Segundo portal

Nos ombros dos gigantes
12/08/2019
The show must go on! (parte 1)
23/08/2019

Quando Emerson Fittipaldi concordou com seu irmão Wilson para fazer o óbvio e fechar a equipe Fittipaldi de F1 no final de 1982, uma porta havia se fechado na vida do maior vanguardista do automobilismo brasileiro. Doze anos antes Emerson entrava na F1 e, com seu talento e personalidade, abriu a porta da principal categoria do automobilismo para os pilotos brasileiros, além de se tornar um dos maiores ícones da história da F1. Porém, a segunda parte da carreira de Emerson Fittipaldi na F1 não foi das melhores, quando ele viu seu sonho de ter uma equipe própria naufragar, retornando ao Brasil com sérios problemas financeiros e com o primeiro casamento desfeito.

Desde criança acompanhando corridas, o vírus da velocidade sempre esteve incutido no sangue de Fittipaldi, mas nove anos após desfilar pelas ruas de São Paulo em cima de um caminhão de bombeiros para celebrar seu bicampeonato mundial de F1, Emerson estava correndo de kart no estacionamento do Pacaembu. Muito pouco para um gigante. Fittipaldi chegou a participar de um teste de F1 com a pequena Spirit, mas a equipe era pequena demais para um bicampeão mundial.Emerson recomeçaria sua carreira em 1984 quando foi convidado a fazer parte de uma corrida da IMSA em Miami. Um carro de protótipo potente fez Emerson Fittipaldi reviver toda a emoção de uma corrida e conseguir uma pole pela primeira vez em dez anos. Ainda em Miami, Emerson entrou em contato com Pepe Romero e o brasileiro foi convidado a correr nas 500 Milhas de Indianápolis.

Exatamente dez anos antes Emerson Fittipaldi havia feito um teste em Indianápolis, logo após conquistar o bicampeonato de F1, com um McLaren da Indy. Emerson não gostou da experiência a ponto de dizer que nunca correria na pista de Indiana. A velocidade e a falta de proteção haviam impressionado negativamente o bicampeão do mundo, mas com fome de velocidade e com os carros um pouco melhores no quesito segurança, Emerson resolveu aceitar o desafio e participa da tradicional corrida com um carro todo rosa. Ainda em 1984 Emerson é convidado pela tradicional equipe Patrick a fazer algumas corridas em circuitos mistos em substituição ao lesionado Chip Ganassi e seu desempenho é tão bom que acaba ficando para a temporada completa de 1985.

Emerson se encanta com a Indy, um campeonato completamente novo para o brasileiro e que rendia muito dinheiro para os participantes. A Indy vivia um bom momento em meados dos anos 1980, com os melhores pilotos americanos fazendo parte do seu campeonato, mas faltava conquistar espaço fora dos limites da América e Emerson poderia ser um enorme chamariz para isso. Um desafio para Emerson seria se adaptar aos manhosos circuitos ovais, mas alguém do seu talento não demoraria a entender como funciona correr nesse tipo de pista e a primeira vitória de Emerson na Indy seria justamente num oval, em Michigan, derrotando na ocasião o experiente Al Unser Sr.

Em 1986 Emerson trouxe a Marlboro para a Indy e voltaria a utilizar o famoso layout branco e vermelho, com o qual teve tanto sucesso com a McLaren na F1. Ele venceria uma corrida debaixo de muita chuva em Elkhart Lake, liderou outras corridas e comemorou seu quadragésimo aniversário em plena forma. Em 1987 Emerson consegue ótimos resultados em circuito mistos, inclusive duas vitórias seguidas em Cleveland e Toronto, mas tem problemas nos ovais e bateu forte durante os treinos para as 500 Milhas de Indianápolis. Para 1988 Emerson se decepciona com o chassi March, mas ainda consegue um milagroso segundo lugar em Indianápolis, terminando o ano em alta com duas vitórias emMid-Ohio e Elkhart Lake, após uma ultrapassagem sensacional sobre Mario Andretti por fora.

O chassi Penske tinha se mostrado muito forte em 1988, dando o título para Danny Sullivan. Apesar da eficiência dos chassis March e Lola, Emerson sabia que se quisesse vencer o campeonato, ele teria que estar com um Penske para 1989. Após longas e difíceis negociações, nas quais Emerson participou ativamente, a equipe Patrick utilizaria os mesmos carros da equipe de fábrica. A Penske era a grande favorita para a temporada de 1989, num momento em que algumas mudanças aconteciam entre os grandes pilotos da época. Michael Andretti saía da equipe Kraco e sua juntaria ao seu pai Mario na equipe Newman-Hass, formando a primeira dupla de pilotos pai e filho da história da Indy. Para o lugar de Andretti, a Kraco traria o bicampeão Bobby Rahal.

Logo nos primeiros testes o Penske PC18 se mostra o melhor do pelotão, à frente de Lola e March, com Emerson Fittipaldi andando no mesmo ritmo dos dois pilotos de fábrica, Rick Mears e Danny Sullivan. Durante os primeiros testes no oval de Phoenix, Emerson bate o seu Penske PC18 e como o segundo carro não estaria pronto até o mês de Indianápolis, o brasileiro teria que fazer as primeiras corridas com o PC17, datado de 1988. Correndo ao velho estilo, usando muito a cabeça, Emerson sabia que, se não pudesse vencer, ele poderia marcar o maior número de pontos possível. Em Phoenix, Emerson chegou em quinto, quase uma volta atrás do vencedor Rick Mears. Em Long Beach, num final de semana dominado pelos chassis Lola, Emerson conseguiu ser o melhor Penske da corrida e subiu ao pódio com um terceiro lugar.

Então, chega o mês de maio e Emerson Fittipaldi era um dos mais rápidos em Indianápolis, largando na primeira fila da corrida. O brasileiro liderou a maior parte da prova, mas no último reabastecimento a Patrick comete o erro banal de colocar mais combustível do que o necessário e Al Unser Jr ultrapassa Emerson já nas voltas finais. A corrida parecia perdida, mas Little Al encosta em vários retardatários e dá uma única oportunidade de Fittipaldi se recuperar.A disputa culmina num toque e ambos os carros ficam de lado. De alguma forma Emerson consegue controlar seu Penske, enquanto Al Unser Jr bate forte no muro. Faltando duas voltas, a bandeira amarela é mostrada e a corrida termina com Emerson Fittipaldi sendo o primeiro estrangeiro desde Graham Hill a vencer as 500 Milhas. Ainda na ressaca da vitória em Indianápolis, Emerson Fittipaldi e Rick Mears brigavam pela ponta em Milwakee, quando o brasileiro foi tocado pelo retardatário Bernard Jourdain, fazendo-o perder muito tempo nos boxes, enquanto Mears ultrapassava Michael Andretti nas últimas voltas para vencer a corrida. Novamente num oval de uma milha.

A etapa seguinte da Indy seria um divisor de águas no campeonato de 1989. Detroit receberia a Indy pela primeira vez, após a F1 deixar de usar o circuito de rua no ano anterior. Após a intensa vitória em Indianápolis, essa foi a melhor corrida de Emerson Fittipaldi em 1989. Largando na segunda fila, Emerson toca rodas com Mario Andretti na primeira curva e ambos rodam, mas retornam à corrida. Emerson, contudo, tem um pneu furado e cai para o último lugar. Imediatamente ambos os veteranos iniciam uma corrida de recuperação de tirar o fôlego, que logo os colocaria entre os primeiros colocados. Emerson era o piloto mais rápido da pista e quando estava prestes a ultrapassar Mario Andretti, os dois se tocam novamente.

E novamente retornam à corrida! Dessa vez o Penske de Fittipaldi estava inteiro e permanecia como o mais rápido da pista, correndo em terceiro e se aproximando do novato Scott Pruett. Michael Andretti liderava a corrida, mas tem problemas em sua parada e volta à corrida muito atrasado. Emerson se aproximava cada vez mais de Pruett e faltando quatro voltas, ultrapassa o americano e vence após ficar em último! A equipe Patrick vibrou como nunca com essa incrível vitória. Para melhorar, o então líder do campeonato, Al Unser Jr., abandonou a prova e haveria um Penske a menos para se preocupar no campeonato, com o então campeão Danny Sullivan perdendo duas provas para curar suas fraturas depois de um acidente.

Provando que para ser campeão um piloto precisa ter sorte aliada à competência, Emerson Fittipaldi consegue duas vitórias consecutivas nas quais foi muito ajudado pelo destino. Em Portland ele liderou praticamente de ponta a ponta, mas logo após receber a bandeirada em primeiro, seu carro parou sem metanol. Na prova seguinte, em Cleveland,Emerson disputava a vitória com Michael Andretti quando ambos entraram nos pits ao mesmo tempo. Michael estava na ponta e quando engatou a primeira para voltar à pista foi fechado dentro dos pits… Pelo seu pai Mario!

Emerson tomou a liderança da corrida e, com a terceira vitória consecutiva, assumia a ponta do campeonato. As duas corridas seguintes foram marcadas por dois sustos para o brasileiro. Em Meadowlands Emerson brigava pela ponta com Bobby Rahal e os dois se tocaram, com Fittipaldi chegando a bater no muro, mas o piloto da Patrick ainda conseguiu assegurar o segundo lugar após a corrida ser interrompida pela chuva forte. Já em Toronto, Emerson foi jogado para cima do muro da reta oposta por Michael Andretti enquanto os dois brigavam pela ponta. Emerson ficou irritado com a manobra temerária no final da prova, mas garantia mais dezesseis preciosos pontos no campeonato.

Após uma sequência de circuitos mistos e de rua, a Indy iria para dois ovais de altíssima velocidade, habitat natural de Rick Mears. Emerson chegou a largar na pole em Michigan, mas abandonou por problemas mecânicos, o mesmo acontecendo em Pocono. Para sorte do brasileiro da Patrick, Mears não venceu essas duas provas que lhe eram favoráveis, mas descontou pontos que o deixaram muito perto na briga pelo campeonato. Após duas corridas nas quais Fittipaldi não brigou pela vitória (Mid-Ohio e Road America), mas amealhou bons pontos, Emerson consolidou sua liderança numa briga particular com Rick Mears, com o campeonato tendo apenas duas corridas para o fim.

A primeira dessas corridas seria em Nazareth, um oval de milha de estilo bem parecido com as que Mears havia vencido no começo da temporada, além de ser um tipo de circuito onde Emerson ainda não havia vencido na Indy. Mears conseguiu a pole em Nazareth, mas Emerson tomou a ponta na largada e os dois corriam bastante próximos a corrida inteira, numa tensa briga de gato e rato. Numa das paradas, Mears acabou errando e levou a mangueira de combustível, entregando a vitória para Emerson Fittipaldi. A primeira do brasileiro num oval de uma milha.

Ao chegar aos boxes, Emerson não sabia que havia conquistado o título. Ele foi avisado pela equipe do triunfo quando já estava indo ao victory lane. Aos 42 anos de idade, Emerson Fittipaldi voltava a ser campeão de uma categoria importante quinze anos depois do seu bicampeonato de F1, se tornando o segundo piloto da história a vencer o campeonato da Indy, da F1 e as 500 Milhas de Indianápolis, além de bater uma equipe de fábrica com uma equipe particular usando o mesmo equipamento!

Aquele título de trinta anos atrás foi um marco importante para todo o automobilismo e para a Indy em particular. Na década de 1960, alguns pilotos de F1 se interessaram em participar das 500 Milhas de Indianápolis por causa dos pomposos prêmios oferecidos, mas Clark, Hill, Stewart e Hulme sequer cogitavam participar da temporada inteira da Indy. Mesmo Mario Andretti tendo participado alguns anos das duas categorias na década de 1970, a Europa ainda via a Indy como uma categoria americana demais. Mesmo com a chegada de alguns pilotos europeus na década de 1980, a Indy só chamou a atenção do Brasil e do mundo com Emerson Fittipaldi.

A imprensa especializada de todo mundo passou a acompanhar a categoria, e participar do campeonato da Indy já não parecia um absurdo. A emocionante narração de Luciano do Valle da vitória de Emerson Fittipaldi nas 500 Milhas de Indianápolis, escolhida pelo saudoso narrador como a sua melhor, popularizou de vez a Indy no Brasil.

Nos anos seguintes, a Indy conseguiu sua desejada internacionalização graças à visibilidade do título de Emerson Fittipaldi no resto do mundo. Na esteira do brasileiro, apareceram Nigel Mansell, Alex Zanardi, Gil de Ferran, Juan Pablo Montoya, Dario Frachitti, Dan Wheldon, Scott Dixon, Helio Castroneves e Tony Kanaan. Se Emerson Fittipaldi abriu o primeiro portal para os brasileiros correram na F1, em 1989 o nosso desbravador abriu o segundo portal da Indy para os pilotos de todo mundo!

Abraços e salve Emerson!

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

4 Comments

  1. Ótimo texto, como de praxe, amigo JC!

  2. wladimir sales disse:

    JC, meus parabéns!
    Texto maravilhoso. Contou com paixão e competência o ápice da nova odisseia de Emerson Fittipaldi para voltar ao circulo de vencedores e campeões depois da frustração da equipe própria. Mas me permite duas correções: Al Unser Jr. corria na equipe Galles em 1989 e Emerson ultrapassou Kevin Coogan para vencer em Detroit.

  3. Rubergil Jr disse:

    Ah, que lembranças boas da minha adolescência. Minha paixão por automobilismo nasceu ali, em 1989, com Emerson na Indy 500. Arrepiei só de ver a primeira foto deste artigo, a primeira fila da Indy 500 1989. Que texto legal!

  4. Fernando Marques disse:

    JC,

    que lembrança!!!
    A temporada de 1989 da Indy e o titulo conquistado foi mais um divisor de águas quebrado
    pelo Emerson Fittipaldi que manteve assim a sua sina de abrir as portas do automobilismo mundial aos pilotos brasileiros.
    Como era bom acompanhar as corridas do Emerson na Indy.

    Show de bola!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *