Leia a 1a parte desta coluna: https://gptotal.com.br/targa-florio-1931-1a-parte/
A uns 4km após Castellana tem uma montanha com encostas íngremes. Na base dela há um curso d’água, com uma ponte. Provavelmente com excesso de velocidade combinada com vento lateral, a Maserati de Fagioli derrapou e a traseira do seu carro foi se chocar de lado contra o parapeito. O eixo traseiro sofreu o maior impacto e dobrou, assumindo a forma de U. Sem chance de prosseguir. Com sorte, Luigi teve apenas um dente quebrado.
A extrema exigência dessa prova fazia sua primeira vítima.
60 quilômetros percorridos e a situação não se altera, Achille lidera perseguido por Baconin.
Eles percorrem assim o trecho em subida até o nível mais alto do percurso mas, na descida, Varzi amplia a vantagem.
2h03m54s após a largada, Achille completa a primeira volta, com boa margem sobre o 2º colocado, Borzacchini, que marca 2h06m6s. Nuvolari, Campari, D’Ippolito, Biondetti, Arcangeli, Dreyfus e Piccolo completavam os dez primeiros.
Estava prevista uma parada para Nuvolari apenas após completar a 2a. volta mas, de repente, ele para em um dos pontos de apoio pedindo para trocar dois pneus, como precaução. Como a equipe não estava preparada, o tempo de parada se estende a 2m5s.
E o pior chega. A chuva começa leve e vai aumentando progressivamente. Achille continuava liderando, mas Nuvolari e Borzacchini aumentam o ritmo e se aproximam. Varzi tem pista livre de competidores à frente mas esses dois têm paralamas…
Borzacchini pára para trocar velas e aí é a vez de Campari se juntar à perseguição. Sem querer Biondetti imita Fagioli. Com a visão atrapalhada pela chuva e pela lama, abordou rápido demais uma esquina, sua Maserati deslizou e foi abraçar uma parede, tendo que abandonar. Felizmente também sem ferimentos importantes.
Varzi se mantinha à frente, mas seu tempo de volta aumenta 10’ porque teve que parar para trocar velas e pneus. Nuvolari conseguiu diminuir sua desvantagem para 2′ nessa volta.
Ao completar a 2a. volta a ordem era: Achille (4h17m58s), Tazio (4h20m02s), Campari (4h22m28s), Borzacchini (4h25m13s), D’Ippolito (4h29m46s), Arcangeli (4h34m02s), Dreyfus (5h07m24s), Piccolo (5h08m41s) e Pellegrini (5h42m36s).
Ao cabo de duas voltas, todo mundo tem que parar para reabastecimento e troca de pneus. Enquanto alguns mecânicos se ocupam disso, outros cuidam do reabastecimento do piloto e seu mecânico: líquidos, comida e… cigarros. Os dois sentados no cockpit e os mecânicos abastecendo… outros tempos.
Campari é o que pára por menos tempo, 1m30s. Tazio leva 08s mais. Borzacchini sai após 1m56s. Achille troca também as sapatas de freio e por isso gasta 2m07s. A chuva continua firme, a pista vai ficando cada vez mais encharcada. Lamacenta ou escorregadia, conforme o trecho. A visibilidade é de poucos metros à frente.
Durante a terceira volta Borzacchini diminui a diferença para Achille para dois minutos. Ele notoriamente gostava de pilotar sob condições extremas como essas.
Tazio e Campari perdem terreno.
Dreyfus, que em nenhum momento foi uma ameaça, tinha saído da pista três vezes e trocado 14 velas. Sua Maserati tem um problema crônico de ignição e ele parece demasiado cansado. Percebendo que dificilmente teria condições de obter um resultado expressivo, decide abandonar. Resultado zero para a Maserati.
Completada a terceira volta, Varzi tem uma vantagem de 2m18s sobre Nivola. Borzacchini está pouco mais de 3m atrás de Tazio e Campari colado em sua traseira. Os demais já estão bem mais longe.
Achille precisa parar para trocar uma vela, perdendo 1m50s. Como não tem paralamas, ele e o mecânico estão cobertos por uma massa viscosa amarela. É tanta lama que ele é obrigado a trocar os goggles. Faz bem. Mesmo com goggles uma pedra atinge o olho esquerdo de Arcangeli. Um filete de sangue escorre sobre a massa que cobre seu rosto. É obrigado a desistir. Zehender assume o volante dessa Alfa, muito a contragosto, porque ao contrário do colega de equipe preferia estar correndo com paralamas.
Campari faz uma parada imprevista, justamente para fixar um pára-lama que tinha afrouxado, o que é feito em meros 54s. Tazio troca uma vela e perde ainda menos, 43s. E ele vai à caça. Tinha largado 25m atrás do amigo/rival e agora a distância está diminuindo constantemente.
Como em uma famosa Mille Miglia anterior, indo à frente, Varzi não sabe exatamente qual a diferença de Tazio para ele, se está atrasado ou adiantado, quando passa pelo ponto de apoio. Tazio sabe. Principalmente porque os postos de apoio e o posto principal da Alfa se comunicam com rapidez.
Com a chuva pesada incessante alguns trechos da pista se tornam lamaçais profundos, com as rodas tendo que criando sulcos e logicamente perdendo velocidade. Para aumentar ainda mais a tensão, uma neblina se forma em alguns setores.
Estava se tornando uma das mais difíceis edições da duríssima Targa Florio. Pior que isso só se o ciclone passasse novamente.
Achille, seu mecânico e o carro formam um monte de lama móvel. Nem sinal da pintura vermelha. Para a platéia sem intimidade com o assunto, impossível reconhecer carro e competidores, o número há muito foi encoberto. Com os novos goggles tampando sua visão, sem chance de limpeza, suas luvas estavam igualmente enlameadas, Achille os joga fora.
Se ele e o mecânico precisam conversar, as bocas engolem lama. Ou pedras, como ocorreu com o infortunado Arcangeli.
A equipe Alfa nota as dificuldades da Bugatti sem paralamas e sinaliza a seus pilotos para aumentar o ritmo, o que eles fazem, deixando Varzi para trás nos quilometros finais da prova.
Tazio vence em 9h00m26s, com Borzacchini apenas 2m28s atrás, em excelente condução, uma vez que pilotava a 6C 1750GS. O pobre Achille, sem apoio da Bugatti, sem comunicação eficiente com a equipe e sem pára-lama, chega em 3o, 5m27s atrás do 2o colocado, com Campari meros 17s depois. Guido D’Ippolito, com Alfa 1750, chegou 21m depois e Zehender fechou a lista de finalistas, com a outra 8C 2300, mais de 45m após Nuvolari.
Achille tem o consolo de ter assinalado a melhor volta, a primeira, novo recorde desse Grande Circuito.
Também vale registrar o acerto da Alfa, tanto com a organização como com carros e pilotos. Baconin e Giuseppe Campari foram brilhantes em vários momentos e mostraram que nessas condições as 1,75L eram uma escolha bastante competitiva.
Tazio mais uma vez provou que era a melhor aposta da Alfa para confrontar a superioridade da Bugatti 2,3L conduzida por Achille.
Boa semana a todos
Carlos Chiesa
2 Comments
Olá Fernando. Como a pista era estreita (imagine estradas vicinais de terra aqui no Brasil, mesmo hoje) a ultrapassagem física era praticamente inviável. Por isso os duelos tinham que ser na base do cronômetro mesmo. Sem dúvida as equipes eram essenciais e a derrota de Varzi, por pouco, se deve principalmente a isso, creio eu. Azar dele Ettore Bugatti ter tido aquele acidente, não? Fico feliz que você goste dessas histórias, isso é automobilismo em estado puro, em minha opinião. Tempos muito perigosos, é verdade, mas a tecnologia era orientada para aquilo que efetivamente tem a ver com a real performance, dando bastante espaço para o piloto fazer a diferença.
Chiesa,
o que eu acho muito interessante nestas corridas, o que valia era o tempo cronometrado e não se o cara está em primeiro, segundo ou algo parecidos pois não largavam ao mesmo tempo … não sei se pelas condições da pista (de terra ou lameada) permitiam grandes duelos ou “pegas”, creio que sim, mas o importante era fazer o menor tempo de volta … as equipes de apoio eram fundamentais nesse sentido … e como os carros davam problemas … era um tal de trocar velas certa encharcadas de lama ou poeira) … pneus, freios, paralamas … muito legal já que os membros das equipes se bobear trabalhavam tanto quanto os pilotos …
Eram outros tempos … adoro essas histórias …
Fernando Marques
Niterói RJ