Spin and Win, versão 2022

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O triunfo de Max Verstappen no GP da Hungria de 2022 reuniu muitos componentes interessantes. Normalmente, uma vitória se constrói com uma boa posição de grid e uma pilotagem sem erros ou sem problemas. Max não contou com nenhum desses fatores.

Partiu do 10º lugar  (fruto de dificuldades na qualificação), teve um sensor do motor defeituoso e uma embreagem manhosa que provocaria uma rodada – mas que seria domada pelo próprio piloto durante a corrida.

O holandês, entretanto, contou com uma estratégia acertada de pneus, aliada a um ritmo de prova de tirar o fôlego, em que atropelou os rivais. Para fechar a equação, uma pista que possibilitou ultrapassagens e as trapalhadas infindáveis dos rivais mais fortes (lê-se Ferrari), que fazem Max tornar-se cada vez mais líder, a vislumbrar um bicampeonato em muito breve, de maneira confortavelmente antecipada.

Bom, vamos então a cada componente que eu mencionei, a começar pela posição de largada. Max pulou para 8º já na largada. Em seguida, se livrou dos dois carros da Alpine, para, na volta 7, já estar em 6º. A esta altura, Max vociferava problemas de motor, no que a equipe sugeriu dar uma espécie de “ctrl+alt+del” pra resolver um sensor defeituoso. Deu certo. Bora acelerar.

Após a 1ª rodada de pits, que ele realizou na volta 16, Max superou Lewis Hamilton e se consolidou em 5º, trocando pneus macios pelos médios. A segunda rodada de pits, novamente com médios, veio pra ele na volta 38, três voltas antes de sua supracitada rodada, quando acabava de superar a Ferrari de Charles Leclerc e perderia a posição. Após a corrida, o holandês falou que estava com dificuldades nas marchas e na embreagem, mas que adaptou sua pilotagem para não errar mais. Deu certo. Bora acelerar.

Não houve maiores abalos: Max partiu novamente pra cima e passou com força e precisão. Leclerc a esta altura já estava com os pneus absurdamente errados – assunto pra mais adiante. Com os pits de Sainz e Hamilton, Max assumiu a ponta na volta 51 para não mais perder.

E se a estratégia de pneus de Verstappen foi boa, a de Lewis Hamilton foi melhor ainda. Cravou a volta mais rápida da corrida e, de quebra, chegou à frente de Russell, mesmo tendo largado da sétima posição, em contraste com a pole do companheiro de equipe. A diferença é que Hamilton largou de pneus médios, repetiu no primeiro pit e calçou macios para o último stint, de 19 voltas em ritmo muito forte.

A obra-prima da Ferrari: pneus hard para Leclerc. Hard!

Fica difícil não usar a palavra “burrice” para definir o departamento de estratégia da Ferrari. É até difícil de acreditar que eles realmente possuem tal departamento. Como disseram na transmissão de TV, parece um setor de desestratégia.

As coisas começaram errado já nas primeiras voltas, muito antes da primeira rodada de pits. Russell mantinha a ponta e era perseguido por Sainz, porém sem ser ameaçado. E Leclerc atrás dos dois, preso por um ritmo mais lento. Em vez da Ferrari passar um rádio para trocarem posições na base do “se não conseguir passar a Mercedes, a gente destroca”, mantiveram as coisas como estavam.

E eis que a sucessão de burrices começa. Marcaram o ritmo de Russell na primeira rodada de pits, sendo que o inglês da Mercedes estava com pneus macios e o duo da Ferrari tinha pneus médios! A impressão é que, em qualquer tentativa de undercut (ou, no caso, de defesa deste), equipes pouco preparadas entram em frenético desespero.

Foi o que aconteceu na Ferrari. Russell enfiou o pé, tirando o máximo do carro e foi para os pits na volta 15 – portanto, com apenas 21,5% da corrida de 70 voltas. Pois a Ferrari mordeu a isca. Não precisa nem mesmo ter ensino fundamental completo para compreender que o mais lógico era permanecer na pista e “guardar borracha”, já que haveria obrigatoriamente mais uma rodada de pits.

A Ferrari chamou Sainz para marcar Russell, Leclerc ficou um pouco mais e acabou saindo à frente de seu companheiro – o que já oferecia uma dica importante de que era melhor ter se mantido na pista, fazendo melhor uso do primeiro set de pneus.

Leclerc realmente tinha melhor ritmo, tanto que fez uma bela ultrapassagem em Russell pela liderança na volta 31.

(E aqui a gente abre aqueeeele parêntese: Reginaldo Leme comparar essa ultrapassagem com o que Piquet fez com Senna em 1986 é o mesmo que dizer que o gato preguiçoso que eu tenho aqui em casa é igualzinho a um Tigre Siberiano. Fecha parêntese.)

Como se não bastasse ter mordido a isca na primeira rodada de pits, a Ferrari repetiu a burrice na segunda rodada, quando perceberam que o ritmo de Verstappen era assustadoramente mais rápido – uma vez que estava em estratégia correta e com carro muito equilibrado. Leclerc foi chamado de seu posto de liderança para os boxes na volta 39 – 55,7% de corrida, ainda tinha praticamente metade a ser percorrida.

Como se isso não fosse burrice suficiente, colocaram pneus duros no carro de Leclerc. Uma pessoa dotada de um dinamismo melhor que de um bicho-preguiça já teria percebido que os pneus duros não rendiam bem nos carros da Alpine, time que resolveu adotar uma parada a menos para tentar chegar à frente da McLaren e estava se arrastando na pista, a tomar volta até a bandeirada.

O dia na Hungria era de frio e vento, difícil de manter uma borracha tão dura devidamente aquecida. Pra piorar, a Pirelli classifica Hungaroring como pista de evolução 4 (de máximo 5), em que realmente você precisa dos melhores pneus possíveis no final da corrida. De quebra, as zonas de DRS garantiam ultrapassagens sem grandes dificuldades. Não é de hoje que chamam o circuito de kartódromo com fermento. Ora, é pista onde você quer sempre a melhor borracha!

Chega a ser constrangedor ver Mattia Binotto defender a “““estratégia””” da Ferrari, culpando o carro por um comportamento inadequado – sim, precisei usar pelo menos três pares de aspas, pra não correr risco de ser mal interpretado.

Como os pneus duros, claro, não funcionaram, chamaram Leclerc para um terceiro pit, no giro 54, fazendo o monegasco cair de quarto para sexto. Um apático Sainz, rendido pelas Mercedes, também ficaria fora do pódio, mesmo tendo adotado estratégia semelhante a de Hamilton – a melhor do dia.

Mercedes: eles vão terminar na frente da Ferrari?

Entre erros de pilotagem, erros de estratégia e quebras, a Ferrari já desperdiçou um caminhão de pontos. Enquanto isso, a Mercedes trabalhou (rasteiramente) o lobby para a FIA adotar regras anti-porpoising, promoveu melhorias paulatinas no carro e continua com confiabilidade de tanque de guerra.

Hamilton já soma seu quinto pódio seguido, Russell continua sendo o sr. Consistência e o resultado é que os prateados estão apenas 30 pontos atrás nos Construtores – 334 a 304. Sim, já existe quem aposte que a Ferrari termina atrás da Mercedes. E o palpite faz cada vez mais sentido.

Como se não bastasse a desgraça do agora, há a desgraça do que há por vir. A Mercedes, obviamente, já sabe no que errou no projeto do carro deste ano e vai corrigir tudo no próximo chassi. Serão certamente mais fortes ano que vem. A Red Bull de Adrian Newey estará preparada. E a Ferrari?

Vamos pra matemática do bicampeonato de Verstappen, que acumula 8 vitórias em 13 etapas. São abissais 80 pontos de vantagem para Leclerc, faltando 9 GPs. Isso quer dizer que Max já pode ligar o modo “segundinho” pelo resto da temporada: pode deixar Leclerc ganhar todas as etapas restantes, cravando melhor volta em todas. Se Max simplesmente chegar em segundo em todas elas, ainda assim é bicampeão com 8 pontos de vantagem.

Comecei a escrever a coluna logo após a prova, ainda com o tocante anúncio da aposentadoria de Sebastian Vettel. Eis que vem a segunda-feira e já acordo pulando da cama, ao ver que o seu substituto vai ser Fernando Alonso.

O espanhol assina um contrato “multi-year”, algo que a Alpine não queria oferecer. Vai ser peça importante para que a Aston Martin possa se reerguer, após ter projetado um chassi bastante infeliz. Durante a corrida, mostraram brevemente uma onboard de Vettel e era desesperadora a dinâmica do carro nas curvas.

Ao mesmo tempo, a Alpine se vê livre para promover o virtuoso Oscar Piastri a titular, um piloto que merece estar na F1 e tem ao redor de si grandes expectativas.

Foi bom ter Vettel na categoria. E é bom ainda ter Alonso.

O Spin and Win “Original”: Danny Sullivan na Indy 500 de 1985

A expressão título da coluna é famosa: o tal Spin and Win refere-se à vitória de Danny Sullivan nas 500 Milhas de Indianápolis de 1985. Em perseguição a Mario Andretti, ele realizou uma arrojada ultrapassagem pela liderança para, uns pares de metros depois, perder espetacularmente o controle da sua Penske, para espanto de todos que acompanhavam atentamente àqueles momentos de tensão.

Sullivan fez um 360 graus velocíssimo, bem à frente de um surpreendido Andretti, que se livrou por pouco de uma batida. Sem hesitar, Sullivan recobrou o comando do carro, foi aos boxes, calçou borracha nova e passou o rival novamente, para triunfar de forma memorável.

Naquele mesmo ano, na F1, Michele Alboreto fez coisa parecida, ao vencer o GP da Alemanha disputado em Nürburgring, após se recuperar de uma rodada boba com sua belíssima Ferrari 156. Foi a quinta e última vitória do saudoso italiano.

Eis que chegamos a 2022 e Max Verstappen fez praticamente a mesma coisa. Rodou, mas ganhou.

Partir de 10º e vencer na Hungria é algo realmente notável. Mas é preciso lembrar que Nigel Mansell fez ainda mais em 1989, ao largar em 12º, numa pista que tinha uma reta menor, o malparido DRS demoraria ainda algumas décadas para ser introduzido e, de quebra, tomou a liderança ao fazer um passão antológico num tal Ayrton Senna. Para mim, continua a ser a melhor performance de sempre no circuito húngaro. Aquela do Schumacher em 98 e a do Hill em 97 completam o pódio.

A F1 entra agora no recesso de agosto. Max não poderia estar mais tranquilo, em contraste com uma Ferrari que está se superando na arte da autossabotagem.

 

Ótimo agosto para todos – até pra você, Binotto!

 

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. MarcioD disse:

    Só uma catástrofe faz Max perder o titulo desse ano. Está pilotando muito bem, rápido, com a cabeça no lugar e está numa equipe que é fera nas estratégias e em tempos de parada.

    E ainda conta com as trapalhadas da Ferrari e erros de Leclerc.

    No passado meio que na intuição falava-se que carro + equipe representavam 80% e o piloto 20%. Há alguns anos um estudo matemático-estatístico de uma universidade inglesa que analisou todas as temporadas de F1 até então chegou ao número médio de 85% para carro + equipe e 15% para o piloto, sendo que os números para o piloto eram menores ainda nas temporadas mais recentes. Nada mais certo.

    “Nada se cria tudo se copia, fala o dito popular”. Nesse caso já que a Ferrari não sabe trabalhar, o melhor que ela faz é copiar a maior parte das estratégias da Red Bull para tentar minimizar os seus erros.

    E a diminuição dos erros do Leclerc só virá com o amadurecimento

    Se a Mercedes continuar evoluindo dessa forma quem sabe ainda pode pintar uma vitória dela esse ano?

  2. Fernando marques disse:

    Lucas,

    Realmente o GP da Hungria foi show. Ainda mais depois daquels corrida na França.
    A vitória do Verstappen devesse mais a leitura da corrida pelos estrategistas da RBR que foram sensacionais. Sem tirar o mérito wudo holandês que guiou o fino.
    A Ferrari e o soberbo do Leclerck estão jogando no lixo uma temporada da qual poderiam fazer o maior sucesso. Os dois erram demais. No início do campeonato cheguei a dizer aqui que Leclerck estava pronto pra ser campeão. Retiro o que eu disse. E nem a Ferrari também está.
    Gostei das Mercedes. Com certeza vamos ver o Hamilton octa campeão. Ano que vem o bicho vai pegar e quero ver o Verstappen estar tão mansinho como está esse ano.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Mauro Santana disse:

    Belíssimo texto, Giavoni!!

    Lembro também do spin quase win no Leão no GP da Hungria de 88, aquela foi clássica também.

    Abração!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  4. Rubergil Jr disse:

    Boa coluna Lucas, só deixe-me dar mais 3 pitacos:

    – A corrida foi muito boa, a segunda melhor do ano (depois de Silverstone). E um dos fatores pra isso é o que você defende há tanto tempo: diferença de ordem de forças entre o sábado e o domingo.

    – Lembro-me também da corrida de Alain Prost em 1988, largando do meio do pelotão e brigando pela vitória com Senna. Mas… O francês tinha uma MP4/4 né? Em ritmo de corrida aquele carro não tinha adversários.

    – Lembro também do spin and win do mesmo Max na antológica corrida da Alemanha 2019.

    Abraço

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