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Entre 22 e 23 de fevereiro de 1931, um ciclone passou pelo norte da Sicília e causou grandes estragos. Entre eles os ocorridos nas estradas que compunham a Targa Florio. Deslizamentos de terra e alagamentos destruíram totalmente o trecho entre Polizzi e Collessano, inclusive levando embora uma ponte. Um trecho de 108km com longas retas também foi duramente atingido.

A prova estava marcada para ocorrer em 10 de maio.

O criador da prova, Cavalliere Vincenzo Florio, e autoridades locais foram inspecionar os danos e verificaram que seria impossível recuperar tudo a tempo. Ou cancelavam ou adiavam ou encontravam outra alternativa. Qual?

O Cav. Florio era um homem bastante eficiente e logo encontrou a solução: o antigo percurso, chamado Grande Circuito, 40km mais longo, que tinha sido utilizado entre 1906 e 1911. Proposta aprovada, para garantir a realização da prova melhorias foram feitas em ritmo intenso.

O que mudava para os competidores? Esse circuito tinha extensão de 146km, com cerca de 2.000 curvas de todos os tipos, direita-esquerda, alta-baixa, ligadas por subidas íngremes e descidas acentuadas, entre algumas retas. A altitude ia do nível do mar até quase 2.000m. Pista estreita, naturalmente – era uma época distante das autoestradas.

Seriam quatro voltas, cerca de 8.000 curvas, perfazendo 584km em pista de terra. Em resumo, a corrida mais difícil do ano seria ainda mais difícil, um desafio ímpar para pilotos e máquinas, bem como para a organização e para as equipes.

E quais seriam elas?

Esperava-se que a Bugatti, dominante na temporada até aquele momento, viesse com toda força. Seu novo carro, equipado com motor de 2,3L com duplo comando de válvula, era um sucesso, principalmente nas mãos de Achille Varzi, seu piloto principal e vencedor da Targa Florio de 1930.

Nos últimos seis anos, a Bugatti tinha participado dessa prova com equipe oficial e vencido por cinco vezes. Ettore Bugatti até oferecia um dos prêmios, para a melhor equipe. Ocorre que pouco antes, ele tinha tido um acidente ao experimentar a Golden Bugatti, com um colossal motor de 15L, e estava em repouso. Como era um tipo centralizador, que gostava de supervisionar tudo, natural que ocorressem dificuldades na empresa durante sua convalescença e uma delas foi organizar a equipe para participar da Targa Florio. A ausência oficial afetava diretamente Achille Varzi, que tinha trocado a Alfa pela Bugatti e já tinha vencido em Túnis e Alessandria para esta marca.

Ele tinha razões para acreditar que poderia continuar batendo sua antiga equipe. E assim inscreveu sua Bugatti T51 2,3L vermelha particular, com a qual tinha vencido aquelas duas  provas.

 

 

A Maserati levou seus carros com motor 8 cilindros em linha de 2,5L para Luigi Fagioli, Clemente Biondetti e René Dreyfus.

A Alfa definiu que uma vitória nessa prova era essencial e decidiu ir com força total. Levou um total de onze carros, seis para treino e cinco para a corrida. Eram duas novas 2,3L de 8 cilindros em linha e 3 1,75L de 6 cilindros em linha, as mais potentes destinadas a Tazio e Luigi Arcangeli, este um talento em ascenção. Giuseppe Campari era o único que já tinha competido nesse percurso. Baconin Borzacchini e Guido D’Ippolito completavam o grupo de pilotos. Importante ressaltar que Campari e Borzacchini preferiam as 1,75L, por considerarem sua agilidade mais adequada ao circuito.

Vittorio Jano, projetista-chefe do depto. de corridas da Alfa, era o chefe de equipe, assistido por Enzo Ferrari, coordenando os trabalhos de 25 mecânicos.

A Alfa inovou trazendo um sistema de telegrafia sem fio que permitia a comunicação com todos os elementos-chave da equipe, desde o posto principal até o mais longínquo ponto de apoio, que continha peças de reposição, combustível, pneus e outros itens eventualmente necessários.

Em outra evidência da seriedade de sua preparação, chegou à Sicília duas semanas antes da prova. A Maserati veio uma semana depois. Varzi apareceu poucos dias antes.

A marca do tridente tinha dificuldades extra. Fagioli, sua grande estrela, ainda estava longe de sua melhor forma, recuperando-se de uma cirurgia no quadril. O francês Dreyfus só tinha participado dessa prova uma vez, três anos antes. A impressão era que seu talento em pistas de alta velocidade não apareceria em um circuito como esse. Para complicar um pouco mais, durante os treinos o mecânico escalado para fazer dupla com ele mostrou ter estômago sensível demais para essa montanha-russa.

Dreyfus optou então por competir sem companhia e assim a equipe decidiu aproveitar o espaço vago para instalar um tanque de óleo suplementar.

 

 

Os treinos ocorreram todos com tempo bom e assim se confirmou que a quantidade de poeira levantada por um carro atrapalhava bastante quem vinha logo atrás. Com chuva, a lama assumiria o lugar da poeira.

A largada era dada em Cerda e às 8hs da manhã de domingo o tempo ali estava bom. A platéia era enorme, grande o entusiasmo com as novas Alfa 2.3L e com a possibilidade de baterem a Bugatti, ainda mais que esta só tinha um representante. Embora este fosse italiano, com um carro vermelho, a preferência era pela Alfa. Por outro lado, também havia a consciência de que era “Varzi contra o resto.”

Tinha chovido pesado durante a noite, o que naturalmente tornaria alguns trechos do circuito bem diferentes. Olhares apreensivos se dirigiam para o leste, onde nuvens de chuva pairavam sobre as montanhas. As equipes deveriam se preparar para o pior?

Vittorio Jano achou que sim, já tinha determinado que colocassem paralamas dianteiros nos carros. Arcangeli recusou, achando que não valia a pena esse peso extra. Iria pagar um alto preço por essa decisão. Varzi também largou sem esse dispositivo.

Os carros partiam a intervalos de cinco minutos, em ordem crescente de acordo com sua numeração. Antes da largada ocorreram seis desistências, reduzindo o grupo a 13 competidores.

Mas eram da mais alta qualidade.

Com o nº 2 Varzi foi o primeiro a sair, às 8:30. Biondetti (Maserati), nº 6, foi o seguinte, depois Fagioli (Maserati) nº 8, Campari (Alfa) nº 10, Dreyfus (Maserati) nº 12, Tazio (Alfa) nº 14, Borzacchini (Alfa) nº 16, Arcangeli (Alfa) nº 18, Constantino Magistri (Alfa) nº 22, Guido D’Ippolito (Alfa) nº 24, Carlo Pellegrini (Alfa) nº 26, I. Castagna (Salmson) nº 30 e Letterio Cucinotta Piccolo (Bugatti Type 35) nº 36 fechando o grupo.

De Cerda até Caltavutoro Achille trabalhou brilhantemente aproveitando a pista livre à frente, cobrindo o trecho em 25m13s. Borzacchini foi o segundo mais rápido, com 25m32s e Fagioli o terceiro, com 25m41s. As três principais marcas presentes ocupavam as três primeiras posições.

 

Concluo na 2a-feira, dia 31/1. Bom fim de semana a todos

 

Carlos Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Chiesa,

    se permite queria fazer um belo registro.

    24 Horas de Daytona

    Brasil fez barba, cabelo e bigode. Venceu 3 das 5 classes que participaram na prova

    Na classe principal Helio Castro Neves foi o vencedor

    Na classe LMP 3 Felipe Braga foi o vencedor

    Na classe GTDPró deu Felipe Nars de Porsche … detalhe ele foi contratado pela Porsche para ser seu piloto na endurance … Daniel Serra correndo numa Ferrari chegou em segundo na classe

    Acho que merece o registro .. foi um belo feito alcançado pelo automobilismo brasileiro, fato histórico nunca ocorrido em Daytona

    Fernando Marques

  2. Carlos Chiesa disse:

    Que bom ter pessoas como você compartilhando do nosso conteúdo. Acho que LH corre, sim, este ano, só para não perder a deixa. Nuvolari certamente não deixaria passar batida a oportunidade de fazer o que gostava.

  3. Fernando Marques disse:

    Chiesa,

    a temporada da Formula 1 de 2021 parece ainda estar bem viva. Manuel Blanco foi simplesmente perfeito em suas primeiras colunas deste ano e obvio que nós amantes da Formula 1 ainda vivemos expectativas da temporada passada. Tem a investigação da FIA, que todos nós sabemos que não vai mudar em nada o veredito de Abu Dahbi e tem o silêncio de L. Hamilton … será que corre em 2022? … Será que a investigação da FIA pode mudar esta possível decisão da sua aposentadoria?
    Bem … tudo isso temos que esperar pra ver o que acontece … né?
    Nada melhor então que nos deliciar com as suas narrativas daquilo que a história do automobilismo nos proporcionou no passado … e nada melhor lembrar da Targa Florio …

    Show … o GP Total é demais … por isso não deixo de sempre estar aqui

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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