Saudades de Interlagos

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Despedidas
23/11/2012

As memórias, o movimento, as cores, o som, a emoção possível. Curtam isso, como eu curtirei, domingo, em Interlagos, e esqueçam a inocência perdida. Eu estou tentando esquecê-la.

Quando, no verão de 1974, durante os testes pré-temporada, eu e Roberto Agresti ajudamos a empurrar o McLaren de Emerson Fittipaldi dos boxes de Interlagos até a garagem que a família mantinha defronte ao portão do autódromo – um guarda solícito parou o trânsito de fim de tarde para que pudéssemos atravessar a avenida -, estávamos mais do que curtindo a saudável bagunça do automobilismo brasileiro e mundial daqueles tempos; estávamos vivenciando uma inocência própria da época e que não volta mais.

Dinheiro era importante naquela altura, para mim e para Emerson. Boa parte do título dele naquele ano deveu-se ao fato da equipe dele ser certamente a mais rica do grid. Mas havia espaço para a inocência, para uma paixão mais simples e verdadeira, a vaidade e a ambição desmedidas institucionalizadas hoje sendo contidas por aquilo que os nossos avós haviam nos ensinado. Tenho, claro, saudades desse tempo, como tenho, também, de jogar futebol na rua e morar em uma casa separada do mundo por uma mureta alta não mais do que meio metro.

Mas tudo ficou para trás. Adeus moleques que pulavam as grades e rondavam os boxes em busca de uma oportunidade de falar com os pilotos. No seu lugar, vieram os banqueiros, administradores e profissionais de marketing ligeiros, raspando cada dólar possível e se vangloriando disso. A inocência foi atropelada por uma motoniveladora sem freios e escrúpulos e sepultada em cova rasa e anônima. Só uns poucos choram por ela.

Hoje, o acesso aos boxes é vendido a peso de ouro. É possível se aproximar de um Fórmula 1 mas nunca tocá-lo. Você pode até ver, como vi, em 98, em Interlagos, John Barnard, acocorado como uma velha que se prepara para quebrar o pescoço de uma galinha, catando com a ponta dos dedos o que me pareceu ser engrenagens da caixa de câmbio do Arrows de Pedro Diniz. Mas nem pense em dirigir a palavra a ele, oh gênio delicado! Longe vai o tempo em que Emerson em pessoa se virava pra um moleque como eu e perguntava: “quantas voltas mesmo tem o GP?”.

Era assim, antigamente. Não é mais, nunca voltara a sê-lo e de certa forma é bobagem lamentar-se, a não ser que queira passar por chato. As ideologias estão mortas. Resta apenas a realidade da grana, do poder e da vaidade que, no fundo, são faces da mesma moeda.

Agora, corremos até em meio a guerras civis. Governos ditatoriais como o da China são saudados como bons parceiros porque, lá, as dificuldades são certamente menores. Tudo tem de estar encaixotado logo depois do GP porque o circo precisa se mover rápido, da mesma forma que um ladrão na noite.

Sobraram as memórias, o movimento, as cores, o som, a emoção possível. Curtam isso, como eu curtirei, domingo, em Interlagos, e esqueçam a inocência perdida. Eu estou tentando esquecê-la.

As chances de Fernando Alonso chegar ao título da temporada são, nessa altura, pouco mais do que retóricas.

Difícil imaginar uma condição de corrida onde Sebastian Vettel seja superado, mesmo em condições adversas – um problema de largada, um pneu furado, uma tempestade paulistana -, por quatro oponentes. O mesmo vale para Alonso: como ele pode vencer o GP Brasil estando os RBR e os McLaren na pista? Falando francamente, até Kimi Raikkonen num dia bom é osso duro para o espanhol.

O que resta a Alonso se apegar é o histórico de quebras dos RBR – quatro abandonos por causas mecânicas na temporada, três deles por alegados problemas no alternador do motor Renault – e McLaren – quatro abandonos por problemas mecânicos, dois deles na alimentação de combustível.

Os Ferrari, enquanto isso, tiveram zero abandono na temporada inteira por quebras.

Que os RBR são bem mais lentos em reta do que seus principais adversários é fato notório, pelo menos desde Monza 2011. Nas últimas corridas deste ano, porém, a coisa assumiu tons de deboche. Em Austin, Mark Webber e Vettel foram os pilotos mais lentos na reta em todos os treinos. Na corrida, Webber seguiu em último mas Vettel logrou superar Charles Pic. O mais rápido, durante a prova, foi Jean-Éric Vergne, com 320,6 km/h, enquanto Vettel chegou a apenas 308,2 km/h.

A opção pela menor velocidade em reta é totalmente deliberada da parte da RBR. No Abu Dhabi, seus carros eram os mais lentos durante o treino, Vettel atingindo 311,4 km/h na classificação. Veio a punição por falta de combustível e a equipe decide tirar o carro do alemão do parque fechado e, assim, pode mexer no seu acerto; no domingo, Vettel passou a ser o 4º mais rápido na reta, chegando a 321 km/h, enquanto Webber penava a mesma velocidade já observada nos treinos. Por isso aquela reclamação de Vettel ao ser ultrapassado por Lewis Hamilton em Austin – “estou cheio dessas estúpidas ultrapassagens”, disse ele. Se referia ao HRT que o atrasava e não ao McLaren. É que Vettel simplesmente não tinha velocidade final para passar facilmente pelo pior carro da temporada…

A menor velocidade em reta do RBR é largamente compensada pelo ganho nas curvas. Segundo AutoSprint, Vettel conseguia percorrer as curvas 17 e 18 em Austin até 15 km/h mais rápido do que a oposição.

A imposição do tal nariz de borracha a partir de Cingapura e outras mumunhas mais no RBR são tentativas da equipe de ganhar mais velocidade em reta sem prejudicar o seu desempenho em curva. Ou seja, eles ainda não estão satisfeitos e, sim, apesar de Vettel ser um piloto excepcional, Fernando Alonso tem toda a razão em dizer que está perdendo o campeonato para Adrian Newey.

Nos últimos dias, a página do GPTotal no FaceBook ultrapassou 500 seguidores. Sei que os números são ainda pequenos quando comparados a outros sites de automobilismo brasileiros, mas me deixaram muito feliz principalmente porque foram conquistados com inocência e porque premiam a dedicação e inventividade do meu coeditor no GPTo, Marcel Pilatti, que tem desenvolvido senso apurado para entender e atender com prazer e bom humor as expectativas dos nossos leitores.

Boa corrida a todos.

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

10 Comments

  1. Allan disse:

    Quantas observações pertinentes. Excelente!

  2. Rodrigo disse:

    A Ferrari deve muito a Alonso… só estão na disputa por conta do talento do espanhol. Na verdade, a McLaren é que começou o ano com o melhor carro.
    O fato de Vettel ter entrado na disputa apenas após o carro ter melhorado acho que tira um pouco o brilho do seu tri já garantido, mas carreras son carreras….

  3. Pedro Maranho disse:

    Acho que este campeonato poderia estar mais apertado, uma vez que Alonso teve dois abandos (se me lembro bem) por acidente na primeira volta, acidentes estes em que foi vitima.
    Pela regularidade mostrada acho que ele poderia estar em muito melhor situação.
    Abs.

  4. André H. Lino disse:

    Texto muito bem escrito, interessante e acima de tudo muito esclarecedor.

    Teve comentarista da globo dizendo que o Vettel reclamava sobre a utilização da asa móvel traseira por parte do Lewis. O que não fez sentido algum.

    Parabéns pelo site! Continue assim!

  5. Rafael Carvalho de Oliveira disse:

    Eduardo como sempre escrevendo belos textos! Ele é tipo um piloto que quando não se espera nada para tirar algo do carro ele tem sempre um truque na cartola! Meus parabens.

  6. Fernando Marques disse:

    Eu acho que o Alonso ja conseguiu muito em levar a decisão do campeonato para Interlagos … mais do que isso tambem acho impossivel …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  7. admin disse:

    Edu, muito obrigado pela menção. É nossa paixão pelo esporte fazendo tudo fluir.

    mas não podemos editar de mencionar a vital colaboração do Lucas Giavoni, que tem sido fundamental nas ideias do FB!

    Abraços a todos!

    [Marcel]

  8. Mauro Santana disse:

    Belo Texto Edu!

    E vai que logo no GP final, a Ferrari do Alonso resolve abrir o bico!?

    Já pensou?!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Bruno Wenson disse:

      A do Schumacher fez isso depois de 5 anos, na China 2006, por que não a do Alonso, agora que sua vantagem é menor que Schumacher tinha lá?
      Sobrenatural de Almeida mora no Brasil, lembram?!?

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