Ser e Parecer

“Brasileiro não gosta de automobilismo”
30/04/2012
Amplitude de onda
04/05/2012

O jovem Clódio, um dos nobres de Roma, se enamorou loucamente da bela Pompeia, a esposa do imperador Caio Julio Cesar, mas não conseguia encontrar o momento propício para declarar-lhe seu amor, até que, em certa ocasião que Cesar estava ausente de Roma com suas legiões e se celebrava em seu palácio imperial a festa de Bona Dea, à que apenas as mulheres podiam assistir, Clódio pensou que aquela seria uma boa ocasião para, finalmente, reunir-se com sua amada. Para poder entrar no palacio, Clodio se disfarçou de mulher, mas o engano durou pouco pois logo foi descoberto e preso pelos guardas, pois o rapaz havia sido reconhecido por várias das convidadas assistentes à festa.

Clódio seria pouco depois condenado por sacrilégio e engano, e Cesar acabou repudiando sua esposa Pompeia por aqueles acontecimentos, mesmo admitindo que esta não havia tido nada a ver com o assunto e de não duvidar de sua honestidade e fidelidade. Para justificar tal  decisão, Cesar argumentaria com uma de suas mais famosas frases que, malgrado tendo sido traduzida de diversas formas, em essência vinha a dizer que: “Não basta que a mulher de Cesar seja honesta… também deve parecer sê-lo”.

A frase, tão curta em sua extensão quanto profunda em seu significado, deixava claro que para que algo fosse tido pelo que realmente era, tambem era necessário que, perante todos, parecesse o que era, acima de toda dúvida ou suspeita. A meu modo de entender, existem na fórmula um algumas dúvidas no que respeita à sua suposta condição de competição esportiva, nobre condição que deveria prevalecer sobre qualquer outra mas que temo tenha ido,  paulatinamente, ficando num segundo plano respeito a outras  considerações mais mundanas (ainda que compreensíveis), e procurarei expor meu ponto de vista sobre três dos fatores que mais têm degradado e/ou adulterado o espirito esportivo e competitivo da fórmula um nos últimos tempos.

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Bandeira Azul – Obrigar a que um piloto deixe que outro lhe supere, me parece algo até obceno num âmbito esportivo.

O trabalho de um piloto e a essência de sua razão de ser é a de competir por uma posição, seja esta a que for. Todo esportista compete por algo com seus adversários ou, inclusive consigo mesmo. Todo esportista trata de superar quantos adversários tenha e quantas dificuldades se lhe apresentem ou se imponha a si mesmo e essa é, precisamente, a grandeza do esporte, residindo aí a honra do esportista: em oferecer o melhor de si mesmo… sempre. Portanto, privar um esportista, em nosso caso um piloto, dessa honra, me parece algo vil e injusto, assim como não me parece correto fazer que a competiçao resulte mais fácil para uns que para outros. Como pode ser aceito que num esporte haja uma regra que consagre que a um competidor se lhe obrigue a inibir-se em prol de outro? Acaso aos pilotos não se lhes paga por competir? Não é isso o que se espera deles? Ainda pior é que, apesar de que o regulamento, logicamente, permite que um piloto lute por recuperar volta perdida, não lhe concede o benefício da bandeira azul.

Tratar de justificar a existência da bandeira azul dizendo que é muito difícil ultrapassar outro concorrente, e que um piloto que não esteja lutando pela vitória deve ceder sua posição ante outro que sim, esteja, me parece algo inconsistente pois ninguém sabe o que pode acontecer na volta seguinte (tenho entendido que os resultados das corridas ainda não estão programados de antemão!).

Sim, ultrapassar é difícil mas… isso é, e sempre foi, uma condição para  vencer e desde quando vencer foi fácil?

Alguns podem argumentar que, sem a bandeira azul, poderiam proliferar casos como o de Norberto Fontana e Jacques Villeneuve, porém existem normas no regulamento que tratam da conduta antiesportiva e suas correspondentes penas, portanto é só questão de  aplicá-las quando seja o caso. Sería melhor arriscar-se a que, em alguma ocasiao os fiscais viessem a se equivocar julgando alguma dessas ações do que, sistemáticamente, obrigar a um piloto a deixar de fazer aquilo que é consubstancial com sua condição de esportista, ou seja: competir.

Aqui, temo, que o que há é a típica atitude de político que, perante um problema, simplesemnte se inibe e deixa o assunto nas maos de outro (neste caso nos fiscais de pista que, também para evitar problemas, mostram a tal bandeira azul com muita assiduidade).

Para as grandes equipes resulta ideal a “ajuda” dessa tal bandeira, enquanto que ninguem se ocupa ou preocupa pelas pequenas escuderias que, além disso, sao submetidas à humilhação de renunciar a competir. Enfim, me parece que o que temos em todo este assunto, é o triunfo da política sobre o esporte.

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KERS – Sistema de recuperaçao de energia cinética (puxa, que nome mais atrativo!) O único justo dele é que esta disponível para todos e seu uso é discrecional do piloto mas, além disso… me resulta algo totalmente ridículo na competiçao. A potência e tempo de utilização do kers está perfeitamente especificado no regulamento, portanto não aporta nada destacável à competiçao pois, no fim, a vantagem acaba sendo para quem tem o melhor carro, algo que foi sempre assim… com ou sem kers.

A FIA dizia estar preocupada com os altos custos da formula um e implementou varias normas para, segundo eles, reduzir tais custos (motores mais duradouros, limite de testes, etc.), no entanto obriga essas mesmas equipes a dedicar recursos no desenvolvimento de um sistema de, no mínimo, duvidosa utilidade na competiçao sob o pretexto de desenvolver algo útil para os carros de rua, no âmbito de sua suposta preocupação pelo meio ambiente e a ecologia, procurando  um ótimo aproveitamento da energia. Será isso mesmo?

A sua utilidade nos carros de rua me parece também duvidosa pois, como sabemos, a melhor forma de reduzir o consumo de um veiculo é uma condução tranquila e sossegada, sem fortes aceleradas e freadas. Isto, alem de reduzir a emissao de gases contaminantes, economiza combustível, poupa outros fluidos e reduz o desgaste geral do carro e, ainda por cima, resulta mais seguro, portanto, me parece ridículo promover seu uso em nossos carros. Acaso compensa recuperar uma pequena parte da energia gerada na frenagen, quando bastaria não ter acelerado (e consumido) em demasia anteriormente?

Recordemos, também, que o peso do próprio KERS, também representa um custo extra em consumo de combustível. E não digo nada agora da grave contaminação gerada pelas baterias do sistema, algo bastante contraditório com a suposta preocupaçao da FIA pela ecologia.

Talvez eu esteja enganado mas me parece que aqui o que temos é o interesse da industria automobilistica em promover o tal KERS, pois como qualquer outro dispositivo, este tambem requer atenção e manutenção periódicas para seu bom funcionamento, portanto a inclusão desse aparelho nos carros representaría uma boa e extra fonte de beneficios para os fabricantes : ganham quando vendem o treco e continuam ganhando depois. Um bom negocio, não? Aqui o único que vejo é o triunfo dos interesses comerciais sobre o esporte.

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DRS – Sistema de reduçao de arrastro. Caramba, outro nome tão atrativo quanto o KERS e até mais pomposo! Porém, se recorre à essa pomposidade quando se trata de atribuir a algo umas virtudes das que carece. Este, me parece que é o caso uma vez mais. Mesmo estando o dispositivo à disposiçao de todos os pilotos, o seu uso é restringido pelo regulamento de uma forma discriminatória, o que acaba abalando o principio esportivo da igualdade de oportunidades.

Ao meu modo de ver, o tal DRS nada mais é do que uma espécie de bandeira azul eletro-mecânica que, novamente, favorece o piloto perseguidor em detrimento do piloto que esta à frente, e que pouco ou nada pode fazer para defender a posição perante a diferença de rendimento do equipamento de um e de outro. Não constitui isto outra adulteraçao da competição?

O problema é que essa discriminação resulta até lógica pois, se todos os pilotos pudessem usar o DRS quanto quisessem e quando quisessem, ninguém se beneficiaria dele, portanto sería como se não existisse. Sendo assim, nao seria melhor que simplesmente não existisse? Assim, nao haveria discriminação! A FIA argumentava que sua inclusao visava, de certo modo, dotar o piloto perseguidor dos feitos que o antigo vácuo proporcionava e que a aerodinâmica atual não produz e, inclusive, se mostraram muito contentes quando presumiam das abundantes ultrapassagens ocorridas na temporada passada.

Mas, há algo nisto que não me convence pois, segundo meu critério, as ultrapassagens devem ser fruto do arrojo e perícia dos pilotos, não de um dispositivo cujo uso está restrito e programado de antemão. Possivelmente, houvessem algumas ultrapassagens de verdadeiro mérito dentre todas as havidas, mas o problema é que, precisamente por haver tantas induzidas, é até possível que tivessem passado despercebidas e, no fim, o verdadeiro mérito fica privado da glória que lhe corresponderia.

Com o DRS, a vantagem obtida se mantem durante todo o tempo em que o dispositivo atua (com o antigo vácuo, a vantagem obtida começava a desparecer após um curto tempo, conforme o carro avançava e tinha que vencer a resistência aerodinâmica por si mesmo), provocando uma diferença artificial de potencial entre os carros, que deixa o piloto da frente, praticamente, inerme ante o ataque do rival. É isto uma ultrapassagem?

É certo que a falta de ultrapassagens vendo sendo algo crônico na Fórmula Um dos últimos anos, mas, se sabem que o problema reside na aerodinâmica, não sería lógico atacar o problema em sua origem e deixar a competição livre de tantas interferências? Em definitiva… o tal DRS é só pura parafernália.

Os que tem seguido minhas opinioes, devem lembrar que também sempre fui contrário às trocas de pneus (e reabastecimentos) com fins estratégicos, portanto nao vou insistir nisso agora. Tampouco direi nada sobre o Safety Car, a pesar de que me parece que é usado em excesso e com o propósito, em muitas ocasioes, de criar uma falsa emoção.

Talvez, ou certamente, meu ponto de vista esteja influenciado por meu rançio romanticismo mas, como disse Cesar, as coisas é bom que alem de ser o que são , tambem o pareçam, para que assim não haja nenhuma dúvida ou suspeita ao respeito. Se a Fórmula Um se presenta como uma competiçao esportiva, seria bom e sadio também parecê-lo pois, quando algo nao parece o que é… pode acabar sendo o que parece.

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Nosso amigo e colaborador de mão cheia, Manuel Blanco, perdeu seu pai recentemente. É um momento em que só podemos transmitir nossos bons pensamentos e sentimentos. Portanto, ficam aqui os votos de conforto e paz, para Manuel e sua família, da família GP Total.

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

8 Comments

  1. Carlos Chiesa disse:

    Meus pesames, Manoel. Aqui tem um ombro amigo, ainda que virtual.

  2. Manuel disse:

    Queridos amigos, muito obrigado pelo vosso apoio !

    Agora mesmo, a perda do meu pai me deixou muito triste e nao sei quando terei vontade de escrever alguna outra coisa para o GPTotal. Espero que me perdoen se demoro um pouco.

    Pouco depois desse fatídico dia 21, deixei no Facebook ( participo sob o nome ZINHO EFIMERO ) uma nota anunciando a passagem de meu pai. Com vossa licença, vou reproduzila aqui pois resume bem o que eu sentia por meu pai :

    ————————————————————————————————————————-
    Com profunda tristeza, comunico o falecimento de meu querido pai, acontecido ao meio dia do passado dia 21 de abril.
    Eu o queria com loucura, mas tenho certeza de que ele me queria muito mais do que eu jamais podería chegar a querê-lo. Lhe devo tudo o que sou e sempre quis ser alguem como ele sempre foi : um bom homem !
    Sei que ele sempre presumia de ter um bom fliho, e esse é o maior elogio que eu jamais podería ter …recebido na minha vida.
    Meu pai sempre trabalhou duramente, mas mesmo quando chegava cansado no fim do dia, sempre achava um momento para brincar comigo e, em algumas ocasioes, tambem com meus amigos. Eram tempos difíceis e muitas coisas nos faltavam, mas nunca me faltou seu carinho e apoio incondicionais durante toda a minha vida.
    Há muitas coisas que me faltaram lhe dizer ou fazer, mas sei que ele estará me esperando lá no céu com seus braços abertos e, entao, eu irei correndo até ele, como fazia quando éra uma criança, para lhe dar um forte abraço e lhe dizer quanto sempre o amei e muitas vezes nao disse.
    Tive muita sorte de ter um pai como ele e, por muito duro que tenha sido, foi tambem uma sorte poder estar com ele até o seu último momento e poder segurar sua mao e fechar os seus olhos.
    Até logo Papai !
    ——————————————————————————–

  3. Lucas Giavoni disse:

    Querido Manuel,

    Seu texto reflete tudo o que eu penso sobre os artificialismos da F1. Agradeço por produzir uma reflexão tão erudita e filosoficamente esclarecedora.

    Quanto a sua recente perda, você sabe e eu apenas estou reforçando: estamos todos contigo!

    Meu mais carinhoso abraço!

    Lucas Giavoni

  4. Joel disse:

    Li recentemente que o epitáfio de Frank Sinatra é o seguinte: “o melhor ainda está por vir”” Adorei.

  5. Amigo Manuel, lamento profundamente a notícia. Tenho as melhores lembranças por parte de seu pai, no pouco tempo que estive aí contigo. Prestativo, espirituoso, engraçado e, acima de tudo, lúcido, é um homem que já está deixando saudades.
    Meus sentimentos a você, e à querida Dona Paquita.

  6. Fernando Marques disse:

    Mais um grande texto de Manuel Blanco … onde demonstra o tão pouco esportivo anda a Formula 1 atualmente …
    Infelizmente no fim veio uma noticia triste … a morte faz parte da vida … mas saber conviver com ela é muito dificil … ainda mais aceita-la … mas a vida continua pra quem está vivo …
    Desejo-lhe toda força possivel neste momento complicado …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  7. Mauro Santana disse:

    Meus sentimentos ao amigo Manuel!

    Que Deus possa lhe passar todo o conforto possível.

    Força!!!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  8. Manuel, fazia tempo que não falava e é uma pena que falarei com você num momento triste, mas que Deus ilumine seu caminho e lhe ajude nesse momento difícil!
    Abraços!

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