbo comprimidos abre muitas brechas para especulações, lembranças dos anos 80 e de seus quatro campeões inesquecíveis domando as máquinas.
    Numa realidade em que os valores financeiros falam mais alto do que a competição a turma que determina regras tenta buscar nesses corações saudosos novamente a atração pelo esporte. O importante mesmo são as cifras, lucro mesmo.
    Quando a razão toma conta de resultados nada mais pode acontecer do que o previsível.
    Vettel e seu Red Bull representam bem isso neste momento e será um excelente quebrador de recordes artificiais, já que, neste momento, tem sido o maior atrativo da categoria.
    Esperemos, ao menos, uma primeira metade de campeonato mais equilibrado e com boas surpresas.
    Após quase vinte e seis anos sem um turbo passeando pelo circo da fórmula 1 não é tanto assim que podemos esperar. Outros momentos, outras tecnologias. Passaram-se, realmente, vinte e seis anos!
    Uma boa temporada a todos!

  6. Mauro Santana disse:

    Belo texto Manuel!

    E cada vez menos os pilotos decidem o que fazer em um GP, o que é lamentável.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Ballista disse:

      Este é o ponto que mais me preocupa. Apesar de possuirem trocentos botões no volante para alterar o equilíbrio do carro, toda e qualquer decisão é tomada pelo pessoal nos boxes. A F1 deixou de ser uma corrida de carros, e passou a ser uma corrida de dados…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *