Há pouco mais de um mês a revista portuguesa Autoesporte me encomendou uma matéria que resumisse o momento atual do esporte a motor no Brasil. Kart, rali, categorias de base, autódromos, organização, público, custos, premiação, número de praticantes, cobertura midiática, CBA… Um trabalho completo de pesquisa, que me levou a conversar com Titônio Massa, Bia Figueiredo, Raphael Matos, Luiz Razia, Jennifer Fontebasso (vice-campeã mundial de kart Billand), Tadeu Santos (kart DF), Glauce Schutz (assessora de imprensa) e Guilherme Spinelli, nosso maior nome no Rali. Tentei contato também com Cleyton Pinteiro, mas recebi apenas respostas furtivas, tanto dele quanto de sua assessoria. E fui mais uma vez ignorado por Lucas di Grassi.
Pulando os detalhes da pesquisa e partindo direto para a conclusão, o somatório de depoimentos me convenceu de que o maior problema do automobilismo na atualidade é a desconfiança que ele desperta junto a todos os grupos sociais envolvidos em sua promoção. Desde o público até os investidores, passando pela mídia que o divulga.
Começando pelo fim, há que se avaliar a importância da grande mídia na formação desse cenário. Afinal, mesmo o mais leigo e ocasional dos espectadores se vê obrigado a desconfiar da Bandeirantes, por exemplo, quando ela exalta as virtudes e a importância da Fórmula Indy, e depois suspende a transmissão da corrida a poucas voltas do fim, para transmitir alguma partida de futebol de interesse meramente regional. Isso, claro, quando efetivamente transmite a corrida, pois mesmo isso, até o início deste ano, era algo incerto.
A Globo vive fazendo o mesmo com a Stock car. E se não chega a ir tão longe com a F1, tampouco faz sua parte para dar credibilidade ou tirar o devido proveito do produto que tem em mãos. Adotando um enfoque dedicado à formação de ídolos em detrimento de aspectos técnicos, a emissora passa a impressão de não acreditar no interesse despertado pelo esporte a motor em si, mas apenas em sua utilidade enquanto plataforma de exploração ufanista. E claro que o público absorve essa desvalorização. Tanto assim que em 1980, quando nada indicava que outro piloto brasileiro iria brigar por vitórias, a empresa abriu mão da transmissão dos GPs, apenas para voltar a exibi-los quando despontou a estrela de Nelson Piquet.
Óbvio que o mesmo se aplica a todas as demais emissoras e categorias, incluindo aí o saudoso Speed Channel, também ele extremamente mal gerenciado em relação às prioridades de programação e enfoque destinados ao público nacional. Colocando de modo simples, as redes de televisão nacionais tratam o esporte a motor como um “tapa-buraco” em suas grades. E, ao mesmo tempo, como um produto da casa, e não um evento noticioso independente. Tente lembrar, por exemplo, qual foi a última vez que a Globo deu alguma notícia sobre a F-Indy que não fosse depreciativa (mortes ou coisas do gênero).
E aí fica a pergunta: como um espectador médio – que poderia muito bem ser um investidor em potencial – irá levar a sério um evento que é cercado de adjetivos megalomaníacos pela emissora que o promove, e completamente ignorado pelas redes concorrentes? Não, não tem como, e esse é um bom exemplo de animosidade burra. Como a pessoa que picha o muro dos vizinhos, e tem a ingenuidade de imaginar que não desvaloriza a própria residência. É falta de visão, e de respeito pela inteligência do espectador.
Comecei falando do papel da grande mídia, porque é ela a maior referência no assunto para pessoas leigas. E, no fim das contas, é dos leigos que estamos falando aqui. Conforme me disse Bia Figueiredo, a disposição de empresas brasileiras em investir na carreira de pilotos ainda é diretamente proporcional à simpatia pessoal de empresários e diretores em relação ao tema. O investimento no esporte ainda não é visto como um bom negócio por pessoas que não estão nem aí para carros e corridas, e um esporte tão caro não pode se dar ao luxo de abrir mão de uma fatia tão grande do empresariado. Antes de tudo, portanto, o esporte a motor precisa transmitir uma maior credibilidade a quem não entende nada do assunto, e a mídia tem papel de destaque nessa tarefa.
Mas claro, não apenas a mídia, pois ela também depende de um cenário que inspire um mínimo de credibilidade.
E aí somos obrigados a falar da CBA. Fundada em 1961 por nomes de peso, como o do velho Barão Fittipaldi (92 anos neste sábado, dia 04, plenamente recuperado após um tombo e quatro cirurgias), a instituição é hoje uma das mais desacreditadas em todo o País. E não tem como ser diferente, né? Não importa quantos atores do automobilismo você entreviste, a melhor coisa que você poderá ouvir sobre a CBA é que “ao menos ela não me atrapalha”. Mas muita gente dirá coisas diferentes.
Sem força ou interesse suficientes para ao menos proteger os poucos autódromos de que dispõe; adepta de promessas tão concretas quanto o coelho da páscoa, sujeita a interesses mercadológicos que muitas vezes batem de frente com os dos praticantes que deferia defender; implacável na caça a iniciativas espontâneas; e sempre muito mais competente na hora de cobrar do que no momento de garantir a contrapartida de seus afiliados, a CBA é atualmente mais um problema do que uma solução. Digo isso fazendo um grande esforço para evitar metáforas com patologias.
E então é isso. Sem uma confederação forte e protetora, sem uma cultura de investimento e retorno, e sem uma mídia que ao menos demonstre crer no potencial do esporte, o que não faltam são incertezas. Ah, F-3 vai ter uma temporada? Em quais pistas, com quantas equipes e quantos pilotos? Ah, ela começou no fim de julho e com grid de 11 pilotos? Legal…
Aí é fácil reclamar da falta de público, mas essa é a ponta do iceberg. Tudo, no fim, gira em torno da confiança, como a saúde de uma empresa na bolsa de valores. Se todos estão comprando, opa, então parece ser um bom negócio, e cada vez mais gente irá comprar também. Mas basta que surja o menor boato, sem qualquer confirmação prática, para que muitos tentem vender a valores altos, e a coisa toda despenque vertiginosamente como um castelo de cartas. O último a sair que apague a luz. Com o automobilismo nacional, está se passando exatamente isso.
A insistência em manter o enfoque ufanista após a morte de Ayrton Senna acabou por dar à F1 ares de propaganda política. A Globo gerou expectativas que não tinham a menor consistência, Rubinho entrou na dança, e, assim como nos tempos da equipe Fittipaldi, automobilismo virou motivo de piada nas bocas de quem não entende nada do assunto. O tempo passou, e toda uma geração de moleques cresceu sem o menor interesse em corridas.
Mas… Ainda estamos aqui, não estamos? E continuamos produzindo bons pilotos e engenheiros, não continuamos?
Pois bem, estou convencido de que é hora de mudar o discurso, e isso é sério. É hora de começar a reverter a coisa no boca a boca, de mostrar que sim, tem muito brasileiro que gosta de corridas – inclusive no Rio e Janeiro, a despeito do discurso bairrista que impera por aí. É hora de usar redes sociais, blogs, e sites. Hora de cobrar posturas mais sérias nas homepages de emissoras e da CBA. Hora de levar os filhos aos autódromos, de mostrar corridas atuais e antigas na televisão, de contar um pouco de história. Hora de suspender a descrença, e começar a comprar ações do automobilismo, mesmo que seja preciso nadar contra a maré num primeiro momento. Quem trabalha no mercado de ações sabe que é preciso ter paciência.
Que me perdoem os piadistas, mas a tradição do automobilismo brasileiro é coisa muito séria, e precisa ser respeitada. É hora de cobrarmos a construção do autódromo de Deodoro, com padrões capazes de receber a F1, em vez de ficarmos sempre reproduzindo o discurso de que isso nunca irá sair. Que os chefes de torcida organizada tenham esse discurso vá lá. Mas nós? Vamos ficar de braços cruzados reclamando enquanto o barco afunda? Que tipo de amantes somos nós?
E é buscando este tipo de utilidade que combinei dedicar minhas próximas colunas à apresentação de alguns nomes de nosso esporte que, a despeito do talento que já demonstraram, precisam de apoio financeiro para darem continuidade às suas carreiras.
Eu acredito, de verdade, que se os leitores daqui do GPtotal abraçarem a causa e divulgarem este material, ele poderá sim chegar às mãos certas, e fazer alguma diferença na carreira destes pilotos.
Abraço a todos,
Márcio Madeira
7 Comments
Prezados amigos do GPTotal
Tenho tido menos tempo para visitar o GPTotal com a mesma frequência com a qual visitava suas páginas outrora.
Se, por um lado, a lamentar a minha menor disponibilidade de tempo, por outro, sou recompensado a cada visita ao ler colunas e artigos de primoroso e relevante conteúdo e alertas extremamente necessários, como o que é feito pelo Márcio Madeira em seu artigo “Suspensão da descrença”.
Penso que não haja nada a acrescentar a não ser, quem sabe, atrevidamente me aventurar em fazer algumas comparações com situações que se somam neste desserviço ao automobilismo de competição.
Por mais que nós, amantes do automobilismo, sejamos contrários a esse paradigma, ainda prevalece o conceito de que o automobilismo é um reduto de playboys usufruindo de seus “caros brinquedinhos”, o que é e sempre foi uma inverdade. Mesmo que em grande parte das escuderias (falo do caso tipicamente brasileiro) o que prevaleça mesmo seja o “eutrocínio’; ou seja, o custeio da despesas de competição mantidas com recursos próprios, normalmente dos próprios pilotos. Porém, isto não nega a realidade do alto investimento, bem como a qualificação e emprego de mão-de-obra altamente qualificada.
Também está presente o aspecto de desenvolvimento e pesquisa – aquele grande laboratório a céu aberto, ao qual inúmeras vezes nos referimos. Claro que este laboratório encontra na Fórmula 1 o seu expoente máximo, o que não invalida as contribuições dadas por outras categorias menores, mesmo que em menor escala.
Como bem comenta Márcio, a imprensa em geral tem a sua culpa sim, seja pela omissão (este problema, ao meu ver, tem maior peso) ou pela propaganda negativa e que teve a sua representação máxima justamente por ocasião de um dos maiores acontecimentos do automobilismo brasileiros, a criação da Escuderia Fittipaldi de Fórmula 1. Ainda poderá surgir o argumento cultural para justificar essa “marginalização” à qual é relegado nosso automobilismo mas nada disso justifica! Foi uma grande desperdício de tecnologia, desenvolvimento, promoção e, principalmente, uma grande pá de cal no idealismo do Clã Fittipaldi. Um pena mesmo!
Como exemplo bem claro das mudanças, para pior, cito agora a mídia impressa, representada no caso pela revista 4 Rodas de novembro de 1977. Nesta época, era exemplar o trabalho jornalístico feito. Vejamos o exemplo de cobertura de uma prova do campeonato brasileiro da saudosa Fórmula Ford e dos não menos saudosos chassis Bino, Kaimann e Avallone, entre outros. Além de farta reportagem, havia uma coluna assinada por um dos pilotos participantes e um ótimo espaço intitulado “Atuações”, onde de maneira objetiva havia uma avaliação da atuação de cada piloto participante.
Infelizmente, isso é coisas do passado. Hoje, não há mais tanto espaço de cobertura e muito menos este interessante e importante espaço sobre a atuação de cada piloto. Atrativos não mais presentes e que certamente contribuíram muito para o interesse dos leitores. Hoje, ao que parece, o aspecto comercial domina mesmo as publicações em geral, com exceção da excelente revista Racing!
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Mudando o enfoque para outras motivações deste desinteresse da mídia em geral, e que me perdoem os amantes do futebol: como explicar a grande diferença comportamental entre as diferentes torcidas? No automobilismo, são todos ordeiros; quase não existem discussões e quando ocorrem, são raras e pontuais. A torcida não precisa ser separada em virtude das preferências pessoais de cada aficionado, pois cada qual pode torcer à vontade para o piloto ou escuderia que preferir, sem que agrida ou seja agredido por isso. Mas isto não deve “dar ibope”…
Quanto à postura das emissoras, simplesmente lamentável, ainda que com posturas bem distintas e erros em graus muito diferentes. Não tomo a defesa de nenhuma das emissoras de TV mas por uma simples questão de justiça, devo reconhecer que existem sim, diferenças em favor de uma e contra outra. Penso que o privilégio de transmitir ao vivo corridas de F1 deveria ser bem melhor valorizado e aproveitado, pois trata-se de um privilégio muito bem pago.
Já o caso da emissora que transmite (?) a Fórmula Indy é muito mais sério e assemelha-se quase a uma provocação aos que amam o automobilismo. Vou resumir aqui os comentários a respeito, quase tão resumido quanto são as transmissões (?).
Ah! Mas Nelson Piquet agrediu o piloto Salazar e isto na F1, pode alegar alguém mais indignado com o teor dos meus comentários.
Respondo: sim, é verdade, mas foi quase um número de circo, pois ambos estavam ainda de capacete e de “sangue quente”, devido à disputa de um Campeonato de F1, a quizila não tendo durado mais do que alguns segundos e, principalmente, não “contaminou a torcida”, conforme é comum de se observar no futebol. Talvez seja mesmo a exceção quem vem somente confirmar a regra!
Ainda dentro desta comparação, outro fator extremamente relevante é a desproporcional atenção dada ao futebol em relação ao automobilismo de competição! Enfim, um verdadeiro tapa-buracos na grade das emissoras de TV, Rádio, mídia impressa etc., conforme Márcio escreve com muita propriedade e isenção.
Mas também nós, automobilistas, temos nossas responsabilidades. Quando aceitamos que a Stock-Car Brasil nos enfie goela abaixo a ideia de ser ela uma categoria multimarcas, não estamos, também nós, errando em aceitar essa inverdade?
Gosto da Stock-Car Brasil mas não me parece certo dizer que uma categoria que tem os mesmos chassis e os mesmo motores, porém com uma “bolha” de carenagem que inspire apenas a imagem de outras marcas, seja, de fato, multimarcas. Quem tem mais de 40 anos, certamente curtiu muito o Autorama e pode experimentar quase o que ocorre na Stock hoje, ou seja, apenas bolhas diferentes… Esperem! Acho que esqueci algo. Sim os motores e os chassis dos carrinhos de Autorama eram sim, multimarcas! Quem não se lembra da supremacia dos motorzinhos japoneses em relação aos bons e confiáveis “Estrelinhas”, porém com alguns milhares de RPMs a menos? E os chassis de latão e os de alumínio, entre outras tantas diferenças técnicas? Sim, por mais infantil e amador que possa parecer, o Autorama era sim, multimarcas.
Mas a imprensa parece mesmo ser a principal responsável pelo descrédito do automobilismo de competição, sim, mas temos que exigir também. Entendo que o receio de perder a Stock-Car, quem sabe, possa ser o motivo de nosso silêncio, mas devemos ser os primeiros a colocar as coisas nos seus devidos lugares. Não seria, por exemplo, a Fórmula 3 Sul-Americana superior tecnicamente à Stock? Não são os carros de F3 mais rápidos e velozes? O que falta então, além da espetacular administração, divulgação e promoção que existe na Stock-Car?
Antes que pareça que sou um detrator da Stock, quero dizer que a admiro muito, apesar de preferir, de longe, os Fórmulas, independentemente da categoria. À propósito disso, parabenizo o automobilismo paulista pela recriação da Fórmula Vee Brazil. Quem sabe não seja este um dos caminhos para redenção de nosso automobilismo.
Outro caminho seria justamente disseminar a mesma competência administrativa e promocional da Stock-Car para as demais categorias do nosso automobilismo, porém corrigindo pequenos erros e respeitando e promovendo a diversidade técnica de cada categoria. Como consequência, o automobilismo brasileiro passaria a ser “desejado” pela imprensa em geral, que abriria mais centimetragem e tempo para ele. Lógica parecida à lógica de uma antiga opinião que escrevi no GPTo, intitulada “Automobilismo X Montadoras.
Desculpem o longo texto e desabafo. Novamente, parabéns ao Márcio Madeira
Forte abraço à Família GPTotal.
Paulo C. Winckler, Porto Alegre
Po Marcio, me desculpe por ter trocado os nomes. Mas obrigado pela atenção.
Eu não gosto muito decomentar sobre politica ainda mais politica ligada ao esporte. No caso aqui do Rio é saber se realmente o novo autodromo será construido … não vejo muita vontade politica neste sentido … fora isso acho que com tantas fabricas automotivas se instalando aqui no Brasil era mais do que sensato se CBA motivasse estas fabricas ajudar no renascimento do automobilismo brasileiro …
Fernando Marques
Niterói RJ
To contigo amigo Márcio!
E é por isso que eu admiro muito a F-Truk, pois eles praticamente não dependem da CBA e fazem um show de espetáculo por conta deles, provando que brasileiro ainda gosta de automobilismo, mas que também gosta de um evento com qualidade.
Mas infelizmente, como diz o ditado, “uma andorinha só, não faz verão”.
O que precisarem, é só falar, pois farei o possível pra ajuda-los a reverter esta situação do nosso automobilismo!
Abraço a todos!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Valeu Mauro! Vou começar essa série de textos em setembro, com participação dos pilotos aqui no fórum.
Abraços, e tudo de bom aí.
Olha Mauro, pra começar os ingresso tinham que ser mais baratos para pessoas de outras classes sociais, porque o automobilismo é visto aqui por aqui apenas para pessoas providas financeiramente. Por exemplo, eu sou fanatico por automobilismo mas eu não tenho coragem de pagar 400, 500 reais ou mais para assistir o Gp do Brasil de F1 ou a Indy 300. Talvez se os ingressos fossem mais acessiveis outras classes da sociedade que também gostam de automobilismo se interessariam pelo esporte automotor. Um grande exemplo citado aqui é a F-Truck com a formula do bom e barato, sempre batendo recorde de publico nos autodromos que ela passa. Espero ter contribuido com a materia de vocês! Um abraço.
Valeu pelo retorno, Rafael! Abraço!